quinta-feira, julho 15, 2010

Espetáculo em torno da barbárie ou Por um jornalismo atrasado


Certa vez uma queridíssima amiga jornalista me contou que um colega seu todos os dias ia fazer a ronda e, "quando não encontrava nenhum presunto", voltava triste pra redação. A ronda é o jargão jornalístico que significa sair passeando pelo IML, Delegacia Plantonista, etc, em busca de cadáveres donos de histórias horrorizantes. Quanto mais bizarro o crime, melhor. Quanto mais requintes de crueldade, melhor. Rende uma manchete bombástica.

Mas o que eu quero aqui é chamar a atenção para o lado do jornalista, um trabalhador como qualquer outro. Inclusive muitas vezes mal pago, explorado pelo patrão. Esse jornalista certamente não deve gostar de viver num mundo repleto de violência. Mas nem por isso ele deixa de vibrar com uma boa manchete. Esse é o seu trabalho sujo. E é aquela coisa. Se ele não fizer, outros farão. Há uma fila de jornalistas desempregados logo ali na porta.

Nessas horas eu me pergunto por que diabos tanto interesse em torno da desgraça humana. Temos medo e queremos saber sobre a violência que nos ronda? Isso nos deixa mais seguros? Ou temos um prazer sádico diante do grotesco?

Quando eu estava trabalhando como repórter, eu sempre me perguntava em que porra eu estava contribuindo para um mundo melhor escrevendo que fulano deu mais de 60 facadas numa mulher. Ou até que ponto eu estava fazendo um desserviço.

Vi em certa entrevista coletiva cinegrafistas de uma TV local filmando bandidos acocorados de costas para a parede. Observei policiais humilhando criminosos. Jornalistas chamando-os de filhos da puta. E, por mais que eu não quisesse me bater com um bandido daqueles, eu não achava bonita a cena. Em verdade considerava totalmente desnecessária.

Mas aí estão todos correndo pra dar sua manchete. Tem que mostrar serviço. E mostrar serviço é dar o furo jornalístico, a informação quentinha, oferecer a desgraça maior. Com riqueza de detalhes. Em tempo real.

Por isso nessas horas eu defendo o jornalismo atrasado. Sim, isso mesmo. Não o jornalismo que informa minuto a minuto sobre as bombas no Oriente Médio e os números de mortos. E sim o jornalismo que apresenta informações aprofundadas e uma análise consistente, por exemplo, da ameaça dos Estados Unidos ao Irã. Não matérias de última hora sobre os desabrigados da chuva, como se a chuva fosse uma catástrofe natural, e as vidas de gente pobre colocadas em risco não fosse uma problemática social.

Reportagens mais consistentes são produzidas sim, inclusive na imprensa sergipana, mesmo que raramente. Às vezes nos espaços mais sujos de sangue. Mas eu, que gosto do jornalismo atrasado, não estou a fim de saber quantos corpos foram registrados no IML hoje. Essa informação pura e simples não contribui EM NADA para a minha formação humana.

2 comentários:

O Paulino disse...

Palavras muuuito bem ditas Tati!!

Também sou fã do jornalismo "atrasado"... ou melhor aprofundado. Já li ótimas matérias que aprofundam mais e tentam levantar as razões, causa e consequências da violência urbana.

Um jornalista pernambucano João Valadares já fez boas reportagens desse tipo. Caco Barcelos (vide Rota 66, Abusado)... e até quem não é jornalista de formação - mas é de função - como MV Bill e Celso Atahyde da CUFA acabaram fazendo um bom jornalismo em Falcões - Meninos do Tráfico.

E acrescento que este tipo de "trabalho sujo" que não acrscenta em nada é motivado muitas vezes pela audiência fácil (isso tem consequencia nos lucros do veículo), pressão do tempo das redações e muitas vezes num trbalho viciado que todos estão acostumados.

Quanto a informação para entender a violência melhor vale dá uma olhada neste evento de 2008.. Antídoto http://www.itaucultural.org.br/index.cfm?cd_pagina=2830

Abraço

tatiana hora disse...

muito bem lembrado, Paulino, sobre a possibilidade de produzir reportagens mais elaboradas acerca da violência urbana. contribui bem mais do que notícias sensacionalistas sobre acontecimentos sórdidos.
abraço!