segunda-feira, agosto 16, 2010

Wittgenstein's Tractactus (1992), Péter Forgács


Um belo dia, de repente, eu encontro entre meus arquivos de filmes no computador duas obras de Péter Forgács. E simplesmente não lembrava quem diabos era o homem! Aí pensei que teria baixado dois filmes dele por causa de um em particular, que estava entre os arquivos: Wittgenstein's Tractactus (1992).

Na verdade até o momento não sei porque baixei esses filmes e como eu cheguei até o nome desse cineasta húngaro. Suponho que tenha visto em algum livro sobre documentário, porque o outro filme dele que tenho aqui, Private Hungary, é um documentário, mas enfim... Nesta madrugada resolvi assistir ao bendito Wittgenstein's Tractactus.

O filme apresenta diversas imagens de arquivos pessoais e se encontra dividido em sete partes, como são sete as proposições do Tractactus de Ludwig Wittgenstein. A obra apresenta diversas citações do Tractactus Logico-Philosophicus citadas por uma voz over e também escritas sobre algumas imagens.

Wittgenstein's Tractactus me parece uma espécie de pretensioso filme-teoria. Peguemos a citação daquela parte em que Wittgenstein fala que "o que a pintura representa não é o cachimbo, e sim o sentido", numa clara referência à pintura do surrealista Magritte que apresenta um cachimbo com o dizer "isto não é um cachimbo". Trazemos à tona aí um dilema a respeito da representação. A imagem não é a realidade.

Ora, levando isso para o âmbito da discussão sobre o documentário, sabemos que a narração em voz over levantou diversas discussões na teoria do cinema acerca do poder que ela exerce sobre as imagens, apresentando afirmações que almejam uma compreensão da verdade sobre o mundo. Tal voz foi caracterizada por Mary Ann Doane como "voz de Deus" - ela é todo poderosa, onisciente sobre a realidade, e as imagens são a sua prova.

A voz over, a voz de Deus do filme experimental de Forgács estaria utilizando Wittegsntein para contestar o próprio estatuto da voz over no cinema documentário? Ela revela uma impotência diante das imagens dos arquivos daquelas pessoas comuns que aparecem na tela?

Por exemplo. No início do filme, vemos a voz over citar os seguintes dizeres de Wittgenstein: Nenhum choro de tormento pode ser mais forte do que o choro de um único homem. No entanto, o que a imagem nos mostra é um porco sendo chutado por pés que não identificamos de quem seja. E, mesmo não sendo o porco, até mesmo ele não sendo humano, podemos identificar nele o sofrimento. A imagem nega a voz over. E é por isso mesmo que o próprio Wittegsntein em Investigações Filosóficas nega diversos aspectos do Tractactus, e na sua formulação sobre os jogos de linguagem inclusive conclui que a dor não tem dono, e que podemos perceber os sinais da dor também porque sentimos dor, sendo assim o significado algo compartilhado.

Para mim, um momento feliz do filme foi quando cita as partes em que Wittgenstein diz que "morrer é não é um evento da vida, a morte é não viver" e também "que o sol nascerá amanhã não é uma certeza, o mundo independe de minha vontade". Nesse instante, aparecem imagens de um quarto de um casal de velhos que estão indo dormir. Segundo Wittgenstein, o nascer amanhã é uma necessidade lógica, mas não natural. Para o filósofo de Viena, os ditames da natureza pertencem ao âmbito do Místico, ou seja, do inefável, daquilo que não podemos falar. Achei interessante o filme apresentar as imagens de um casal de velhos indo dormir entre as tais frases de Wittgenstein sobre a morte e a incerteza de um outro nascer do sol.

O final do filme, com a última proposição do Tractactus, o silêncio, é também bastante misterioso. O último plano apresenta um homem sentado a uma mesa sozinho, fumando e olhando para a câmera enquanto a voz over recita o Tractactus: "sobre o que não se pode falar, deve-se calar". No Tractactus de Wittgenstein, esse é o momento em que ele destrona os grandes problemas da filosofia, pois, segundo ele, a história da filosofia é repleta de falsos problemas muitas vezes formulados pela falta de clareza conceitual, problemas esses que deveriam ser silenciados.

E, para ele, não é função da filosofia elaborar proposições, dizer algo sobre a realidade, mas tão somente buscar uma disciplina intelectual, analisando o modo como utilizamos a linguagem. No entanto, considerando que o Tractactus é um conjunto de proposições, ele afirma ainda que "tudo que eu disse não faz sentido". Não faz sentido, mas mostra. Assim como a poesia não faz sentido, a dialética também, todavia mostram.

O filme de Forgács é também uma atividade de mostrar. Até mesmo de negar a si mesmo. Assim como o Tractactus. E, será que assim como Wittgenstein no Tractactus Logico-Philosophicus acredita que a atividade da filosofia é analisar a linguagem, Peter Forgács quer nos dizer que o documentário deveria refletir sobre a linguagem, as estratégias de representação, como faz o documentário reflexivo?

Um comentário:

Pseudokane3 disse...

Com todos estes problemas apontados, ainda quero muito ver este filme...

E me juntar a ti no respeito a este filósofo simples e absolutamente genial!

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