terça-feira, janeiro 25, 2011

Cila e Caribde

O nono capítulo de Ulisses, de James Joyce, Cila e Caribde, se passa na Biblioteca Nacional e envolve uma discussão entre o jovem poeta Stephen Dedalus e outros intelectuais a respeito da sua teoria sobre Shakespeare, como também sobre visões particulares quanto à relação autor e obra.

Um dos debatedores, John Eglinton, afirma que os irlandeses precisam criar um personagem com tanta força quanto Hamlet, do saxão Shakespeare. Ao que Russel responde afirmando que essas questões são frívolas, posto que a arte é universal e deve ser encarada como a expressão de ideias, referindo-se ao mundo das ideias de Platão, sendo tudo o mais uma tola discussão de escolares. Indo de encontro ao argumento de Russel, Stephen Dedalus declara que os próprios escolásticos foram escolares, tendo Aristóteles sido aluno de Platão.

Segundo Stephen Dedalus, o personagem Hamlet é inspirado em Hamnet Shakespeare, o filho do escritor, e a rainha culpada teria sido inspirada na esposa adúltera de Shakespeare, Ann Hathaway. Russel considera desnecessário saber sobre a biografia de Shakespeare para entendê-lo, posicionamento do qual Dedalus discorda. Ao falar sobre Ann Hathaway, Stephen Dedalus se lembra da própria mãe:

Leito de morte de minha mãe. Vela. O espelho coberto com lençol. Quem me trouxe ao mundo jaz ali, com pálpebras de bronze, sob algumas flores baratas. Liliata rutilantium. Eu chorei sozinho.

O bibliotecário da Biblioteca Nacional afirma para Stephen Dedalus que concorda com suas teorias sobre Shakespeare. Ele pergunta a Dedalus sobre a infidelidade da mulher do poeta, ao que ele responde: Onde há uma reconciliação, deve ter havido primeiro uma separação. Já John Eglington, Sr. Best e Russel testam todo o tempo a validade da teoria de Dedalus. A história da consubstancialidade entre pai e filho em Hamlet é comparada ao dilema da Santíssima Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo.

Aquele Que gerou a Si-Mesmo por meio do Espírito Santo e Ele-Próprio se enviou, um Mediador, entre Si-Mesmo e os outros, Que molestado por Seus demônios, despojado de sua veste e açoitado, foi pregado como um morcego na porta de um celeiro, passou fome na cruz de lenho, Que se deixou enterrar, se ergueu, atormentou o inferno, se instalou no céu e lá nesses mil e novecentos anos se sentou à mão direita de Sua Própria Pessoa, mas ainda virá no último dia para julgar os vivos e os mortos quando todos os vivos já estarão mortos.

Stephen Dedalus conta que Shakespeare tinha três irmãos: Gilbert, Edmund e Richard. Dois deles deram nomes a pernagens perversos da obra de Shakespeare: Richard, o corcunda, e Edmund, o conquistador barato. Já o proprio nome, William Shakespeare teria escondido num Will palhaço numa peça, ou pintor...

Após o debate sobre a teoria de Dedalus a respeito de Shakespeare, Buck Mulligan afirma que encontrou Stephen Dedalus estudando literatura na companhia de duas prostitutas. E então os intelectuais se rendem à bebedeira.

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