quarta-feira, julho 28, 2010

Junto a ti esquecerei...

Então lá vou eu fuçar os tais primeiros poemas escritos por João Cabral de Melo Neto que se encontram na Obra Completa. Eu esperava por algumas palavras mais ingênuas, alguns versos menos bem elaborados. Para minha surpresa, o meu querido poeta escreveu em 1937, com apenas 17 anos - calma que eu vou repetir, DEZESSETE ANOS- esta obra-prima. Um poema como este não estaria entre meus últimos, quanto mais entre os primeiros! Impressionante a genialidade do poeta assim desde cedo, e também algo de ingênuo em comparação aos poemas da sua maturidade... E eu, como sempre, me derreto toda ao lê-lo...

Junto a ti esquecerei...

I

Junto a ti esquecerei as inúmeras partidas
- as cordas e as amarras nunca se quebraram
e talvez por isso eu permanecerei imóvel sob a tua influência...
Tu pesarás para mim como produto de âncoras
como a pedra amarrada do pescoço do pecador.
Os portos passarão a ser beira de cais
as terras longínquas nada mais me dizem
- quebrei a bússola para evitar a tentação.
Tua presença é poderosa como urros na floresta.
Sinto que extingues em mim
a sombra dos navegadores.

II

A tua atitude te eleva para o alto.
Vejo que cortaste definitivamente todas as amarras.
Daqui eu advinho os olhos dos homens
perdidos no tempo que nada descobrirão de ti.
Deixa que os não-poetas falem de tua beleza,
esses nunca compreenderão o que há em ti de sombra,
de sementes germinando, de vozes de cavernas.
Nem ao menos que é o teu olhar que nos aproxima
que nos torna irmãos para o resto do tempo.
Eu te reconheceria entre todas, porque tua presença eu a pressinto.
Deixa que tuas formas eles a tomem pela essência.
Esses te perderão ainda mais
e nunca compreenderão tuas inúmeras sugestões
que tu mesma desconheces.

III

Esquecerei os teus convites de fuga.
As coisas presentes serão absolutamente insignificantes.
Sentir-me-ei em tua presença como o primeiro homem
que se ia apoderando de todas as formas desconhecidas.

IV

Esquecerei todos os convites de fuga.
Os portos serão para nós apenas
as âncoras e as amarras.
Nossos olhos não mais distinguirão
caravelas e transatlânticos sobre o mar.
Nossos ouvidos não mais perceberão
o barulho das ondas que são um chamamento constante.
Então leremos poetas bucólicos
debaixo de uma árvore que deverá ser frondosa.
Indefinidamente rodaremos em torno dela como num carrosel,
indefinidamente estarás comigo.



Um comentário:

O Paulino disse...

GRAAAANDE J. Cabral,

Nunca uma adolescência foi tão sábia..!

Quem nasce com a palavra.. dela tem seu caminho traçado.