segunda-feira, julho 03, 2006

Proximidade das eleições gera discussão sobre voto nulo

Em um país imaginário, os fiscais de uma seção eleitoral aguardavam pelos eleitores que insistiam em não chegar. Às quatro horas da tarde, filas de eleitores davam a volta no quarteirão até se perderem de vista. Após a apuração dos votos, constatou-se que cerca de 70% deles eram em branco. Foi realizada outra eleição, e mais de 80% da população votou em branco. A capital do país foi sitiada, ou seja, foi declarado estado de emergência enquanto a ordem institucional se encontrava ameaçada. Toda essa situação e o seu desenrolar estão retratadas no livro Ensaio sobre a Lucidez, do escritor português José Saramago.

Na vida real, seja nas mesas de bar ou na Internet, há discussões sobre as eleições desse ano. Alguns falam em votar nulo ou em branco, gerando debates sobre o papel do cidadão e sobre a democracia. No Brasil, diferente do país de Saramago, o voto em branco não anula eleição nem vai mais para nenhuma legenda desde 1997, servindo apenas para fins de estatísticas.

Quando o eleitor digita na urna eletrônica um número que não existe, esse voto é considerado nulo. Segundo o artigo 224 do Código Eleitoral, se mais da metade dos eleitores votar nulo será declarada a nulidade da eleição e ela deverá ser preparada novamente no prazo de 20 a 40 dias. Os candidatos da eleição anulada poderão se candidatar de novo.

Mensagens em massa fazendo propaganda do voto nulo foram enviadas pelo Orkut por Andréa Nascimento, estudante de Biologia Bacharelado da Universidade Federal de Sergipe (UFS). “Meu recado dizia: imaginem se mais da metade da população votar nulo, o que aconteceria no Brasil? Mas não sei ainda se vou anular meu voto. Fico com a sensação de que vou votar nulo sozinha, acho que todo mundo sente isso”, afirmou Andréa.

Grandes fóruns de discussão, como o iniciado por Andréa, são formados na Internet. Há redes de mobilização para fazer manifestações acionadas em questão de horas. “As informações circulam de forma muito rápida. Mas é aquela velha história: o cara que está lá no canteiro de obras não tem acesso a isso”, disse o cientista político Ernesto Seidl.

Marineide dos Santos tem uma banca onde vende sorvete no Terminal D.I.A., em Aracaju. “Eu já votei nulo”, afirmou. “Foi um voto de protesto, pode não ter sido pro resto do mundo, mas pra mim foi”, disse depois de servir um sorvete a um menino com farda de escola. Marineide falou que ainda não sabe em quem vai votar nessas eleições. Ela é contra o voto obrigatório. “Se o voto fosse facultativo os políticos trabalhariam mais para conquistar confiança, e nem metade da população sairia de casa para votar”, opina a comerciante.

O voto é obrigatório no Brasil para indivíduos com idade de 18 a 65 anos. Segundo o cientista político Ernesto Seidl, provavelmente as taxas de participação ainda seriam elevadas se o voto não fosse obrigatório. “Em grande parte por causa da mitologia democrática difundida, segundo a qual o voto é um direito sagrado. Também pelo fato de o voto ser um instrumento de engrenagem do clientelismo, que pode trazer benefícios ao eleitor”, avalia.

Eleições anuladas em Sergipe

Mais de seis mil eleitores tiveram que ir às urnas de novo em dois municípios de Sergipe, Nossa Senhora de Lourdes e em Divina Pastora, em 2004 por conta do número de votos nulos no processo eleitoral. No primeiro caso, o desembargador Artêmio Barreto, presidente do Tribunal Regional Eleitoral, pediu que fossem enviadas tropas federais para a cidade a fim de garantir a segurança dos eleitores.

Em Nossa Senhora de Lourdes, o prefeito Laerte Gomes tentava se reeleger e foi o único candidato da primeira eleição. Seu candidato à vice, Cleomaston da Silva Costa, era menor de idade. Dos 4.316 eleitores, 2.220 votaram nulo. Na segunda eleição, Laerte se candidatou novamente, mas Péricles Barbosa de Matos, do Partido dos Trabalhadores (PT), foi eleito com 51,20% dos votos.

Já no município de Divina Pastora, Carlos Augusto Cardoso Costa, Cabelinho, tentava seu terceiro mandato. Ele concorria com Paulo Mendonça, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Jorge Oliveira, do Partido Popular Socialista (PPS), e Antônio Carlos dos Santos, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Dos 2.402 eleitores, 1.493 votaram nulo, sendo que Antônio Carlos dos Santos não recebeu nenhum voto. Na segunda eleição, José Carlos de Souza, do PMDB, venceu com 56,1% dos votos.

Reportagem: Tatiana Hora

Edição: Carolina Amâncio

2 comentários:

Künzang Yeshe disse...

Pois é, e não é à tôa que não existe um botão "anular" nas urnas eletrônicas, o que é um absurdo, forçando aos menos esclarecidos o voto em "branco" e absterem-se do sua (contra)participação.
É foda...

Abraço.

Anônimo disse...

vc tirou o texto de ontém. Faça isso não. Sério. Eu vi hj de manhã e de alguma sorte espero que outros visitantes vejam...rsrs.