quarta-feira, janeiro 05, 2011

Os lotófagos

Hoje, após ler o quinto capítulo de Ulisses, de James Joyce, senti uma profunda vontade de me deitar numa banheira com sabonete perfumado repleta de flores. Minhas favoritas são as rosas - vermelhas. Como boa ariana, adoro o vermelho. Esse é um capítulo cheio de sensações, tocando os diversos sentidos, mais especialmente o tato, o olfato e o paladar. Escrita do corpo, linguagem narcótica. A tradutora Bernardina Pinheiro relaciona essa escrita sensacionista com a narrativa da Odisséia: o capítulo Lotófagos seria uma referência aos companheiros de Odisseu, que ao aceitar comer os lótus na corte do rei Alcino ficam inebriados pela inércia e se recusam a partir.

Logo no início do capítulo, Leopold Bloom encontra um menino coletor de lixo "fumando um coto de cigarro mastigado". Na rua Westland Row, Bloom observa uma vitrine da Companhia Belfast de Chá Oriental, onde fantasia a respeito do universo do Oriente.

O Oriente distante. Lugar encantador deve ser: o jardim do mundo, folhas grandes preguiçosas a flutuar à volta, cactos, campinas floridas, cipós sinuosos assim os chamam. Me pergunto se é realmente assim.

Nessa passagem, não pude deixar de me lembrar do meu querido heterônimo Álvaro de Campos, que em sua poesia traz relatos sobre perambulações pelo Oriente em busca de grandes aventuras. Duas estrofes de Opiário:

É antes do ópio que a minh'alma é doente.
Sentir a vida convalesce e estiola
E eu vou buscar ao ópio que consola
Um Oriente ao oriente do Oriente.

Esta vida de bordo há-de matar-me.
São dias só de febre na cabeça
E, por mais que procure até que adoeça,
já não encontro a mola pra adaptar-me.

Prosseguindo a caminhada, Leopold Bloom vai até o correio, onde recebe uma carta de Martha, amante de Leopold Bloom, que escreve para o seu pseudônimo, Henry Flower (flower, flor em inglês). Lá ele encontra M'Coy, que comenta que sua mulher está para conseguir um bom cargo. Leopold Bloom então afirma que Molly Bloom cantará no Ulster Hall. M'Coy afirma que talvez não poderá ir ao enterro de Dignam e pede para que Bloom assine por ele.

A carta de Martha endereçada a Henry Flower, pseudônimo de Leopold Bloom, contém uma "flor amarela com pétalas rosas achatadas". Nela, Martha faz diversas declarações de desejo a Bloom. Nunca me senti tão atraída por um homem como você. Eu me sinto tão mal a respeito. E a correspondência termina assim: PS: Diga-me sem falta que tipo de perfume sua mulher usa. Eu quero saber.

Depois, Leopold Bloom vai à igreja. Joyce descreve o ritual como algo bastante corpóreo: como corpórea é a própria religião cristã. Corpus: corpo. Cadáver. Boa ideia o latim. Entorpece-as primeiro. Asilo para os moribundos. Elas não parecem mastigá-la: apenas engoli-la. Ideia estranha: comendo pedacinhos de um cadáver. Ora os canibais concordam com isso. E diante das iniciais na cruz, I.N.R.I., Leopold Bloom lê assim: Inocente Nazareno Rapaz Infeliz.

Após a missa, Leopold Bloom vai à farmácia de Bantom Lyons, onde compra sabonete perfumado, óleo de amêndoa e tintura de benjoim. Ao chegar em casa, Leopold Bloom segue para o banho, e o capítulo termina belamente assim:

Desfrute um banho agora: uma tina de água limpa, esmalte frio, o jorro tépido e suave. Este é o meu corpo.
Ele anteviu seu corpo pálido totalmente reclinado nela, nu, num útero de calor, untado de um sabonete líquido perfumado, suavemente banhado. Viu seu tronco e membros, limão-amarelo, cobertos pela água ondulada e por ela sustentados, boiar ligeiramente: seu umbigo, broto de carne: e viu os cachos escuros emaranhados de seu tufo flutuando, cabelo flutuante da corrente em volta do pai flácido de milhares, uma lânguida flor flutuando.

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