quarta-feira, agosto 04, 2010

Inquietação de faca

Eu não queria ter você perto de mim durante tanto tempo. É simples. Talvez fosse a condição para eu apreciar mais a sua companhia. No entanto, talvez, quem sabe, se você se afastasse mais um pouco eu esqueceria da sua existência. Da sua às vezes interessante, às vezes entediante existência. Você está na justa medida entre eu não lembrar de você e eu enjoar de vez.

Percebo que o meu silêncio te incomoda. E posso ver que, quanto mais eu calo, mais nervosa você fica, buscando algum assunto, qualquer assunto, que possa despertar a minha atenção. Não adianta. E você continua fumando um cigarro após o outro, apertando a bituca acesa no cinzeiro e continua mesmo ela já apagada, pedindo mais doses de rum, bebendo pra me dizer... pra me dizer o quê?

Entre duas frases suas que eu capto, há verdadeiras odisséias, grandes arquitramas, livros de cabeceira e poemas recitados com tanta dedicação a me fazer conhecê-la. Mas eu, tão interessado na mosca que quer pousar no copo de chopp. Tão absorto na luz refletida no vidro que confunde a rua com o bar em imagem fugaz.

Não sei porque, mas em algum momento eu peguei essa mania de te beijar de olhos abertos. E, quando o mundo desaparece para você e vira o meu peito, as minhas costas, o meu pau e o meu lábio, eu posso ver você tão concentrada em mim e observo você para comigo, mas nunca eu para com você.

Talvez porque com o passar do tempo o beijo deixou de ser a véspera do sexo para se tornar um expressão de um gostar. E às vezes eu gosto da sua presença, mas em outras horas você me parece uma intrusa, e eu tenho essa vontade de lhe deixar falando sozinha pra ver se uma hora você vai embora sem se despedir.

Eu não gosto de te abraçar como antes. É que no seu abraço você vira gigante, é que o seu afeto é tão grande que me deixa constrangido e, se você insiste, me dá agonia, me afoga e eu preciso nadar sozinho neste mar.

Eu vejo a sua beleza e a sua tristeza, mas quanto mais você me aponta as suas feridas expostas, sem casca e em carne viva a espera dos abutres de Prometeu, mais eu reparo na sua fraqueza e você vai se tornando tão sem vida.

Sim, a grande contradição é essa, pois se a vida parece ter sido injetada por você mesma nas suas próprias veias, você parece não suportá-la e ceder cada vez mais e eu me preparo para uma hora ou outra te segurar num desmaio.

Eu não suportaria tanto amor. Mas não é amor o que por mim você sente. E eu sei lá que diabos você sente. O tempo inteiro você coloca o que há dentro de você pra fora como se fossem vísceras falsas. E eu nada tenho com isso tudo.

Só que quando você me deita e coça a minha nuca, ou quando me ouve falar das minhas vãs filosofias, eu me perco. Eu deixo de querer que você vá. O seu carinho então me deixa confortável em você. Descubro que você, apesar de tudo isso, carrega com você e também tem um pouco de paz pra me dar. Mas logo quero me livrar da sua presença. Eu não quero dividir o lençol. Está frio...

E ainda prefiro essa vida sem amor. Porque não estou sem amor - o sem pressupõe uma falta. E se um dia eu amar de novo depois de tanto tempo não vai ser alguém como você. Porque isso não é amor. Não é. Nem você mesma sabe o que é isso.

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