terça-feira, janeiro 27, 2009

Cinema, coisa de outro mundo

Desde a exibição pública de A chegada do trem à estação, dos irmãos Lumière, no Grand Café de Paris, o cinema foi visto como coisa do outro mundo. Dizem que os espectadores se assustaram diante da imagem do trem vindo em sua direção, imaginando que a qualquer momento ele ia atravessar a tela e invadir a sala. Ao mesmo tempo em que o cinema parece advir de uma espécie de universo paralelo, ele adentra nossas vidas assim como o trem do filme dos Lumière.

O cinema é coisa de outro mundo principalmente se estivermos falando de Terceiro Mundo, Brasil, menor estado do país. Aqui não temos o direito de fazer cinema. Filmes são para serem feitos em grandes estúdios, com máquinas de propaganda monstruosas, e para serem exibidos no lugar favorito das classes mais abastadas - o shopping.

Arte cara feita para quem pode pagar por ela. Se um filme não passa de uma ilusão elaborada diante de nossos olhos e projetada numa tela, ele se torna ainda mais distante se lembrarmos que as pessoas comuns podem compor música, escrever poesias, mas de maneira alguma realizar filmes. Os que fazem música e poesia podem morrer anônimos, mas pelo menos a eles foi reservado o direito de produzir sua arte. E o filme do realizador, que vive apenas na sua cabeça, é um filme?

Os filmes são feitos por deuses, não pelas pessoas comuns. Na tela, os deuses do star system reinam absolutos. São rostos de uma beleza acima dos mortais, e com semblantes onipresentes, vidas estampadas em capas de revista, seres humanos que se transmutaram em pura imagem - ícones que se desvencilharam de sua própria materialidade.

Esse cinema que é feito por estrelas, ele nos aparece como vindo de um universo paralelo também porque em grande parte ele é falado em outra língua. Ele tem a cara de outro lugar. E é inconcebível ele ser filmado com gente da gente, na rua da esquina e na nossa língua.

Dizem até que se uma obra audiovisual só em cinema se filmada em película. Um filme só é um filme se utiliza filme. O que é gravado em video não tem o direito de ser cinema, de ser chamado de filme. O cinema é confundido com rolos de filme.

Se já nos tempos do neo-realismo italiano, com o avanço técnico de equipamentos mais leves e menos caros, ousaram falar em sair dos estúdios e em realizar um cinema possível, o cinema ainda hoje não deixou de ser impossível. Mesmo com o video de celular, o cinema de verdade é aquele que tem Julia Roberts e passa no shopping. Quem sabe lá se um dia isso vai mudar.

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