quinta-feira, dezembro 02, 2010

Le fils (2002), Luc e Jean-Pierre Dardenne


O que eu considero mais impressionante no cinema dos irmãos Dardenne é o completo domínio do roteiro - o desenvolvimento do conflito de seus personagens traz toda a contradição humana e se conduz a fios inextrincáveis. A excelente elaboração do roteiro se dá também em virtude da construção dos personagens a partir de gestos demasiado simbólicos. E uma constante no cinema dos Dardenne é o fato de o clímax apresentar uma dolorosa revelação aos seus personagens e a conclusão da trama representar uma ascese deles.

Tomemos um exemplo: nesta madrugada assisti a Le fils (2002), que narra a história de um homem que resolve ensinar a arte da carpintaria ao rapaz que, com apenas 11 anos de idade, estrangulou o seu filho durante um assalto. Temos neste filme uma fórmula inversa a outro filme dos Dardenne, L'enfant. Pois L'enfant fala de um pai ausente que decide abandonar o seu bebê vendendo-o num momento de aperto financeiro, enquanto Le fils aborda a vida de um pai desamparado com a morte do filho, e que busca no seu assassino um novo filho.

E a encenação proposta pelos Dardenne chega à excelência através dos detalhes, dos tais gestos simbólicos. Olivier, o pai que perdeu o filho, pergunta para o rapaz que matou a criança, Francis, o que ele havia feito para permanecer preso durante cinco anos. Nesse momento, os dois estão jogando totó. E durante o jogo é possível observar a agressividade que remonta ao rancor que Olivier carrega de Francis, mas também vemos a infantilidade do assassino.

Após Olivier revelar que era pai do menino que Francis havia matado, o garoto corre com medo de Olivier. A perseguição termina com Olivier sentado em cima de Francis e com as mãos sobre o seu pescoço - numa clara referência à morte do filho de Olivier, por estrangulamento. Mais parece que as relações humanas são perpassadas por imagens carregadas de passado e por ações que se repetem.

Além do domínio de roteiro pelos Dardenne, os atores que interpretam Olivier e Francis agraciam a narrativa com uma atuação maravilhosa. O ator que representa Olivier, Olivier Gourmet, estava impecável, trazendo a solidão no semblante austero de bom pai. E Morgan Marine, que interpretou Francis, apresenta gestos sutis de uma agressividade infantil que cede a uma igual solidão profunda - o que une Francis e Olivier.

E será que Olivier acredita que tem uma missão divina ao cuidar de Francis? Afinal, não é a toa que ele é carpinteiro, assim como José, que ensinou a Jesus Cristo, filho de Deus e não seu, a arte da carpintaria.

2 comentários:

Gomorra disse...

Pois o que mais me surpreende no cinema deles é o mais óbvio mesmo, o que está nesta foto: o elemento tátil, o toque, a cãmera grudada no pescoço dos personagens, as estórias que explodem anunciadamente...

Lembro duma discussão moral mui relevante que tivemos após a sessão de O SILÊNCIO DE LORNA, em que eu fui tachado de umbiguista demais (ou algo parecido) por não ter achado o filme demasiado sofrido... (risos)

Acho que me consolo...
tenho certeza, no sentido djavaniano do termo!

WPC>

tatiana hora disse...

ah sim, com certeza esse elemento que você citou é muito forte e maravilhoso também!