terça-feira, fevereiro 01, 2011

Fugazzi: Instrument (2006), Jem Cohen


Há momentos de determinados filmes que estão lá para que o cineasta delimite junto ao espectador qual o seu lugar na representação. Peguemos como exemplo o documentário Nelson Freire (2003), do João Moreira Salles. Há uma cena em que o pianista Nelson Freire está concedendo uma entrevista à televisão, e, diante dos pedidos e perguntas frívolas da equipe de TV, o pianista lança um olhar cúmplice para a câmera da equipe de João Moreira Salles. Este momento é bastante especial no filme, pois conota uma relação íntima e mesmo afetiva entre cineasta e o entrevistado.

Assim ocorre em Fugazzi (2006), de Jem Cohen, só que a encenação é elaborada num programa de TV utilizado como material de arquivo de Cohen. Após fazer algumas perguntas aos integrantes do Fugazzi, a apresentadora de televisão olha para a câmera e diz: Vamos agora assistir ao videoclipe da banda Fugazzi. Vemos a apresentadora parada e sem saber o que fazer durante alguns segundos, envolvida numa situação nitidamente constrangedora. O motivo: a banda independente de hardcore Fugazzi, vinda da cena underground de Washington D.C., não realiza videoclipes simplesmente por ser contra as grandes gravadoras e o mainstream típico de emissoras como a MTV. É nessa cena em que Jem Cohen revela que a sua elaboração fílmica passa longe das estéticas dos documentários e videoclipes feitos para a televisão.

Buscando o que há de punk e sujo na banda Fugazzi, Jem Cohen filma com câmeras digitais que mostram imagens bem caseiras, valendo-se também do super 8. O filme apresenta muitos cortes (remetendo ao ritmo do próprio hardcore), e no entanto os seus cortes são não para entreter o espectador, mas para hipnotizá-lo, e também traz imagens fora de foco e nenhuma glamourização de um integrante em particular. A banda Fugazzi e o cineasta Jem Cohen tem ambos consciência de que tanto um show quanto um documentário são pura encenação, algo revelado numa entrevista em que um dos músicos afirma que nos seus espetáculos "tudo é encenação e nós manipulamos as pessoas".

No entanto, assim como a realidade foge ao controle do cineasta, também as pessoas que vão aos shows do Fugazzi entram em conflito com a banda e não são tão manipuláveis assim. Em um dos shows representados no documentário, há um confronto entre os integrantes da banda e o público. Quem já foi a shows de hardcore sabe que é comum a prática do pogar - ou seja, homens ficam se esmurrando numa espécie de dança violenta do punk rock. Essa prática para mim sempre me pareceu muito machista, pois já tentei diversas vezes pogar e os homens ou batiam em mim (o que parecia uma brincadeirinha, na verdade é violência pura), ou mandavam eu sair da roda. O Fugazzi é contra essa prática, mas muitas pessoas que vão aos seus shows insistem em querer pogar, o que gerou um conflito exibido no documentário. A agressividade do hardcore estimula encenações de verdadeiros "clubes da luta", não aceitos pelo Fugazzi.

O documentário Fugazzi é interessante por revelar uma paixão do cineasta pela banda, um completo envolvimento que beira à agressividade dos espectadores dos shows de rock. Um filme que apresenta as imagens a favor do fascínio da música, em que os corpos possuídos pelo som hardcore é que guiam a câmera.

Um comentário:

Gomorra disse...

Já ouvi maravilhas sbre esta banda e os comentários acerca do documentário só alimentaram o meu anseio...

Até que eu já poguei algumas vezes, mas... Dá medo! Tem gente que se aproveita para catartizar ódio e a coisa degringola... Mas valeu enquanto tentei...

Querendo ver!

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