segunda-feira, dezembro 06, 2010

Os catadores e a catadora (2000), Agnès Varda


Em Os catadores e a catadora, Agnès Varda consegue aliar debate sobre problemas sociais a uma reflexão estética sobre a arte cinematográfica, o que finda por deixar de lado um esteticismo abstrato e separado da vida cotidiana, como também segue para além da dicotomia forma e conteúdo.

Neste documentário, Agnès Varda vai em busca das pessoas que se dedicam a catar vestígios: sejam aqueles que coletam os restos da colheita no campo, sejam os mendigos que vasculham latas de lixo. E, nesse processo, a cineasta faz uma viagem sensível, afirmando-se como uma catadora - de imagens, de poesia, de afetos.

Tanto os catadores quanto a cineasta se posicionam num lugar situado na periferia do capitalismo. O que está no centro da discussão neste filme é justamente o que Alvin Toffler denominou sociedade do descartável, e, esteticamente falando, sociedade do espetáculo formulada por Guy Debord e estetização da vida cotidiana como propõe adversamente a Debord o teórico Michel Maffesoli.

O conceito de sociedade do descartável conclui que na contemporaneidade a economia capitalista é caracterizada por uma alta efemeridade, criando produtos para durarem cada vez menos tempo, para serem consumidos instantaneamente e por fim descartados. Toffler conclui que esta sociedade produz uma quantidade monumental de lixo, e o desperdício prevalece na esteira da desigualdade social. David Harvey vai além em Condição pós-moderna e formula que esse modo de lidar com as coisas promove alterações na própria subjetividade - estaríamos lidando com relações humanas, valores, ideologias também descartáveis. E não seria assim também na estética de filmes criados para serem consumidos e descartados?

Ora, se os catadores estão atrás da renovação, do aproveitamento daquilo que foi descartado pela sociedade, Agnès Varda procura pela imagem poética que igualmente se encontra em decadência nos tempos caracterizados pelo consumo excessivo de imagens. O filósofo Guy Debord postula que a imagem seria o fim último da acumulação capitalista ocorrida no decorrer da história - o capitalismo não produz apenas mercadorias, mas também e talvez o mais importante, imagens (como aquelas da publicidade). Numa opinião adversa à de Debord, Maffesoli não vê a estetização da realidade como um processo de alienação (alienação essa que se dá através da sacralização das mercadorias através da imagem), todavia crê na apropriação pelos indivíduos da cultura midiática constituindo as suas formas de sociabilidade (a exemplo das tribos urbanas que partilham apreciação em comum de determinados produtos midiáticos).

De todo modo, se os catadores coletam o que é desperdiçado pela sociedade do descartável, Agnès Varda cata imagens que ainda almejam preservar a poesia num universo marcado pela imagem que tem valor mercadológico acima de qualquer outro. E para isso ela assume uma estética amparada num equipamento bastante precário, posicionando-se à margem da produção cinematográfica das grandes produções milionárias. Assim, Varda parece querer ativar o nosso olhar para esta imagem que nos exige a contemplação: dispõe no último plano um quadro em que o movimento acontece no instante, em que o tempo se confunde com a imagem.

2 comentários:

Gomorra disse...

Ah, eis um filme que pelejo para ver faz tempo...
Me empresta, me empresta!

WPC>

tatiana hora disse...

te empresto sim, meu caro.
belíssimo filme!