quinta-feira, outubro 07, 2010

O segundo turno e o direito à vida


Assim que acordei, quando cheguei à sala, encontrei meu irmão vendo um video sobre a Dilma. Ele, que é evangélico, disse que estava procurando onde estava o bendito vídeo em que ela afirma que nem Deus tiraria a presidência das mãos dela, e não achou em lugar nenhum, encontrando apenas vídeos manipuladores. Ele colocou as mãos na cabeça e afirmou: "Meu Deus, às vezes tenho vergonha de ser evangélico!".

Quando eu estava na fila para votar, uma senhora logo na minha frente comentou que ia votar na Dilma, mas depois decidiu optar pela Marina Silva porque tinha ouvido falar da tal declaração que meu irmão estava procurando.

Com a chegada do segundo turno, uma onda de acusações é feita contra a candidata à presidência. Dizem até que ela tem pacto com o demônio. São muitos pastores pedindo para não votar na Dilma, e um padre chegou ao cúmulo de afirmar na Canção Nova que os fiéis deviam escolher o Serra.

Resultado: entre os principais pontos do programa de Dilma no segundo turno está o "direito à vida". Um militante do PT chegou ao cúmulo de afirmar no twitter que a culpa de Dilma ter ido ao segundo turno era das feministas do PT, que incluíram a descriminalização do aborto como pauta a ser debatida pelo partido enquanto governo.

Não pude deixar de me lembrar do filme do Kiarostami, ABC África. A religião católica insiste em demonizar o uso da camisinha, e o diretor mostra uma cena em que um pequenino corpo é enrolado num lençol. Depois o pai parte numa bicicleta com a caixa contendo o cadáver de uma criança que tinha AIDS.

É aí que eu me pergunto: o que é direito à vida? Direito à vida devia ser acesso universal a um serviço de saúde pública DE QUALIDADE. Direito à vida devia ser ninguém passar meses esperando por uma consulta. Direito à vida devia ser ninguém ser morto na banalidade da violência urbana. Direito à vida devia ser ninguém mais perder a vida trabalhando em troca de migalhas.

E tantos deixam a discussão sobre as mazelas sociais de lado porque preferem votar no candidato que acredita em Deus (no deus deles) e falam no direito à vida como um dom divino imaculado. Enquanto isso, acontece o massacre em tantas guerras dissipadas em tantos lugares do mundo.

*Imagem do filme ABC África.

Um comentário:

Pseudokane3 disse...

E o pior (ou melhor) é que Deus não tem título de eleitor...

Ai, ai, teu irmão...

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