quinta-feira, setembro 30, 2010

Evasão

Às vezes eu uso sentimentos pra fugir da realidade. Sentimento acaba, outra realidade.

Quando finalmente eu vou entender que o mundo é essa coisa entediante e rotineira mesmo?

quarta-feira, setembro 29, 2010

Eleição no domingo...


Minha posição inicial a respeito das eleições 2010 era muito clara: nulo para todas as categorias. Tudo isso devido a um ceticismo tremendo na democracia representativa e também nos próprios representantes. Só que durante a campanha acabei simpatizando com um candidato em particular: Plínio de Arruda Sampaio.

Plínio foi um dos formuladores de uma das reformas de base do governo de João Goulart, a Reforma Agrária, governo esse que sofreu o golpe de 64. Um dos fundadores do PT, mas com a chegada do partido ao poder muitas coisas mudaram. Ao invés do assentamento de mais de um milhão de famílias em quatro anos, como indicava o Plano de Reforma Agrária coordenado por Plínio, o governo Lula assentou somente pouco mais de 150 mil famílias em oito anos. Plínio então vai para o Psol. Todavia também observo um porém: apesar de defender o socialismo, Plínio é um homem rico, com bens avaliados em cerca de dois milhões de reais. Difícil resistir às delícias do capitalismo, não?

Mas por quê votar no Plínio? Primeiramente, eu acho as propostas dele extremamente utópicas: 10% do PIB para a Educação, aumento dos impostos dos ricos em 45%, desapropriação das propriedades com mais de mil hectares (produtivas ou não), auditoria da dívida interna, reestatização da Vale, etc. Outra coisa: não vejo o Psol como um partido ainda capacitado para a administração da máquina pública. É um partido que ainda está amadurecendo, e que comete alguns equívocos a exemplo da candidatura de Avilete para o governo do estado de Sergipe. Avilete afirmou em entrevista que é contra a legalização do aborto (uma das bandeiras nacionais do Psol), e mais: chegou ao cúmulo de chamar Dilma de terrorista e assaltante, devido ao seu passado de militante contra a ditadura militar.

No entanto, o meu voto não é acreditando que o Psol será eleito. Afinal, é evidente que não será. Também não acredito que um dia o Brasil será socialista. Tenho até minhas dúvidas quanto ao socialismo e seus problemas com governos autoritários... No entanto, o meu voto no Psol é uma forma de fortalecer discursos radicais, que não falam de números de casas a serem construídas, mas sim debatem as enormes desigualdes no país como um problema social e colocam em pauta a cumplicidade do Estado com uma política econômica que tende a favorecer os mais ricos. Adoro quando ele fala: "o problema do país não é a falta de dinheiro. O problema do país é a bolsa banqueiro".

Afinal, o PT tem adotado constantemente posturas bastante conservadoras. Lula dizer no comício dessa semana em Aracaju que Dilma será uma mãe para o Brasil me envergonha pelo machismo imbutido em tais palavras. Ainda mais grave o fato de Dilma de uma hora para outra, para não perder votos, negar que é a favor da legalização do aborto.

Que tipo de mudanças sociais pode realizar um partido que sacrifica ideologias em prol de votos? Que veste os valores arcaicos de uma sociedade para permanecer no poder?

Eu quero que discursos como o de Plínio continuem sendo propagandeados por aí. Que tenham espaço na mídia - mesmo que tantas vezes suas falas sejam motivo de piada, não importa. Outro ponto muito positivo é que Plínio apresenta suas declarações nos debates televisivos carregadas de ideologia, enquanto os discursos dos outros candidatos querem aparentar serem não-ideológicos, meramente gerenciais. O que é uma falácia. Escolher entre investir mais em agronegócio do que em agricultura familiar não é uma questão meramente técnica.

E enquanto a campanha do PT é recheada de conservadorismos, já o Psol escancara no seu horário eleitoral o beijo de dois homens. "Você tem opção", afirma o slogan. E Plínio chega a fazer declarações polêmicas na televisão, como quando afirmou ser a favor da legalização da maconha. Coisas que ninguém jamais veria o PT fazer.

É por isso eu vou votar não no Plínio enquanto herói e líder da nossa salvação, mas voto sim no fortalecimento de propostas mais radicais, com discursos que mostrem que política não é só questão de gerenciamento, mas também de ideologia, que abordem a política a partir das lutas sociais envolvidas, e por fim levantem bandeiras que combatam certos conservadorismos.

Borboletas


Ontem vi O meu melhor inimigo, do Herzog, e gostei muito. Uma coisa que ele tem em comum com O homem urso é que no final de ambos os documentários Herzog, que tem uma relação de amor e ódio com seus personagens, finaliza o filme com uma homenagem aos falecidos personagens. O final de O meu melhor inimigo mostra Klaus Kinski, o ator agressivo e egocêntrico com quem Herzog fez cinco filmes (mesmo após ele mesmo e alguns atores desejarem matar Kinski), apresenta uma borboleta que não quer abandonar Klaus Kinski, o qual brinca com ela com leveza e um semblante dócil. Já em O homem urso, Herzog homenageia Timmy ao mostrar uma antiga namorada dele lançando suas cinzas no parque ecológico onde ele se entretia com ursos até ser devorado por um.

Gosto das homenagens que Herzog faz. Ele não tem o cuidado de um Coutinho com seus personagens, chegando a mostrá-los em situações degradantes. Mas a sua postura é de sempre mostrar o ser humano como contraditório. No entanto, ele guarda um carinho imenso pelos seus personagens, e às vezes parece que ele acredita que o cinema é uma forma de lhes conceder a eternidade.

Lembrei desses filmes agora depois de pensar um pouco sobre o vazio que às vezes toma conta de tudo. Uma dorzinha, daquelas que a gente segura para sufocá-la, mas acaba ficando engasgada entre os ossos e a carne e entrando bem afiada pela garganta.

Não é tristeza. É incerteza. E a consciência de que é preciso arranjar forças não sei de onde...

Mas sou forte! Aprendi a ser...

Vê isso? É o contrário da morte, é a vida.

domingo, setembro 26, 2010

Contra a liberdade de imprensa

*este post é um desabafo*

Após as reclamações públicas de Lula com relação ao alastramento de escândalos envolvendo o seu governo publicados em veículos como a Veja, Folha de São Paulo, Estadão, Rede Globo, etc, propagou-se nessa mesma mídia uma onda de suposições quanto ao perigo pelo qual passa a democracia, o que incorre num medo em relação a um governo nas mãos de Dilma Rousseff. É aí onde entra a tão falada liberdade de imprensa... Um conceito que confunde exercício da democracia com abuso de poder realizado pelos veículos de comunicação.

É por isso que eu gostei quando o candidato do Psol, Plínio Sampaio, reclamou na Rede Globo por não participar das entrevistas que estavam sendo feitas no Bom Dia Brasil com os candidatos, com duração de 20 minutos, e ter apenas dado uma palavrinha de três minutos. E mais: na entrevista em questão, o teor de combate à ideologia socialista era nítido. Só faltou o jornalista virar para a câmera e dizer: O socialismo não funciona. Isso não é ideológico? Isso é imparcial? Claro que não né! É por isso que achei ótima a iniciativa de O Estado de São Paulo assumir publicamente neste domingo que está a favor da candidatura de Serra. Mais veículos deviam fazer isso, como a Folha por exemplo.

É por isso que é importante lembrar que quando estamos falando de liberdade de imprensa, estamos falando de liberdade de empresa. Sim, porque eu e você sabemos que eu sozinha num veículo não tenho liberdade porríssima nenhuma. Só estou ali pra concordar com a linha editorial e receber o meu salário. Experimente exercitar sua "liberdade". Talvez lhe mandem pro RH por "corte de gastos".

A liberdade de imprensa que eu vejo por aí sabe qual é? É a liberdade do jornal que passa por cima dos direitos humanos pra atingir recordes de vendas, a liberdade só de fachada de emissoras "públicas" que não podem falar um ai contra o governo, a liberdade de jornais que são azuis ou vermelhinhos e uns parecem oposição encomendada e os outros espelhos da agência de notícias do governo.

E digo mais: jornalistas se consideram acima do bem e do mal na hora de criticar governantes, mas quando eles mesmos são alvo de crítica, ó, tadinhos, vamos voltar à ditadura militar. É aí quando eu me lembro que algum ditador, não recordo agora qual, disse certa vez que assistir ao Jornal Nacional era relaxante, porque parecia que o país ia muito bem. Isso mesmo, enquanto tantos afundavam em merda!

Meus parabéns! Grande bosta de liberdade de imprensa!

E é por isso que eu não defendo a liberdade de imprensa. Pra mim todos eles querem é liberdade de EMPRESA. Na boca desses abutres (que os abutres me perdoem, o que vale é a metáfora), que quando veem historinha de criança lançada de prédio vibram com manchete e fazem espetáculo para lucrar com a miséria humana, o termo liberdade de imprensa é uma piada.

sexta-feira, setembro 24, 2010

Morangos


Na padaria, vi que os morangos estavam com um preço bom. Resolvi comprá-los. Lembrei-me de Caio Fernando Abreu, Morangos mofados, livro que apresenta textos reveladores sobre o atual momento da minha vida. Dia desse comecei a chorar ao ler um dos seus contos para uma amiga por volta das três da manhã. Naquela madrugada comemos morangos.

Como eu adoro morangos! Uma fruta doce e amarga, gostosa não só pelo sabor, mas também pela maciez com que afaga os dentes. Uma das minhas favoritas.

Bela, vermelhinha, me parece uma fruta tímida e sensual. Morango me lembra intensidade, o signo de áries, Almodóvar. E combina bem com chocolate e vodca. Juntos são um afrodisíaco.

E escrevo aqui enquanto como morangos. Lembro que quando criança colecionava papéis de carta da Moranguinho...

domingo, setembro 19, 2010

Um Belo Horizonte!

Falta menos de um mês para eu ir a Belo Horizonte. E que nome bonito para uma cidade, não?

Das histórias que ouço a respeito da cidade, muitos elogios à sua intensa vida cultural, à receptividade de seus habitantes, e inclusive com relação a beleza das pessoas que moram lá.

Vou cheia de angústias, esperanças, ansiedades, medos, sonhos e torcendo para que tudo dê certo. Nessas horas eu sinto que a vida é essa coisa louca mesmo...

sábado, setembro 18, 2010

Detalhes



Assisti hoje à noite ao filme Look back in anger (1956), de Tony Richardson, e uma cena em particular me emocionou. Trata-se do momento em que Jimmy, um homem bastante agressivo, converte-se num amante vulnerável ao dizer à sua esposa, Alison, a seguinte frase:

- O amor é assim... Até as suas pequenas frivolidades, querida, são para mim tão essenciais...

De cara eu me lembrei de certa conversa que tive com Nina a respeito de idiossincrasias... E de como, quando amamos, prestamos atenção aos detalhes, como se amássemos não uma pessoa inteira, mas fragmentos... Suas frivolidades nos chamam a atenção como se acaso fossem coisas extraordinárias. Afinal, as suas idiossincrasias revelam o seu modo de estar no mundo... E aí a gente se descobre amando manias, gestos... Um jeito de dormir, de acordar, de sorrir, de andar, de mastigar, um hábito... Até mesmo aquilo que poderia incomodar!

E aí que eu me lembro daquela música do Roberto...

Eu sei que esses detalhes
Vão sumir na longa estrada

Do tempo que transforma

Todo amor em quase nada

Mas "quase"

Também é mais um detalhe

Um grande amor

Não vai morrer assim

Por isso

De vez em quando você vai

Vai lembrar de mim...

I awake to find no piece of mind

I awake to see that no one is free
We're all fugitives
Look at the way we live
Down here, I cannot sleep from fear no
I said, which way do I turn?
Oh I forget everything I learn

música do Coldplay na cabeça...


sexta-feira, setembro 17, 2010

Confissão

Tenho pensado se acaso para conseguir a cura não seria necessária uma confissão.
E estou quase me confessando.

Eleições: escândalo x escândalo

O período de eleições é o momento em que fica mais evidente a falácia dos princípios do jornalismo: objetividade, neutralidade e imparcialidade. Eu sempre achei a discussão sobre objetividade no jornalismo uma perda de tempo. Acredito que seja muito mais frutífero um aluno estudar, por exemplo, análise do discurso e adotar uma postura crítica diante do uso da linguagem, do que ficar discutindo se o jornalismo tem ou não que ser objetivo. E acho também muito mais enriquecedor do que debater a imparcialidade jornalísitica é a discussão acerca a democratização dos meios de comunicação de massa. Não importa se o jornal é imparcial, isso para mim não é possível, interessa sim haver uma pluralidade de veículos, com suas diversas visões de mundo.

Então... Depois de dizer logo o que é que eu penso em termos gerais sobre jornalismo, vamos à cobertura das eleições deste ano. É uma farra, minha gente. Nesse momento, as posições político-partidárias dos veículos de comunicação ficam mais evidentes, o que me diverte, de certa forma. Mas é revoltante como jornais têm um debate tão raso acerca da política. Afinal, muito pouco se fala sobre os programas de governo dos candidatos e também sobre a atuação de seus respectivos partidos quando estiveram no poder.

Em vez disso, um festival de disse-me-disse. Um escândalo por dia. E um escândalo publicado numa revista como a Veja, a exemplo do caso da denúncia de quebra de sigilo fiscal da filha de Serra, Verônica Serra, supostamente realizado pelo PT, é alardeado pela mídia televisiva. Outro bafafá, ridículo por sinal, foi a matéria de capa da Folha de São Paulo, que afirmava que um erro de Dilma Rousseff havia incorrido num desperdício de dinheiro público estimado em mais de um bilhão de reais.

Tratava-se da mal pensada tarifa social de energia. O governo deveria compensar as companhias de energia elétrica com uma tarifa, baseado na hipótese de que as residências que gastam pouca energia são as mais pobres. No entanto, casas de veraneio de ricos não gastam muita energia. A Folha então acusou a Dilma, que já foi ministra de Minas e Energia, de atrasar a resolução para acabar com essa lei. Só que a bendita lei foi criada quando? Justamente no governo de Fernando Henrique Cardoso, quando houve a privatização das companhias de energia elétrica. Ao acusar Dilma, tentava-se manchar uma das suas qualidades mais exaltadas pela sua campanha: a sua competência técnica. Na minha humilde opinião, errado o PSDB com uma lei tão estúpida, errado o PT em demorar tanto para resolver o problema.

Agora o escândalo da vez envolve Erenice Guerra, ex-secretária de Dilma, que exercia a função de ministra-chefe da Casa Civil e foi afastada do cargo. A revista Veja publicou uma matéria afirmando que o filho de Erenice Guerra teria recebido propina para mediar um contrato entre a empresa MTA linhas aéreas e os Correios.

Após a denúncia, Erenice Guerra foi afastada do cargo, ocupado atualmente por Carlos Eduardo Esteves Lima. Diante das acusações, o que fazem os veículos jornalísticos? Do lado dos que defendem a candidatura petista, fala-se em manipulação, em complô eleitoreiro, e tudo não passa de mentira da direita fascista tupiniquim. Do lado dos que defendem PSDB/DEM, estamos perdidos nas mãos do governo petista, teremos uma presidente ex-terrorista liderando essa cambada de corruptos que, como afirma a Veja, financia movimentos "criminosos" como o MST.

A resposta: outro escândalo. Em contrapartida ao escândalo da quebra do sigilo fiscal da filha de Serra difundido pela imprensa tucana, a Carta Capital publicou matéria apontando que, durante o governo FHC, a empresa Decidir.com, da qual Verônica Serra era sócia, realizou sob a vista grossa do governo de então, a quebra do sigilo fiscal de cerca de 60 milhões de brasileiros, que tiveram seus dados expostos na internet.

Mas de escândalo em escândalo o que se vê são veículos que defendem com unhas e dentes os seus respectivos candidatos. O que me impressiona. Quase não há espaço para a crítica, nem problematizações, só extremos. Tudo muito vermelho ou azul. Alias, os outros candidatos, coitados, nem aparecem. Análises consistentes sobre política econômica, educação, saúde? Nada. Um marasmo total. No fim das contas, ficamos sem saber que diabos esses políticos estão fazendo e o que eles propõem. Temos sim uma vitrine de escândalos para escolher entre eles quem são os menos corruptos.

quinta-feira, setembro 16, 2010

Cinema, paisagem e poesia


Amor é cor! Vida é cor!

O tio de Gabbeh, nome de tapete persa que denomina também a personagem principal deste filme iraniano homônimo de 1996, do diretor Mohsen Makhmalbaf, é uma espécie de mágico que surge na obra para nos dizer algo sobre cinema discretamente. Afinal, para Walter Benjamin o dispositivo tem poderes mágicos, ele traz uma nova visão da realidade, e para o filósofo alemão a diferença entre técnica e magia é uma variável histórica, no entanto elas estão intrinsecamente relacionadas. Em suas aulas, o tio de Gabbeh, num gesto mágico, aponta para a paisagem com flores vermelhas, e flores vermelhas caem nas suas mãos. Depois indica a paisagem de flores amarelas, e flores amarelas também aparecem por entre seus dedos. Ele aponta para o céu, e sua mão se mancha de tinta azul. Em certo momento do filme, seus personagens proclamam: Amor é cor! Vida é cor!

Assim, Gabbeh é um filme que traz um diálogo com a pintura e a poesia. E até mesmo com os tais tapetes persas, trazendo suas cores impregnadas na diegese. Com o surgimento da fotografia e depois do cinema se criou uma discussão sobre a perda da capacidade de a literatura e a pintura representarem a paisagem. Mas que sentido buscar nessas imagens tão efêmeras ou instantâneas da fotografia e do cinema? A resposta do cineasta Makhmalbaf é pincelar a paisagem de afetos através da poesia e da pintura.

Logo na primeira cena, a câmera fixa e o plano geral, bem como a grandeza da paisagem em relação aos personagens, sugerem um diálogo com a pintura de paisagem. Nesse cinema, assim como no de Abbas Kiarostami em O gosto da cereja e O vento nos levará, a paisagem tem alma.

E o cineasta Makhmalbaf, assim como o tio de Gabbeh, está em numa busca apaixonada pela poesia. O tio de Gabbeh afirma que só irá se casar com uma mulher que cante como um canário. E termina se enamorando por uma mulher após vê-la recitar um poema.

Do mesmo modo como o som é essencial na poesia, que apresenta uma musicalidade própria em seu ritmo verso após verso, Makhmalbaf também faz do som uma dimensão apaixonante do seu filme. Seus personagens estão a procura de amores registrados em sons. A mulher que canta como um canário dos sonhos do tio de Gabbeh, e também o uivo do amado aguardado por Gabbeh que ressoa nas montanhas, amado que só conhecemos através desse som.

E é por isso que acredito que o filme Gabbeh seja uma declaração de amor ao cinema.

quarta-feira, setembro 15, 2010

Chuvisco

Como a fina chuva
que só podemos ver
caída no espelho d'água
ou saber ao tocá-la
com as mãos estendidas na janela

eu amo você
mesmo que com tanta mágoa
pela discrição com a qual impregna o mundo
sitiado pela leveza de sua presença
como uma infinita e invisível cela

mundo feito das cores
vermelho, laranja, amarelo,
verde, azul, anil, violeta
que nascem do sol
ao saber-se triste.

Otto


Há algum tempo eu havia adotado a postura anti-tietagem. Mas com Otto não dá. Ontem fui ao show dele, e quando ele desceu do palco e passou bem do meu lado eu fiquei embasbacada.

Não havia momento mais oportuno pro Otto vir a Aracaju. É que estou num momento Otto. E minha admiração tamanha por ele se deve à identificação que sinto em relação às suas músicas. A letra de Otto é crua, como o nome de uma de suas canções. E ele apresenta a sensibilidade de um homem que não mede palavras, assim como não mede emoções, beirando à breguice mesmo. Sua musicalidade e também a sua voz carregam essa crueza de quem tomou muita cachaça e fumou muitos cigarros, além de ter sofrido algumas dores de cotovelo.

Alguns trechos que me marcaram...

Vou esquentar os pães, seus dedos
até de manhã

Na vida tenho muito o que dançar
para aguentar o peso
pra parar de pensar no erro
por que você não quer
ficar tranquila um pouco?
seu rosto é mais bonito rindo

Há sempre um lado que pese e um outro lado que flutua,
a tua pele
é crua
é crua

Tento entender
um pouco mais da alma
alma que me faz dançar nessa festa

Esse giro

Esse amor

Essa cachaça

Esse cheiro de morte
Eu respiro forte

Eu desmaio

Eu amo demais


Aqui é festa, amor

E há tristeza em minha vida


E o desejo, o desejo

Os desejos erros

E o desejo, o desejo
O desejo meigo
Agora na hora dança

Meu mundo dança

Meu mundo dança

E aqui se embalança


Como um bom barco no mar,

eu vou, eu vou

terça-feira, setembro 14, 2010

O desprezo

Ah,
não sei pra quê tanto carinho
e de acordo com os seus desígnios
isso devia me atrair para o seu ninho
mas eu não sinto nada além da repulsa
pelo seu afeto submisso
e até mesmo uma certa culpa
por não te querer
já que você prometeu tanta felicidade pra minha vida
e até parece que gosto de ser uma fodida
mas quem disse que assim eu estou triste?
ou que há mesmo algum jeito de ser feliz?
e é como se você fosse uma dessas mães
que devoram as crias
e eu acabo fugindo de casa de noite
indo pra rua brincar com os moleques da esquina
e eu acabo fugindo dos seus olhos
na morte da minha retina.

Aposta

Peço desculpas. Sei que você vai se chatear com o que vou dizer mas... Mas você sempre soube que me amar era um risco.

Aquela viagem

Estou me afastando, estou indo embora e preciso que me entendas antes que eu vá, crucificado na parte externa do vagão de um trem em alta velocidade. Tento devagar, mais claro: ele não se afasta. Dia após dia, eu noto, torna-se mais simpático, mais eficiente, mais solícito - para utilizar palavras que não sei bem o que significam, mas imagino sempre alguém sorrindo muito, fazendo reverências, curvando constantemente a cabeça, como uma gueixa. Gueixa, ele, a grande puta, com seu silêncio de passinhos miúdos e pés amarrados. Preciso tentar certa ordem no que digo, e dizer de novo, vê se me entendes: ele não se afasta, mas é dentro dele que eu me afasto. Dentro dele, eu espio o de fora de nós. E não me atrevo.

Do conto Eu, tu, ele, do livro Morangos mofados, de Caio Fernando Abreu.

segunda-feira, setembro 13, 2010

Comunistas comem criancinhas


Quando eu estou esperando a moça da Bicen tirar cópia de livro pra mim é deveras comum aparecer gente querendo xerox de pequenos textos, carteira de identidade, etc, para passar na minha frente. O que me causa uma leve irritação. No entanto, hoje foi o dia em que eu resolvi não ser educada.

O engraçadinho que almejava furar a fila me mostrou uma folha de papel todo cheio de indignação. É, estamos em tempo de eleições.

- Olha só a ficha da nossa candidata a presidente, ó. Vê isso aqui... É essa mulher que vai governar o nosso país.

Enquanto ele proferia essas palavras, eu vasculhava a tal ficha. Alguns assaltos a banco, sequestro, etc, dos tempos de envolvimento na luta armada contra a ditadura militar. A foto era a de uma Dilma guerrilheira comunista.

Logo me irritei com os comentários e resolvi não deixar o mocinho tirar uma simples cópia de uma página. Não porque eu morra de amores pelo PT ou pela Dilma, mas se tem uma coisa que me irrita muito mais do que grito de guerra do Movimento Estudantil é gente falando que comunista come criancinha ou coisa do tipo. Porque do jeito que ele falou, parecia que o mundo era perfeito, não havia ditadura militar, etc. E não vou aqui entrar na discussão sobre os métodos dos militantes da época, dos quais eu inclusive discordo.

Mas, aí eu volto a uma antiga interrogação: quem é a Dilma? Afinal, essa Dilma não tem nada a ver com a foto da vovó segurando o neto nos braços divulgada recentemente pela internet. A mãezona doce do nosso país que se arrumou toda e faz pose de meiga pra não assustar.

Aí quando me dizem que o "apoio popular" (seja lá o que isso signifique) à "esquerda"reflete o fato de a população não ter mais medo do comunismo, eu caio na risada.

Como não gosto de discutir com estranhos, eu deixei pra lá. Mas minha vontade era de dizer, só de pirraça, que eu gostava mais da Dilma quando ela era terrorista.

I go walking in your landscape


Just 'cause you feel it
Doesn't mean it's there
Thom Yorke

Pois é. Acho que a música do Radiohead, There there, é minha trilha sonora do momento. Só porque você sente, não quer dizer que esteja lá. É, Thom Yorke me entende... Afinal, tenho sentido convulsivamente coisas que não existem. Falar em sentir coisas é estranho, porque entramos em contato com coisas, mas sentimos sensações... Mas sentir coisas iria além disso? É inventar coisas ao senti-las? Ou será que estou reificando sensações?

Chego a ter sonhos estranhos... Nessas horas, quando vejo algum teórico falar em simulacro, e aquele papinho de que não há real, pois tudo é texto, eu me vejo aqui com minha FUCKING realidade. Dá vontade de dizer pra esse povo: acorde de um sonho, veja que algo não é o que você estava pensando. Isso é a realidade rasgando o seu mundinho de texto.

Lendo agora tudo o que eu disse, nada parece fazer sentido. E, no entanto, é um desabafo.

We are accidents
waiting, waiting

to happen


PS: é impossível entender o que estou dizendo kkkkkkk.

quinta-feira, setembro 09, 2010

Post 1001

Acabei de ver que tenho mil posts. Ou seja, esse é post 1001. hehe. Nada de muito importante ne?

Mas o que eu escrevi durante esses cinco anos?

Sei lá. Cinema, amor, poesia, doidice... Vejo que mudei muito também durante esse tempo...

Às vezes tenho medo do meu blog. Acho que me exponho demais, que as pessoas podem descobrir quem eu sou sem nem conversar comigo. Será?

Às vezes acho que era melhor ser como antes, quando eu usava um nome de guerra e quase ninguém sabia que eu tinha um blog... Em outros momentos acho melhor do jeito que está, não me iludo de que ninguém está me vendo e tomo mais cuidado com o que digo. Ou não.

Hoje pensei que queria ter feito Física. Eu gostava de Física quando era da High School, cheguei a pensar em cursar... Era melhor resolver problemas ou... ou jogar xadrez!! Eu acho que as coisas que eu gosto mexeram com meus miolos. Ou foi por ser assim que gosto do que gosto? Enfim...

Acho que sou sensível demais e palhaça demais. Pago muito mico por isso. Enfim...

Queria sentir menos!!!! E rir menos!!! Chorar menos... E ser mais blasé...

Porém...

Sou uma típica mulher dos trópicos. Fudeu.

A la casita sola

Juran que esa paloma
No és otra cosa mas que su alma

música linda...

Love, love, love

Todo amor começa com uma saudade.

Ex-amigas



Poderia dar um título mais eufemístico ao post, mas não é o caso. De fato, depois de um certo tempo não há mais como disfarçar: aquela que foi minha melhor amiga na adolescência agora não passa de uma ex-amiga. E não, ela não traiu minha confiança. Já me magoou algumas vezes, acredito que a magoei também, mas não o suficiente para acabar com uma amizade. Primeiro: uma pessoa contribuiu para nossa separação. Havia dito que iria afastar nós duas e conseguiu. Mas não é só isso.

Somos como essas duas cadeiras. São duas pinturas de Vincent Van Gogh. As duas datam de 1888 e A cadeira de Van Gogh com Cachimbo é uma pintura na qual Van Gogh representa a si mesmo através da simplicidade do assento, enquanto A cadeira de Gauguin é uma cadeira mais luxuosa, com uma vela e sobre um tapete, que remete à pompa de seu amigo, o pintor francês Paul Gauguin. Certa vez, Van Gogh, que amava muito seu amigo Gauguin, o surpreendeu à noite empunhando uma navalha contra ele. Assustado, Gauguin foi pernoitar. Arrependido, Van Gogh decide cortar a própria orelha e a entrega a uma amiga prostituta, Rachel.

Está certo que minha amizade com a tal garota não era tão visceral, no entanto, certamente a diferença entre nós é que eu sou como a A cadeira de Van Gogh com o Cachimbo e ela é como A cadeira de Gauguin.

segunda-feira, setembro 06, 2010

Sonho

Hoje me aconteceu uma das coisas mais esquisitas dos últimos tempos. Acabei de acordar. Enquanto estava sonhando, percebi que se tratava de um sonho, mas aí eu continuei sonhando e, durante o sonho, esqueci que não era real. Diversas vezes já me dei conta de que estava num sonho, mas quando isso ocorre eu acordo logo em seguida. Não foi o caso. Ao despertar, estava embasbacada não só com o conteúdo do que havia sonhado - o que me proporcionou uma espécie de revelação indesejada - como também com a minha persistência em acreditar no instante.

sábado, setembro 04, 2010

O homem urso (Grizzly Man, 2005), Werner Herzog



Eu sou uma presa fácil
Timothy Treadwell

Os documentários que abordam a vida animal exibidos em canais como Animal Planet ou Discovery Channel apresentam um objetivo muito claro: representar o universo dos animais a partir de um cirúrgico olhar científico que se posiciona de modo distante do seu objeto de estudo e com pretensões de um conhecimento total. Mas neste documentário de Werner Herzog o cineasta nos apresenta um homem completamente envolvido com os ursos que se dedica a filmar, e O homem urso termina sendo um filme sobre um documentarista.

Na pesquisa antropológica, há um termo que designa um limite na conduta adequada durante a realização de uma etnografia: going native. Após um certo período de inserção num determinado ambiente que se pretende estudar, o antropólogo deve se afastar a tempo de não passar a ser um deles. E é justamente isso o que aconteceu com Timmy, o ecologista a quem o filme é dedicado. Ele se tornou um urso. Ou, na verdade, queria se transformar em urso e terminou sendo devorado por um.

E é aí onde eu entro como espectadora apaixonada por este filme. Acho que Timmy é um dos personagens que mais me encantou em toda a minha história do cinema. Eu me identifiquei completamente. Um homem que se apaixonou pelos ursos e que queria viver no seu habitat. Mas o lugar dos ursos não era o lugar dele. Um amor tão grande por algo, que em certo momento esse algo te devora. Há uma frase dele que adorei: eu sou uma presa fácil. E ele tinha uma ilusão de harmonia num mundo em que, natural ou não, impera o caos e a hostilidade, como afirma Herzog no filme.

Herzog, inclusive, está sempre metendo o bedelho nas imagens filmadas por Timmy. Ele está ali o tempo inteiro dizendo que pensa diferente. Como quando, diante da imagem do cadáver de uma fêmea de urso estraçalhada por não servir mais à procriação, argumenta sobre uma espécie de agressividade, predação, desequilíbrio inerente ao mundo, a qual Timmy era incapaz de perceber. Para Timmy, essa desarmonia existia somente na civilização e na interferência destruidora que ela exercia sobre a Natureza, ou o seu paraíso.

Outro momento, belíssimo por sinal, em que Herzog intervém nas imagens captadas por Timmy é quando ele afirma em voz over que havia sublimes instantes de ausência de ação, da não-presença do personagem Timmy que repetia obsessivamente as suas aparições no video como um ator, em que a realidade parecia querer se sobressair na imagem. Nesse momento, Timmy havia saído de quadro, e o que nos resta são as plantas se movendo de acordo com o vento, o invisível manifestado na imagem. Aquela duração de que fala Deleuze em A imagem-tempo: uma duração própria da poesia da realidade contida em imagens óticas e sonoras puras, opsignos e sonsignos, um cinema de vidente e não mais de ação. Mais além: temos um ponto de vista a partir do qual a representação é produzida, mas ninguém filma, a câmera havia sido abandonada sobre as pedras por Timmy.

Mas se o real parece sempre resguardar seu lírico mistério cristalizado na imagem, há também a dimensão do irrepresentável. Os homens que mataram o urso que devorou Timmy encontraram dentro dele não só pedaços do corpo dele e de sua companheira Amie, como também a câmera, conseguindo preservar o áudio do instante da morte dos dois. Vemos um homem narrar o que ele imagina que aconteceu após ouvir o áudio daquele trágico momento. E, se Jacques Aumont afirma que é difícil imaginar no cinema um som fora de campo, Herzog torna isso possível quando vemos o próprio cineasta com os fones no ouvido escutando atentamente os sons da morte de Timmy e Amie. E o diretor não o mostra: ele reconhece que existe uma dimensão do irrepresentável.

Resta-nos só o mistério da realidade. O imprevisível, o inefável e até mesmo um misticismo religioso existente no filme de Herzog que revela a sacralidade no que há de mais visceral. E Herzog nos mostra duas amigas de Timmy jogando suas cinzas no parque ecológico onde ele foi morto, no meio de uma paisagem etérea, como se elas lançassem não suas cinzas, mas seu espírito.

sexta-feira, setembro 03, 2010

...

Eu deveria ser mais altruísta. Eu deveria pensar mais nos outros. Eu deveria. Muito.
Não é crise de consciência altruísta. Não mesmo. Minha crise é de quem precisa tomar vergonha na cara.

quinta-feira, setembro 02, 2010

Because


Tive um estranho pensamento hoje... O desejo de que no meu enterro toquem Because, dos Beatles...

Because the world is round it turns me on
Because the world is round...

Because the wind is high it blows my mind
Because the wind is high...

Love is old, love is new
Love is all, love is you

Because the sky is blue, it makes me cry
Because the sky is blue...

Nicotina

Fumando uma carteira por dia,
o dia tem vinte horas de fumar
E todas as comidas
tem gosto de cigarro

E você, assim como a nicotina,
nessa vida de vícios,
todas as coisas acabaram contaminadas pelo seu sabor corrosivo

E minhas roupas cheiram a cigarro,
minhas mãos,
meu travesseiro,
meus discos

E não há chiclete
nem adesivo
Que eu masque na minha boca
Que eu cole na minha pele

Não há jeito pra isso
Não há remédio para quem ama cigarros

Há apenas essas baforadas antes do dia
Café, cinzas
Encostada no peito da janela da varanda
Sozinha...
Sozinha.