terça-feira, fevereiro 01, 2011

Paixão por Tarkovsky


Hoje assisti a O sacrifício (1986), de Andrei Tarkovsky, e depois de ter visto O espelho (1974), Solaris (1972), Nostalgia (1983) e Stalker (1979), restando-me ainda ver alguns filmes, penso que Tarkovsky é, sem dúvida, um dos meus cineastas favoritos. Pois por mais que os filmes desse cineasta russo sejam muito difíceis de digerir, eles são bastante auto-biográficos, poéticos e políticos - uma tríade maravilhosa e bastante difícil de encontrar por aí. Algo que me chamou a atenção e que está presente em todas estas obras que vi foi a crítica às ideologias tecnicistas de defesa do progresso. Tarkovsky, cineasta soviético que viveu os dilemas da Guerra Fria, pareceu-me bastante atingido por uma melancolia diante da paixão pelo progresso tecnológico existente tanto no mundo capitalista quanto no mundo socialista.

Na crítica à civilização elaborada pelo protagonista de O sacrifício e alter-ego de Tarkovsky, Alexander, ela é descrita como regida pelo poder, dominação e destruição. Alexander tem essas reflexões sentado junto a uma árvore, numa paisagem bastante bela de uma vegetação movida pela invisibilidade do vento (por que me lembrei tanto de Johannes em A palavra (1955), de Carl Theodor Dreyer?). Tarkovsky mostra, utilizando travellings bastante delicados e em plano sequência, o ator e estudioso de literatura e filosofia tão solitário em suas divagações, enquanto seu pequeno filho escapa brincando pelo mato. E é esse pequeno que faz o gesto de regar uma árvore, no último plano do filme (e também da carreira de Tarkovsky), gesto esse que remonta à parábola que Alexander havia contado no início do filme, sobre praticar um mesmo ato ritualmente todos os dias para que o mundo mude.

Assim como é uma criança quem cria aos poucos um novo mundo, é com uma mulher, a empregada Maria (justo o nome da mãe de Jesus!), que Alexander deve fazer amor para encontrar a salvação. Não foi Alexandre quem abandonou o teatro por vergonha de incorporar os sentimentos alheios, por ver como uma fraqueza, como algo feminino sentir tão intensamente? Como diz a patroa de Maria, Quem mais ama é o mais fraco, aquele que está mais aberto a sentir. Mas é com uma mulher que ele tem que se deitar para obter sua ascese! É no amor onde ele vai buscar algum sentido num mundo que, como o próprio Alexander disse, conquistou um excessivo desenvolvimento material em detrimento do desenvolvimento espiritual. A mulher seria tão somente uma metáfora dessa espiritualidade...

E, se como afirma Andreas Huyssen, o Titanic seria uma espécie de metáfora da modernidade, dado que a modernidade trouxe a promessa de evolução da humanidade, mas, assim como o Titanic submergiu logo no primeiro dia, o mundo tão logo afundou em guerras mundiais, é possível crer que Tarkovsky, através dos personagens do filho e de Maria, concorda com Ana Cristina César =)

As mulheres e as crianças são as primeiras que
desistem de afundar navios.


O plano do filho de Alexander, que havia sofrido uma cirurgia de garganta, deitado junto à árvore que volta a crescer, balbuciando as frases No princípio era o Verbo e Pai, por quê? Por quê?, representa o fim e o começo. O começo, como no Gênesis, e o fim, como no sacrifício de Jesus Cristo, que pregado na cruz olha para os céus e suspira: Pai, por que me abandonastes? Assim como Alexander teve de se livrar de sua casa incendiando-a diante da iminência de uma guerra nuclear, seria preciso dirimir os pilares da civilização tecnocrata para alçarmos um novo mundo? No princípio era o Verbo - ou quem sabe uma Imagem.

Um comentário:

Gomorra disse...

Glupt!

Eis o filme...

Meu preferido dele é SOLARIS

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