sábado, julho 31, 2010

Ironias da vida

B.A.: seria uma ironia, mas só mais uma história de alguém que nunca pensou em vir pra Brasília e acabou vindo

eu: foi assim com vc?

B.A.: é quase sempre assim

sim

o pessoal fala que você não escolhe brasília, brasília escolhe você

eu: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

q onda isso

eu: e tem o que fazer aí, menino? isso é importante...

B.A.: opa, se tem

pra você ter uma idéia da diversidade

hoje eu vou num festival de cinema filipino no ccbb

eu: :-O

B.A.: depois numa quermesse num templo budista

eu: uaaaaii

B.A.: depois encher a cara em algum boteco pagão

hehehe

eu: hahahahahahahahahahahahahaha

adooooro

quinta-feira, julho 29, 2010

Serras da desordem (2006), Andrea Tonacci


O início de Serras da desordem, com suas imagens idílicas de uma família indígena brincando na floresta, pode nos remeter ao clássico documentário Nanook, o esquimó (1922), de Robert Flaherty, e também a tantos outros que se dedicaram, assim como a primeira antropologia, à alteridade. Nesses filmes, o outro parece ingênuo - mas são eles mesmos elaborados a partir de modos ingênuos de filmar.

No entanto, é claro que Serras da desordem passa muito longe disso. E vemos no instante em que a criança indígena aponta para o céu em direção a um avião o prenúncio das relações dialéticas entre natureza e progresso que são desenvolvidas no decorrer do filme.

Trata-se de um documentário que se propõe a narrar a história de um índio, Carapiru, separado de sua aldeia em luta com capangas. Mais tarde ele é recebido por trabalhadores nas redondezas, até que finalmente é levado por um funcionário da Funai com o objetivo de devolvê-lo à sua aldeia.

Contando assim parece tudo muito simples, mas não é. A cena em que um trem da Companhia Vale do Rio Doce surge no meio da mata avançando em direção à câmera que constrói um enquadramento vertoviano, para depois de um corte, um travelling mostrar o índio ao lado de uma placa dizendo algo como proibido, área indígena, é simplesmente magistral. Em dado momento, uma montagem com princípios eisensteinianos (excessos de planos, choque, metáfora na justaposição das imagens) discursa sobre o processo violento e dialético de modernização do país, com imagens da repressão da ditadura militar e inclusive uma citação de outro documentário que se aventurou pela Amazônia, Iracema - uma transa amazônica (1974), de Jorge Bodansky, numa crítica às promessas desenvolvimentistas do projeto da Rodovia Transamazônica, construída durante o governo Médici.

Imagens como essas mescladas com encenações que mostram a trajetória do índio elaboram um documentário que deixa o espectador embasbacado com a verdadeira bagunça que Tonacci faz com os limites entre documentário e ficção. O sujeito-da-câmera encenado pode ceder lugar ao sujeito-da-câmera participativo, por exemplo, quando vemos entrevistas com pessoas que conviveram com o índio Carapiru. Mas a entrevista mais marcante de todas certamente é aquela em que Carapiru está diante da câmera falando em sua própria língua. Tonacci revela esse limite que está entre tantos outros limites da linguagem - inclusive da cinematográfica - que impossibilitam um encontro com a verdade totalizante.

E quando Tonacci utiliza as imagens de arquivo jornalísticas é para evidenciar que, apesar de o Jornalismo geralmente ser vendido ao consumidor como verdade, são as narrativas jornalísticas repletas das maiores mentiras. Como aquela reportagem que apresenta Carapiru feliz finalmente retornando à sua aldeia. Enquanto a câmera jornalística mostra Carapiru tirando as roupas, a repórter afirma que agora ele estaria junto a pessoas como ele, que falavam a mesma língua e gostavam das mesmas coisas.

Essa visão apresentada pela repórter, que é a mesma de órgãos como a Funai, traz as marcas do que Stuart Hall denomina diáspora. A mitologia da diáspora parte de uma narrativa teleológica a respeito de povos afastados de sua terra de origem. Esses povos, assim como os judeus escravizados no Egito, sonham com o retumbante retorno à sua terra prometida. Mas, como aponta Stuart Hall, a identidade cultural é demasiadamente complexa, instável, para ser descrita em termos de um eu e de um outro unívocos.

É por isso que o índio Carapiru e outros índios não estão livres das influências das outras culturas. E Tonacci elabora uma genial brincadeira no final do filme quando, após mostrar Carapiru se desfazendo de suas roupas e indo em direção às grandes matas verdes virgens, apresenta uma equipe de filmagem aguardando por ele e o diretor dando ordens de que ele deveria acender uma fogueira. É nessa riqueza de documentário reflexivo que Tonacci não deixa nem o próprio cinema escapar de sua crítica. Afinal, o cinema, arte e tecnologia (e indústria cultural também) estava ali o tempo inteiro modificando o ambiente onde acontece a tomada.

E é por isso que Serras da desordem é, sem dúvida, um dos melhores filmes brasileiros que eu já vi.

quarta-feira, julho 28, 2010

Flâneur


Baudelaire amava a solidão, mas a queria na multidão. (...) Uma embriaguez acomete aquele que longamente vagou sem rumo pelas ruas. A cada passo, o andar ganha uma potência crescente: sempre menor se torna a sedução das lojas, dos bistrôs, das mulheres sorridentes e sempre mais irresistível o magnetismo da próxima esquina, de uma massa de folhas distantes, de um nome de rua. Então vem a fome. Mas ele não quer saber das mil e uma maneiras de aplacá-la. Como um animal ascético, vagueia através de bairros desconhecidos até que, no mais profundo esgotamento, afunda em seu quarto, que o recebe estranho e frio. (...) Paisagem - eis no que se transforma a cidade para o flâneur. Melhor ainda, para ele, a cidade se cinde em seus pólos dialéticos. Abre-se para ele como paisagem e, como quarto, cinge-o.

Walter Benjamin em Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo

Junto a ti esquecerei...

Então lá vou eu fuçar os tais primeiros poemas escritos por João Cabral de Melo Neto que se encontram na Obra Completa. Eu esperava por algumas palavras mais ingênuas, alguns versos menos bem elaborados. Para minha surpresa, o meu querido poeta escreveu em 1937, com apenas 17 anos - calma que eu vou repetir, DEZESSETE ANOS- esta obra-prima. Um poema como este não estaria entre meus últimos, quanto mais entre os primeiros! Impressionante a genialidade do poeta assim desde cedo, e também algo de ingênuo em comparação aos poemas da sua maturidade... E eu, como sempre, me derreto toda ao lê-lo...

Junto a ti esquecerei...

I

Junto a ti esquecerei as inúmeras partidas
- as cordas e as amarras nunca se quebraram
e talvez por isso eu permanecerei imóvel sob a tua influência...
Tu pesarás para mim como produto de âncoras
como a pedra amarrada do pescoço do pecador.
Os portos passarão a ser beira de cais
as terras longínquas nada mais me dizem
- quebrei a bússola para evitar a tentação.
Tua presença é poderosa como urros na floresta.
Sinto que extingues em mim
a sombra dos navegadores.

II

A tua atitude te eleva para o alto.
Vejo que cortaste definitivamente todas as amarras.
Daqui eu advinho os olhos dos homens
perdidos no tempo que nada descobrirão de ti.
Deixa que os não-poetas falem de tua beleza,
esses nunca compreenderão o que há em ti de sombra,
de sementes germinando, de vozes de cavernas.
Nem ao menos que é o teu olhar que nos aproxima
que nos torna irmãos para o resto do tempo.
Eu te reconheceria entre todas, porque tua presença eu a pressinto.
Deixa que tuas formas eles a tomem pela essência.
Esses te perderão ainda mais
e nunca compreenderão tuas inúmeras sugestões
que tu mesma desconheces.

III

Esquecerei os teus convites de fuga.
As coisas presentes serão absolutamente insignificantes.
Sentir-me-ei em tua presença como o primeiro homem
que se ia apoderando de todas as formas desconhecidas.

IV

Esquecerei todos os convites de fuga.
Os portos serão para nós apenas
as âncoras e as amarras.
Nossos olhos não mais distinguirão
caravelas e transatlânticos sobre o mar.
Nossos ouvidos não mais perceberão
o barulho das ondas que são um chamamento constante.
Então leremos poetas bucólicos
debaixo de uma árvore que deverá ser frondosa.
Indefinidamente rodaremos em torno dela como num carrosel,
indefinidamente estarás comigo.



terça-feira, julho 27, 2010

No tengo medo es la verdad, y lo que sucederá


"Como um bom barco no mar, eu vou, eu vou..."

Meu caso é mais um, é banal

Sempre que ele come meu cu, logo se levanta para ir ao banheiro e me deixa largado no colchão cheio de afetos negados. Ouço a água do chuveiro. Ele se lava, se lava, se lava pra tirar toda a sujeira de bicha que ele pegou de mim. Mas não é porque eu sou bicha que eu mereço ser tratado desse jeito. Meu bem, não são apenas as mulheres que precisam de um abraço após a foda.

Ele diz que só come, não me deixa penetrá-lo. Mas diabos, em nenhum sentido ele me deixa penetrá-lo. Ele está sempre lá com suas poucas palavras, suas baforadas de cigarro, seu olhar que não diz (quer apenas descobrir), sua impaciência diante da minha tagarelice inoportuna e o seu cinto de grande fivela que coloca na calça com a força de homem matuto. Tenho sempre medo do cinto, de um dia ele ter raiva do meu cu e me machucar com o cinto, mas ele de uma forma ou de outra não já está me machucando?

Eu queria muito que ele me deixasse comer o cu dele. Nunca fui bicha passiva, sempre preferi comer a dar. É que às vezes, por paixão, a gente se vira - literalmente. E não lembro de ter tido nojo desse amor que mistura suor e merda. Talvez um pouquito de culpa, mas minha safadeza sempre superou tudo isso.

Na verdade, quando bebê, certa vez minha mãe me encontrou me lambuzando com minha própria merda. Ela contava a todo mundo essa história dando muitas risadas, que havia ido em busca de uma fralda e quando voltou lá estava eu, com um sorriso maroto de dentes defecados e bosta nas pequeninas mãos. Até que eu "virei gay" e ela parou de comentar sobre esse dia.

Ele desliga o chuveiro. Agora que se banhou nas águas do Rio Nilo deixou de ser viado. Haha! E me olha como se não cagasse, como se fosse um ser supremo em sua conduta misteriosa, e eu o ÓBVIO, o sincero demais, o emotivo demais, o que de tão evidente provoca desprezo.

Eu sei que eu não posso dormir aqui, que eu tenho que ir embora logo porque dormir juntos é coisas de viado (trepar não). Mas não trepamos - ele trepa sozinho. E se faz de educado oferecendo o dinheiro do táxi. Eu aceito. E me sinto a grande puta barata. Eu não mereço o cheiro dele, seus lençóis, o seu corpo nu adormecido, a sua distração de quando está sonhando. Eu mereço algumas lapadas de pica e o dinheiro do táxi. Uma vez ele me disse a mesma coisa que um amigo viado também falou.

- Dois homens não se amam... isso não existe. É muito estranho.

Passo pelo porteiro e eu sei que ele sabe, porteiros sabem da vida de todo mundo. Nesta noite, o taxista é o mesmo de ontem. E novamente ele pergunta se estou achando ruim aquela música do Reginaldo Rossi, e eu digo de novo que não, pode ouvir.

- O senhor é corno? - pergunto.

- Sim.

O taxista virou-se para o banco de trás e deu gaitadas. Depois mexeu no crucifixo sobre o espelho do carro e, olhando para mim através do espelho, disse:

- Sou corno sim e o senhor é viado.

Rimos.

- Eu sou corno e viado.

domingo, julho 25, 2010

Novos olhos


Vou ter que abrir mão desse maravilhoso evento em Salvador por causa de algo muito importante.

Porque as coisas dão certo pra mim de um jeito muito esquisito, mas dão! Felicíssima!!!! :D

Agora vestida com as roupas e as armas de Jorge...

sábado, julho 24, 2010

Salvador, aqui vou eu! :D

Bom, durante muito tempo falei mal de Salvador, mas também pudera: fui pra lá uma vez só e com as pessoas erradas. Tirando algumas valiosas exceções, eram coleguinhas de faculdade que adoravam passeios como shoppings e boates frequentadas pelos descendentes de Antônio Carlos Magalhães. Ou seja, não rolou meeeesmo. Mas dessa vez eu vou pra essa terra de tanta malemolência junto com amigos para participar de nada mais nada menos que o SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE CINEMA. E o homenageado da vez é o meu querido Pier Paolo Pasolini, autor de um dos meus filmes favoritos: Teorema.

Muitas palestras legais, muitos filmes interessantes pra ver. Uma verdadeira overdose de uma das minhas maiores paixões (como mainha disse, vai, minha filha, você gosta tanto desse negócio de cinema kkk). Fora a oportunidade de conhecer pessoas novas, lugares novos e reencontrar pessoas de lá.

Pois é. Eu li uma vez no meu livro do cachorrinho (um livrinho com fotos de cachorros e frases de Nietzsche e outros filósofos apropriadas em termos de auto-ajuda) que dizia assim: O segredo não está em ver novas paisagens, mas em ter novos olhos.

Mas é com novos olhos que estou indo agora atrás de novas paisagens... (ui)

A hora da estrela de cinema


Embora minha pele cáqui
Sem rosa ou verde, sem destaque
E minha condição mofina, jururu, panema
Embora, embora
Há uma certeza em mim, uma indecência:
Que toda fêmea é bela
Toda mulher tem sua hora
Tem sua hora da estrela
Sua hora da estrela de cinema

Capibaribe, Beberibe, Subaé, Francisco
Tudo é um risco só, e o mar é o mar
E eu quase, quase não existo e sei
Eu não sou cega
O mundo me navega e eu não sei navegar

Existe um homem que há nos homens
Um diamante em minhas fomes
Rosa claríssima na minha prosa sem poema
E fora, e fora de mim
De dentro afora uma ciência:
Que toda fêmea é bela
Toda mulher tem sua hora
Tem sua hora da estrela
Sua hora da estrela de cinema

Caetano Veloso

Imagem: Lola (1981), Rainer Werner Fassbinder

sexta-feira, julho 23, 2010

Caretas e risos


Minha querida A. enviou um recado no orkut muito fofo que apresenta uma concepção de amor bastante peculiar...

- Então, Charlie Brown, o que é o amor pra você?
- Em 1987 meu pai tinha um carro azul.
- Mas o que isso tem a ver com o amor?
- Bom, acontece que todos os dias ele dava
carona para uma moça. Ele saía do carro,
abria a porta pra ela, quando ela entrava
ele fechava a porta, dava a volta pelo carro,
e quando ele ia abrir a porta pra entrar,
ela apertava a tranca. Ela fazia caretas e
os dois morriam de rir. Acho que isso é amor.

(Peanuts, 1999)

Um deus humano


Tenho comentando com os mais diversos amigos que ando sentindo falta de uma religião. Vontade se iludir? Necessidade de ter algo em que acreditar? Em que me apoiar? Quem sabe...

Mas o fato é que ontem eu me peguei proferindo as seguintes palavras: Só acreditaria num deus que fosse humano! Que sentisse o que eu sinto! Que soubesse a dor e a delícia de ter esta carne, este corpo, esta vida pulsante nas veias da alma! Não um deus que me olhasse de cima com piedade e superioridade...

Ué, mas quem é o deus que se fez homem? JESUS CRISTO! E ele teve o seu martírio, como todos nós, e foi incompreendido, e amado, e traído, e bebeu vinho, e trabalhou, e até amou uma pros-ti-tu-ta.

Esta é a minha alienação. Eu só poderia crer num deus que usasse sandálias...

E é como aquela musiquinha melosa que a Jean Osbourne canta: What if God was one of us? Assim como esta misteriosa mulher que olha para a câmera...

Imagem: Sans soleil (1983), Chris Marker.

quinta-feira, julho 22, 2010

Olinda revisited


Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho.

Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas,
E outros não-fazeres.

É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.

Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tão pouco essas palavras —
Funcionárias, sem amor.

Carlos, há uma máquina
Que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.

E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu corpo.

Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança

Não encontro a palavra
Que diga a esses móveis.
Se os pudesse encarar...
Fazer seu nojo meu...

Carlos, dessa náusea
Como colher a flor?
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho.


Essa é uma famosa carta que meu queridíssimo poeta João Cabral de Melo Neto escreveu a outro gênio, Carlos Drummond de Andrade. Iniciar um post sobre Olinda com esse poema pode ser aparentemente sem sentido, mas o fato é que, quando saí fugida de Aracaju em direção ao carnaval de Pernambuco após intensos dias de trabalho era exatamente assim que eu me sentia. Não que eu trabalhasse num serviço burocrático em alguma repartição pública. Mas compartilhava desse desconsolo de Cabral diante de uma máquina que nunca escreve cartas, e parindo tantas palavras funcionárias, sem amor, enquanto lá fora o dia com seus cinemas, avenidas e outros não-fazeres. E quando eu entrei no ônibus pra Pernambuco eu só pensava: céus, terei dias da mais pura a-li-e-na-ção e verei Olinda inteira descer ladeira. Disseram-me que carnaval era coisa de gente alienada. Que importa? Era disso mesmo que eu precisava! E mandei meu serviço à merda. Brincadeirinha. Pedi folga.

Quando cheguei lá, Recife já era por mim conhecida. A grande novidade era Olinda. E tive a sorte de encontrar meninos muito legais amigos do meu amigo anfitrião que embarcaram comigo nesta aventura. CDU/Rio Doce - aqui vamos nós!

Assim que eu botei meus pés em Olinda, eu me encantei com aquele mar de gente. Era um povo feliz, embriagado, comportando-se igual criança, to-tal-men-te alienado. Finalmente eu havia chegado ao meu querido paraíso do álcool, do maracatu, do frevo, das ladeiras, das gentes que se esbarram umas nas outras, dos bonecos gigantes, enfim, de tudo que não era cobrança, disputa, bater ponto, pauta. Eu imaginava: o mundo podia ser só carnaval!

Então veio a quarta-feira de cinzas. Enquanto para muitos ela é ó, quarta-feira ingrata, para mim ela foi a oportunidade de ficar mais perto de OLINDA. Sabe como é? Antes eu só era uma anônima sendo levada aos trancos e barrancos pela multidão. Mal conseguia ver a arquitetura nostálgica da cidade. E se na quarta-feira de cinzas ainda havia a festa daqueles que não queriam deixar o carnaval acabar, existiam também ruas por onde a gente podia passear tranquilamente contemplando a cidade.

Foi neste dia que eu vi emocionada Alceu Valença surgir na sacada de uma casa em Olinda e cantar Voltei, Recife, foi a saudade que me trouxe pelo braço e também Olinda, quero cantar a ti esta canção. No coro, parecia que eu estava junto com todos sentindo o mesmo encanto, a mesma vontade de que o mundo inteiro parasse e fosse só carnaval.

Após a boa surpresa do Alceu, resolvemos subir até o Alto da Sé. Aquela ladeira parecia não ter fim... Eu imaginava quantos bêbados já haviam rolado por ali... Eu estava pagando algum tipo de promessa... Até que, quando finalmente chegamos ao topo, eu compreendi. De lá de cima dava pra ver duas paixões: Recife e Olinda. E fiquei parada lá, olhando o contraste entre os grandes edifícios ao longe e o mar e as construções arcaicas de Olinda. Enquanto isso, um cantador veio, e cantou dessas canções que dizem algo sobre uma moça bonita, e moça bonita pra lá, moça bonita pra cá. Eu só fazia corar de rir. Um amigo lhe deu alguns trocados.

Não demorou muito para eu me despedir da cidade. Partiria naquela mesma noite, às 23h10. No ônibus, eu misturava as paisagens da janela com as paisagens de Olinda. Prometi que ela seria a musa de todos os meus carnavais. E já cantava em silêncio no escurinho do ônibus, na estrada fria, entre meus lençóis, aquele verso Amanhã tudo volta ao normal, deixa a festa acabar, deixa o barco correr, deixa o dia raiar...

E foi disso tudo que eu me lembrei ontem quando li este poema de João Cabral de Melo Neto, contido na obra A escola das facas...

Olinda Revisited

Poucas cidades ainda
(sem falar nas igrejas
e úteros matriarcais
e bacias maternas)
podem dar a quem passa
a intimidade aquela
de quem vive uma casa
como outra matriz terna,
habitando paredes,
chãos de tijolo, telhas,
rebocos que respiram
anchuras, estreitezas,
mais a porosidade
das quartinhas de terra
que à água dão o gosto
do barro que nos era.
De fora de uma casa
de uma cidade dessas,
o estranho-de-mais-longe
sente a morna franqueza
que expressa sua fachada
(mesmo quando se fecha).
Hoje-em-dia em Olinda,
e não só nas igrejas,
viver-se de alma e corpo,
se pode quem se veja:
se pode em qualquer casa
e contemplando-a apenas;
quem visita tal casa
não só passeia nela:
geralmente se casa
com ela, ou se amanceba.



PS: foto que encontrei numa comunidade do orkut, deste tal de João Andrade que a assina. Infelizmente não levei comigo máquina fotográfica. Alto da Sé :)

quarta-feira, julho 21, 2010

Crepúsculo

De repente a luz crepuscular invade a sala e me toca o corpo. Aceno com os olhos para a janela e vejo que a luz do sol é refletida pelas janelas do condomínio em frente, o Jardim América. Não sei porque, mas o tortuoso fio da memória me leva da luz crepuscular que adentra a varanda e impregna o apartamento com cores encarnadas, para algum canto da lembrança onde meu querido e falecido avô está na varanda da casa de minha infância. Vovô tinha essa mania de se sentar na varanda aos fins de tarde, e no justo momento em que os carros passavam pra lá e pra cá tão atrasados, tão apressados, lá se encontrava vovô, de acordo com o tempo, confortável com o passar das horas, contemplando o horizonte como se não houvesse aquela confusão toda no mundo. O que interessava a ele era o crepúsculo e não a "vida útil".

Essa luz... É como se meu avô tivesse vindo me visitar. Mas veio, nem que seja na lembrança. Saudades imensas!

terça-feira, julho 20, 2010

Não! Só quero a liberdade!

Eu ainda vou tatuar alguma frase desse cara...

Não! Só quero a liberdade!

Amor, glória, dinheiro são prisões.

Bonitas salas? Bons estofos? Tapetes moles?

Ah, mas deixem-me sair para ir ter comigo.

Quero respirar o ar sozinho,

Não tenho pulsações em conjunto,

Não sinto em sociedade por quotas,

Não sou senão eu, não nasci senão quem sou, estou cheio de mim.

Onde quero dormir? No quintal...

Nada de paredes — ser o grande entendimento —

Eu e o universo,

E que sossego, que paz não ver antes de dormir o espectro do guarda-fatos

Mas o grande esplendor, negro e fresco de todos os astros juntos,

O grande abismo infinito para cima

A pôr brisas e bondades do alto na caveira tapada de carne que é a minha cara,

Onde só os olhos — outro céu — revelam o grande ser subjetivo.

Não quero! Dêem-me a liberdade!

Quero ser igual a mim mesmo.

Não me capem com ideais!

Não me vistam as camisas-de-forças das maneiras!

Não me façam elogiável ou inteligível!

Não me matem em vida!

Quero saber atirar com essa bola alta à lua

E ouvi-la cair no quintal do lado!

Quero ir deitar-me na relva, pensando "Amanhã vou buscá-la"...

Amanhã vou buscá-la ao quintal ao lado...

Amanhã vou buscá-la ao quintal ao lado...

" Amanhã vou buscá-la ao quintal"

Buscá-la ao quintal

Ao quintal

ao lado...


Fernando Pessoa, heterônimo Álvaro de Campos

Poema lido nesta madrugada. Finalmente pus as mãos neste livro que reúne poemas de Álvaro de Campos... Havia colocado na mochila de um querido amigo e esquecido de pegar de volta. Dia desses ele me entregou enrolado em papel de presente, como se tivesse comprado para mim, o desgraçado! kkkkkk

O tempo

Hoje meu caro T.P. me mostrou um video em que Raul Cortez, que interpreta o personagem do pai na adaptação de Luis Fernando Carvalho, recita uma passagem de Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, que fala sobre o tempo. Este livro é simplesmente fantástico e essa parte então...

O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor; embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento; sem medida que o conheça, o tempo é contudo nosso bem de maior grandeza: não tem começo, não tem fim; é um pomo exótico que não pode ser repartido, podendo entretanto prover igualmente a todo mundo; onipresente, o tempo está em tudo; (...)
rico não é o homem que coleciona e se pesa no amontoado de moedas, e nem aquele, devasso, que se estende, mãos e braços, em terras largas; rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver com o tempo, aproximando-se dele com ternura, não contrariando suas disposições, não se rebelando contra seu curso, não irritando sua corrente, estando atento para o seu fluxo, brindando-o antes com sabedoria para receber dele os favores e não a sua ira; o equilíbrio da vida depende essencialmente deste bem supremo, e quem souber com acerto a quantidade de vagar, ou a de espera, que se deve pôr nas coisas, não corre nunca o risco, ao buscar por elas, de defrontar-se com o que não é;(...)
pois só a justa medida do tempo dá a justa natureza das coisas (...)

Cafuné

Desde quando pequenina
a minha mãe botava a mão na minha cabeça
e enrolava os dedos nos meus cabelos
e enrolava, enrolava, enrolava
Então depois coçava, coçava, coçava
Hoje já grandinha
eu ainda quero o cafuné
e faço cafuné
Porque "happiness is a warm gun"
e com o cafuné
eu caçôo da solidão
eu caçôo do que é triste
eu caçôo do medo
eu caçôo de tudo que não é meninice
eu caçôo até da poesia difícil
e da vida difícil também
Há tanto afeto num cafuné
e um carinho desmedido
que a gente se rende a um gostoso mimo
dessas aventuras de um reconfortante cochilo
dessa poesia de deixar de ser grande e atenta
e se tornar pequena e sonolenta
Vem cá, chega mais
eu vou te fazer um cafuné
porque happiness is a warm gun... yes it is...

sábado, julho 17, 2010

Simultaneidade

- Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero viver!
- Você é louco?
- Não, sou poeta.

Mario Quintana

O mar não é de todos


Era um dia nublado e mesmo assim eu havia ido à praia com um queridíssimo amigo. Interessante que quase sempre que marcávamos de ir à praia, o céu se fechava contra nós. Mas mesmo assim nós seguiamos em frente. A praia com o céu nublado tinha um jeito diferente. Nada como conversar com pés aconchegados na areia macia, banhar-se na água gélida que estremece e desordena o corpo, abraçar-se na toalha para proteger-se do vento frio, e ao mesmo tempo senti-lo com ainda maior intensidade.

Até que o céu finalmente se torna crepuscular. Colocamos nossas sandálias e andamos em direção ao terminal. Somos daqueles banhistas proletários. Metemo-nos no ônibus repleto de suor, de hálitos de álcool e de batucada. Ao chegarmos na entrada do terminal, um mendigo se aproxima de mim.

- Moça, me dá um trocado pelo amor de deus!

Paro. Olho para ele por alguns segundos.

- Não tenho nada, moço. Tô quebrada.

- Pelo amor de deus!

- É sério, moço. Não devia nem ter vindo hoje... Gastar grana que nem tenho... Agora só tenho o dinheiro da passagem.

- Que vida ruim. Eu não tenho nada. Eu não posso me divertir.

Fiquei surpresa. Nunca esperava ouvir isso de um mendigo. Sempre esperei por "uns trocados, por favor". Não que eu achasse que mendigos não tinham alma. É que acreditava que eles sempre seriam um personagem mecanicamente interpretado quando pedem esmolas, como aqueles que eu costumava ver por aí. Mas aquela era uma grande revelação, o seu desabafo. E eu, que estava tão contente naquele dia, disse...

- O senhor tem o mar. O mar é de todos. Tome um banho de mar. O mar é a coisa mais linda que fizeram no mundo.

O mendigo sorriu entre os dentes que lhe faltavam e no meio de uma dor imensa cravada no seu rosto. O sorriso que, consumado no mais puro desespero, chegava a doer ao sair.

Eu queria terminar esta história contando que o mendigo foi correndo em direção ao mar. E que ele se banhou nas águas purificadoras do mar, num sublime momento de catarse. Mas não. Ele apenas me disse "vá com Deus", e seguiu com seu passo arrastado, a mão erguida com insistência lânguida, e a mesma e repetida fala, a mesma e repetida voz.

sexta-feira, julho 16, 2010

Pessoas comuns

- Você me odeia? Tudo o que a gente passou foi horrível assim?
- Não. Houve momentos bons. Não te odeio. Você é apenas um homem comum. Eu, uma mulher comum.

Le mépris


Le mépris ou O desprezo (1963) é um dos filmes de Jean-Luc Godard que mais gosto. E esta obra-prima apresenta uma das cenas mais lindas que eu já vi no cinema. Trata-se daquele momento esplendoroso em que a belíssima Brigitte Bardot está nua deitada na cama. Ela interpreta Camille Javal, esposa de Paul Javal, um roteirista de cinema. Mas a história desse filme não me interessa agora, e sim esta cena em particular. Nunca vi o corpo feminino representado com tamanha delicadeza pelos olhos de uma câmera. Pois se como afirma Laura Mulvey em seu célebre ensaio Prazer visual e cinema narrativo, o cinema costantemente representa o corpo feminino como objeto subjugado ao olho do poder masculino, neste filme o corpo da mulher deixa de ser objeto para se tornar uma verdadeira obra de arte a ser contemplada. Os travellings flutuam sobre o corpo de Brigitte Bardot, a música é como uma adoração a ela, a variação de cores nos atenta para uma certa impermeabilidade e inconstância da relação dos dois. O diálogo entre eles é simplesmente inesquecível. Ela então pergunta...

- Você vê meus pés no espelho?
- Sim.
- Acha que são bonitos?
- Sim, muito.
- E das minhas pernas, você gosta?
-Sim.
- E você gosta dos meus joelhos também?
- Sim. Realmente gosto muito dos seus joelhos.
- E minhas coxas?
- Também.
- Me vê pelas costas no espelho?
- Sim.
- Acha que minha bunda é bonita?
- Sim, muito.
- Quer que me ajoelhe?
- Não é necessário.
- E dos meus seios, você gosta?
- Sim, muitíssimo.
- Suavemente, Paul, não assim tão brusco.
- O que você prefere, meus seios ou meus mamilos?
- Não sei. Gosto igual.
- Gosta dos meus ombros?
- Sim.
- Acho que poderiam ser mais arredondados. E meus braços?
- Sim.
- E meu rosto?
- Também.
- Todo ele?
- Minha boca, meus olhos, meu nariz, minhas orelhas?
- Sim, tudo.
- Então me ama totalmente.
- Sim.
- Te amo totalmente, ternamente e tragicamente.
- Eu também, Paul.

quinta-feira, julho 15, 2010

A mulher de verdade

Hoje, enquanto estava preparando meu almoço (macarronada feita com molho parmegiana, sardinha, ervilha e queijo), coloquei a banda Cachorro Grande pra tocar. É de lei. Só cozinho ouvindo música pra começar bem o dia. Cachorro Grande, a mesma banda que certa vez eu fui a um show, tombei no chão e fui pisoteada por alguns segundos kkkkk. Aí o meu irmão chama a atenção para a letra da música.

- Olha só, Tati, mulher de verdade é essa aqui: E quando pensa em aprontar, ela vai e apronta antes.

Achei engraçado meu irmão dizendo isso. E prestei mais atenção na letra. Letra engraçada, como todas de Cachorro Grande.

Dia perfeito pára na esquina
E diz goodbye, flutua como uma nuvem
She's really have a groove

Fina flor te disse, você é um amor
E disse algo que me entedia
E era isso que eu sentia
E me falou dos seus romances
E quando pensa em aprontar
Ela vai e apronta antes

E eu realmente não creio
Que de fina flor
O cangalho esteja cheio

E me disse esquisitices
E que também vai se guardar
Para quando o carnaval chegar
E me falou dos seus romances
E quando pensa em aprontar
Ela vai e apronta antes

Dia perfeito pára na esquina
E diz goodbye, flutua como uma nuvem
She's really have a groove

Espetáculo em torno da barbárie ou Por um jornalismo atrasado


Certa vez uma queridíssima amiga jornalista me contou que um colega seu todos os dias ia fazer a ronda e, "quando não encontrava nenhum presunto", voltava triste pra redação. A ronda é o jargão jornalístico que significa sair passeando pelo IML, Delegacia Plantonista, etc, em busca de cadáveres donos de histórias horrorizantes. Quanto mais bizarro o crime, melhor. Quanto mais requintes de crueldade, melhor. Rende uma manchete bombástica.

Mas o que eu quero aqui é chamar a atenção para o lado do jornalista, um trabalhador como qualquer outro. Inclusive muitas vezes mal pago, explorado pelo patrão. Esse jornalista certamente não deve gostar de viver num mundo repleto de violência. Mas nem por isso ele deixa de vibrar com uma boa manchete. Esse é o seu trabalho sujo. E é aquela coisa. Se ele não fizer, outros farão. Há uma fila de jornalistas desempregados logo ali na porta.

Nessas horas eu me pergunto por que diabos tanto interesse em torno da desgraça humana. Temos medo e queremos saber sobre a violência que nos ronda? Isso nos deixa mais seguros? Ou temos um prazer sádico diante do grotesco?

Quando eu estava trabalhando como repórter, eu sempre me perguntava em que porra eu estava contribuindo para um mundo melhor escrevendo que fulano deu mais de 60 facadas numa mulher. Ou até que ponto eu estava fazendo um desserviço.

Vi em certa entrevista coletiva cinegrafistas de uma TV local filmando bandidos acocorados de costas para a parede. Observei policiais humilhando criminosos. Jornalistas chamando-os de filhos da puta. E, por mais que eu não quisesse me bater com um bandido daqueles, eu não achava bonita a cena. Em verdade considerava totalmente desnecessária.

Mas aí estão todos correndo pra dar sua manchete. Tem que mostrar serviço. E mostrar serviço é dar o furo jornalístico, a informação quentinha, oferecer a desgraça maior. Com riqueza de detalhes. Em tempo real.

Por isso nessas horas eu defendo o jornalismo atrasado. Sim, isso mesmo. Não o jornalismo que informa minuto a minuto sobre as bombas no Oriente Médio e os números de mortos. E sim o jornalismo que apresenta informações aprofundadas e uma análise consistente, por exemplo, da ameaça dos Estados Unidos ao Irã. Não matérias de última hora sobre os desabrigados da chuva, como se a chuva fosse uma catástrofe natural, e as vidas de gente pobre colocadas em risco não fosse uma problemática social.

Reportagens mais consistentes são produzidas sim, inclusive na imprensa sergipana, mesmo que raramente. Às vezes nos espaços mais sujos de sangue. Mas eu, que gosto do jornalismo atrasado, não estou a fim de saber quantos corpos foram registrados no IML hoje. Essa informação pura e simples não contribui EM NADA para a minha formação humana.

quarta-feira, julho 14, 2010

Cegueira partidária


Observando o comportamento de muita gente, eu percebo que grande parte das pessoas que entram para um partido político sofre do que eu chamaria de "cegueira partidária". Defendem com unhas e dentes o seu candidato. Não suportam ver um jornalista falando mal do governo. Se uma matéria critica Fulano de Tal é manipuladora, está querendo eleger o outro da oposição. Se eu falo mal da esquerda, eu sou da direita. Perdi meu direito de criticar.

Nunca fui cega por essas coisas. Aliás, eu sou uma pessoa extremamante crítica. Comigo mesma inclusive. Por isso é que não vou colocar bandeira na minha janela, não vou pintar minha cara, não vou enfeitar meu orkut, meu twitter, meu msn, sei lá o que mais, com o número de um candidato. Jamás.

Eu já trabalhei num lugar, no tempo em que o DEM era PFL e mandava aqui em Sergipe, que queria me obrigar a participar de carreatas de campanha do candidato do PFL. Pediram até para eu ser fiscal do PFL no dia da eleição. Eu recusei TODAS as vezes que exigiram que eu fizesse isso ou aquilo pelo partido. E sabia que se eles ganhassem eu nunca teria as regalias que aqueles que o fizeram teriam. E até entendo quem se submete a essas coisas em tempos como esse, quando é tão difícil ter seu ganha pão.

No fim das contas eles perderam. Agora o governo aqui é PT. E por mais que odeie a direita, e especialmente o DEM, eu não morro de amores pelo PT. Eu critico sim senhor o governo do meu estado. E não vou de jeito nenhum fazer presepada defendendo o partido.

Não gosto da política feita como se fosse Copa do Mundo. Não gosto de falar de política do mesmo jeito que se fala de futebol. Política é coisa séria. Política trata da coletividade, lida com a vida, com a miséria, com o futuro de muita gente. Por isso deve ser discutida com seriedade e crítica, e não como se fosse Argentina X Brasil na Copa.

terça-feira, julho 13, 2010

Morangos mofados

Desta vez a minha querida madrugada de insônia não é regada a filmes. Nestas horas solitárias ao som dos grilos e com a janela da varanda fechada, pois o tempo é frio (frio como às vezes a vida pode ser), eu estou cá com Caio Fernando Abreu e seu Morangos mofados. Acho que vou até de manhã com o Caio. Como demorei tanto para lê-lo,meu deus? Há tanto tempo Morangos mofados estava aqui neste computador esperando para ser lido. Aí o Caio me diz para ler ouvindo Erik Satie. Coloco pra tocar. É lindo demais sentir o que estou sentindo agora. Um escritor visceral. Eu gosto disso. Muito. Olha só o trecho que estava lendo agora...

Tiramos as roupas um do outro, depois rolamos na areia. Não vou perguntar teu nome, nem tua idade, teu telefone teu signo ou endereço, ele disse. O mamilo duro dele na minha boca, a cabeça dura do meu pau dentro da mão dele. O que você mentir eu acredito, eu disse, que nem marcha antiga de Carnaval. A gente foi rolando até onde as ondas quebravam para que a água lavasse e levasse o suor e a areia e a purpurina dos nossos corpos. A gente se apertou um contra o outro. A gente queria ficar apertado assim porque nos completávamos desse jeito, o corpo de um sendo a metade perdida do corpo do outro. Tão simples, tão clássico. A gente se afastou um pouco, só para ver melhor como eram bonitos nossos corpos nus de homens estendidos um ao lado do outro, iluminados pela fosforescência das ondas do mar. Plâncton, ele disse, é um bicho que brilha quando faz amor. E brilhamos.
Mas vieram vindo, então, e eram muitos. Foge, gritei, estendendo o braço. Minha mão agarrou um espaço vazio. O pontapé nas costas fez com que me levantasse. Ele ficou no chão. Estavam todos em volta. Ai- ai, gritavam, olha as loucas. Olhando para baixo, vi os olhos dele muito abertos e sem nenhuma culpa entre as outras caras dos homens. A boca molhada afundando no meio duma massa escura, o brilho de um dente caído na areia. Quis tomá-lo pela mão, protegê-lo com meu corpo, mas sem querer estava sozinho e nu correndo pela areia molhada, os outros todos em volta, muito próximos. Fechando os olhos então, como um filme contra as pálpebras, eu conseguia ver três imagens se sobrepondo. Primeiro o corpo suado dele, sambando, vindo em minha direção. Depois as Plêiades,feito uma raquete de tênis suspensa no céu lá em cima. E finalmente a queda lenta de um figo muito maduro, até esborrachar-se contra o chão em mil pedaços sangrentos.

Une femme est une femme

Eu podia amar essa mulher. Sim, tenho certeza disso. A sua beleza, desenvoltura, o seu sorriso de quem está de braços abertos pra me receber. Eu podia amar essa mulher. Estranho, achava que para mim só era possível amar um homem. Mas não. Eu a admiro não de uma forma fraterna, amigável, mas admiro com desejo e afeição. Porque ela parece estar explodindo o tempo inteiro diante dos meus olhos. Ela sai detrás das cortinas vermelhas e me mostra um mundo espetacular. Por ela eu nunca sentiria esse sentimento mesquinho que algumas mulheres sentem umas pelas outras. Mas adorava justamente o que fazia dela uma mulher, uma mulher como eu. Que podia chorar convulsivamente e dizer que queria morrer, mas não muito tempo depois já estava dando um riso debochado para a vida, e lutando pela vida, e dizendo na cara da vida que a ama assim cretina e ordinária do jeito que ela é. Eu podia amar essa mulher. Por que ela é assim? Por que diabos ela não ama ninguém e mesmo assim escreve e canta canções de amor? Eu podia amar essa mulher. Sim, e eu lembro dela quando escuto aquela música da Billie Holiday.

Me, myself and I
Are all in love with you
We all think you're wonderful
We do

Bom dia, dia!

Veja só que dia feio. Quanta chuva. Mas faz um frio gostoso.

Bem, amiguinhos, é hora de ir à luta. Chega de viagens, adeus farras homéricas. Agora só tenho olhos pra Deleuze, Certeau, Jameson, Stuart Hall, Jacques Aumont, Nelson Brissac Peixoto, etc etc. E já estava com saudade deles.

Na expectativa pelo dia de estudo de Matéria e memória, de Bergson, com minha querida amiga...

segunda-feira, julho 12, 2010

Num dia parti

Num dia parti sentindo saudade
No outro, náusea
Num dia a estrada parecia me levar para esquecer o inesquecível
No outro os quilômetros de distância me confortavam
Mas um dia eu ainda volto
Porque eu não amo o homem, e sim a cidade.

Olhos de ressaca

O célebre personagem Bentinho em Dom Casmurro em certo momento afirma que Capitu tinha "olhos de ressaca". Bentinho nunca conseguiu entender Capitu. Lembrei-me hoje que meus olhos de ressaca já deram muito o que falar. Olhos disso, olhos daquilo... Será que, assim como a beleza está nos olhos de quem vê, meu olhar está nos olhos de quem vê? Será que meu olhar muda de acordo com contextos específicos? A definição mais peculiar de todas foi essa aqui...

- Tati, você está sempre com o olhar de quem acabou de gozar.

terça-feira, julho 06, 2010

Ausência


Todo autor tem suas manias. E o cineasta japonês Yasujiro Ozu não poderia deixar de também ter as suas. É por isso que vi finais semelhantes em Viagem à Tóquio e Primavera tardia. O mesmo ator interpretando personagens diferentes e vivendo situações semelhantes: a velhice, a perda de sua única companhia, a experiência da solidão. Essa solidão Ozu nos transmite através da passagem de tempo no cinema. Em Viagem à Tóquio, com um personagem que contempla o horizonte após o falecimento da esposa, e em Primavera Tardia através de um senhor descascando uma maçã apresentando o semblante desértico depois da partida da filha que havia se casado. Porque o tempo, quando estamos sós, passa de um jeito diferente. E talvez Ozu esteja tentando nos fazer sentir sozinhos quando assistimos a um filme dele...

Amém

Durante muitos anos eu fui católica, muito católica. De rezar o terço todo dia, de ir à procissão, de passar a semana santa orando. Hoje em dia não me reconheço mais em nada disso. Mas estava pensando nesta madrugada, logo que terminei de assistir a Primavera Tardia (1949), do Yasujiro Ozu, (um desses filmes que me provoca uma sensibilidade tão sublime), que tantas orações que repeti com devoção fervorosa nada me dizem atualmente.

Lembrei da Ave Maria... algumas passagens me incomodam... "rogai por nós pecadores"... não gosto do dilema da culpa cristã, mesmo vivendo-o tantas e tantas vezes ainda hoje. E o Pai Nosso? "Não nos deixei cair em tentação, mas livrai-nos do mal"... Também não aprecio referências a um mal externo...

Não obstante, recordei-me de uma oração em particular que até os dias atuais me emociona! A oração anônima atribuída a São Francisco de Assis, que sempre foi o meu santo predileto! Como é bela...

Senhor: Fazei de mim um instrumento de vossa Paz.
Onde houver Ódio, que eu leve o Amor,
Onde houver Ofensa, que eu leve o Perdão.
Onde houver Discórdia, que eu leve a União.
Onde houver Dúvida, que eu leve a Fé.
Onde houver Erro, que eu leve a Verdade.
Onde houver Desespero, que eu leve a Esperança.
Onde houver Tristeza, que eu leve a Alegria.
Onde houver Trevas, que eu leve a Luz!

Ó Mestre,

fazei que eu procure mais:
consolar, que ser consolado;
compreender, que ser compreendido;
amar, que ser amado.
Pois é dando, que se recebe.
Perdoando, que se é perdoado e
é morrendo, que se vive para a vida eterna!

segunda-feira, julho 05, 2010

Impacto fulminante (1983), Clint Eastwood


Esta madrugada está daquelas de vento frio, vento que faz zoadinhas sombrias na varanda. É mais uma madrugada em que permaneço acordada com insônia e a solução... Mooooovies!!! :D:D:D Aí hoje eu vi um filme do Clint Eastwood, Impacto fulminante, no canal TCM.

Quando olhei a sinopse da Sky e soube que se tratava de um filme sobre uma garota, Jennifer Spencer, que sai por aí matando um por um os homens que estupraram ela e sua irmã há 10 anos atrás, eu pensei logo: ADORO filme de vingança! E me lembrei de um dos meus filmes prediletos, Kill Bill 1 e 2, do genial Quentin Tarantino.

Certamente Tarantino bebeu da fonte desse filme pra realizar o Kill Bill. Há muito dos trejeitos de Jennifer Spencer em Beatrix Kiddo, protagonista do Kill Bill. Só que o filme de Eastwood não tem a maestria do Tarantino na condução da narrativa e apresenta flashbacks extremamente toscos e personagens malvados risíveis. Quando o Tarantino vai fazer um flashback tosco, ele brinca com isso e dialoga com linguagens como a dos quadrinhos. E seus personagens perversos são risíveis não por serem patéticos, e sim porque são muito sarcásticos.

Mas tanto Tarantino quanto Clint Eastwood se inspiraram e muito no mestre do faroeste, o John Ford. E o tira Hanry, de Impacto Fulminante, tem uma postura e uma visão de mundo de justiceiro do Velho Oeste, algo que lembra o querido ator de John Ford, o John Wayne. Ele não é um tira como qualquer outro, ele é um policial marginal. Mas ao contrário dos protagonistas de O homem que matou o facínora (1962), de John Ford, que buscam estabelecer os valores da Lei e a afirmação do poder do Estado na selva do Oeste, o tira Hanry costuma passar por cima das regras da sua profissão, agindo como justiceiro, e é um inconformado com a impunidade da Justiça. Esse sistema para Hanry é falido. Por isso ele é marginalizado entre os colegas de profissão. E perseguido pelos criminosos impunes.

Só que Hanry acaba sendo incubido de investigar o caso que envolve o assassinato de vários homens que receberam tiros nas bolas. A assassina? Ela, Jennifer Spencer. Aí está uma boa sacada de roteiro cinematográfico: tanto Hanry quanto Jennifer são revoltados com a impunidade e gostam de fazer justiça com as próprias mãos, mas estão em lados contrários da mesa.

Não obstante, eu fiquei com uma dúvida. Por que diabos uma mulher bissexual com jeito masculinizado foi a responsável por levar Jennifer e a irmã para serem estupradas por vários marmanjos num parque de diversões? Seria essa mulher a encarnação de uma fantasia do imaginário machista? Fica a pergunta.

Necessária solidão

Às vezes parece que ninguém entende. Sou constantemente criticada por ser uma pessoa afeita à solidão. Chamam isso de mania de instrospecção, medo de gente, esnobismo, egoísmo até.

Quantas e quantas vezes acharam que eu estava triste, quando em verdade só queria ficar no meu canto. Afinal, apesar de gostar muito da companhia de pessoas bacanas, eu também adoro estar só comigo. Porque sozinha eu sinto o mundo de um outro jeito e preciso deixar meus pensamentos irem longelongelonge...

É por isso que amo tanto este poema do Drummond...

Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

domingo, julho 04, 2010

Pulp Fiction!


Perdoem-me os politicamente corretos, mas o meu humor negro desgraçado me faz vibrar quando assisto a Pulp fiction (1994), do Tarantino, um dos meus diretores favoritos, e vejo o Jules Winnfield, interpretado por Samuel L. Jackson, recitar o seguinte salmo antes de dar fim a alguém:

Ezequiel 25:17
"O caminho do homem justo esta bloqueado por todos os lados pelas iniquïdades dos egoístas e a tirania dos perversos. Bendito aquele que, em nome da caridade e da boa vontade, é pastor dos humildes pelo vale das sombras. Pois ele é o verdadeiro guardião de seus irmãos e salvador dos filhos perdidos. Exercerei sobre eles vingança terrível, furiosos castigos, aos que tentarem destruir meus irmãos. E ficarão sabendo que eu sou o Senhor quando eu executar sobre eles a minha vingança."

Desassossego

Tenho que escolher o que detesto — ou o sonho, que a
minha inteligência odeia, ou a ação, que a minha sensibilidade
repugna; ou a ação, para que não nasci ou o sonho, para
que ninguém nasceu.
Resulta que, como detesto ambos, não escolho nenhum;
mas, como hei-de, em certa ocasião, ou sonhar, ou agir, misturo
uma coisa com outra.


Fernando Pessoa em Livro do Desassossego.

Domingo

Tomar um café. Acender um cigarro. Ter aqueles pensamentos que a gente só tem quando está sozinha. Um domingo de vento gostoso que afaga a alma.

Hoje estive pensando no quanto a minha alma está quieta. E inquieta também. Mais quieta do que em outros tempos. Nessas horas eu só queria uma rede pra me balançar.

Andei refletindo sobre algumas atitudes que tomei. E eu nunca as entendi. Parece que eu estava fungindo de alguma coisa. Às vezes acho que sou uma eterna fugitiva.

Uma fugitiva que espera, espera, espera na sala de embarque. E que no desembarque sai às pressas toda atrapalhada com as malas nas mãos. Que não vê a hora de chegar em casa. E quando chega em casa se consola com as paredes de casa. Mas me inquieto de novo com as paredes de casa.

Agora, temporariamente, sinto-me bem com esta varanda, este vento, esta tarde de domingo...

quinta-feira, julho 01, 2010

Amor na tarde (1957), Billy Wilder


Aproveitei a perseguidora insônia para assistir nesta madrugada a Love in the afternoon , exibido no canal TCM. E tenho a impressão de que a protagonista Ariane está mais para Norma Desmond em Crepúsculo dos deuses (1950) do que para Phyllis Dietrichson em Pacto de sangue (1944), outros filmes de Wilder.

Explico. Em Crepúsculo dos deuses, Norma Desmond é uma atriz decadente de Hollywood que, no entanto, não deixou de viver a fantasia das estrelas do cinema. É uma mulher capturada pelo sonho da sétima arte. Já em Pacto de sangue, Phyllis é uma típica femme fatale: ela usa o amante, agente de seguros, para dar um golpe no marido.

Apesar de representar o papel de típica femme fatale para o Sr. Frank Flannagan , um milionário boa-vida que gasta seu tempo viajando por aí e tendo relações efêmeras com muitas mulheres, Ariane não passa de uma garota ingênua. E ela usa casaco de femme fatale, imita tais personagens do cinema noir no modo de falar, na postura, nos gestos, mente sobre casos e mais casos que teria tido com homens, tudo para ludibriar e conquistar o mulherengo rico.

Todas as histórias que ela narra são de casos investigados pelo seu pai, Sr. Chavasse, que é detetive em Paris. Temos a figura do detetive enquanto narrador, tão presente no cinema noir. Alguns podem classificar esse filme como comédia romântica, mas acredito que é uma visão equivocada da obra. Trata-se, em minha opinião, de um filme que revela tamanha maturidade de Billy Wilder na incursão pelo cinema noir, que ele chega a reverter os papéis típicos desse gênero cinematográfico.

Afinal, temos uma falsa femme fatale. Se a femme fatale é geralmente a mulher que engana os homens para mais tarde se revelar adúltera, interesseira, promíscua, Ariane faz o milionário crer que ela é tudo isso, para depois Flannagan descobrir que ela era apenas uma jovem sonhadora que toca violoncelo.

É por isso que acho que o filme de Wilder é sobre as espectadoras do cinema noir, aquelas "mulheres comuns" que viviam numa sociedade machista e encontravam na figura da femme fatale uma espécie de libertação. É como se Ariane fosse o equivalente cinematográfico de uma Madame Bovary, de Flaubert. E ela se encantou por essa personagem da mulher que desafia as convenções sociais perscrutando nada mais nada menos do que o arquivo do seu pai. Mas não seria o seu verdadeiro pai o próprio Billy Wilder?