sábado, junho 12, 2010

Titicut Follies (1967), Frederick Wiseman


Um documentário que apresenta o cotidiano de um Instituto para Criminalmente Insanos de Bridgewaters, Massachussets, revela-se problemático partindo-se do princípio da ética da representação. Vemos os maus tratos concedidos por guardas e a intolerância de médicos diante de pessoas consideradas esquizofrênicas, e também observamos essas pessoas viverem momentos em que sua dignidade é totalmente desrespeitada. Se falarmos em não expor os personagens do documentário em situações vergonhosas, esse filme não seria possível - ou talvez corresse o risco de esconder a crueldade de uma instituição como a de Massachussets.

O questionamento da ética deste documentário se dá também em virtude da escolha do método. Wiseman adota o modo observacional, aquele em que a câmera está ali escondida assistindo a tudo, concedendo um prazer vouyerístico de contato com o real.

De modo que o diretor adota o que eu vou chamar de uma estética do enfrentamento, na qual personagens estão envolvidos numa relação de poder entre si e com a câmera. A produção dessa estética de enfrentamento ocorre, por exemplo, na cena em que Vladimir, um homem aparentemente consciente da sua fala, afirma para um psiquiatra que não é louco e que estar naquele lugar só trouxe malefícios a ele. O psiquiatra a todo momento nega a sanidade de Vladimir, e a câmera acompanha a relação conflituosa entre os dois através de zooms rápidos e mudanças bruscas de foco, e também com uma câmera na mão com muito movimento.

O enfrentamento também se dá quando um homem que havia sido humilhado pelos guardas por ter sujado o próprio quarto marcha nu com passos fortes até se encostar num canto da parede e encarar a câmera. Não seria a câmera também opressora com aquele personagem? O olhar dele parece cristalizar uma revolta e enfrentar aquele que o observa.

Mas se vemos diversas cenas de maus tratos, também presenciamos momentos como aquele em que um velhinho canta sorridente perto de uma televisão "Chinatown, Chinatown". Não obstante, nada que nos faça esquecer por um instante sequer da brutalidade daquele lugar.

Apesar de o instituto parecer algo separado da sociedade, a instituição mental traz as marcas da sociedade onde ela existe. E é por isso que assistimos a um homem negro bradando dizeres nazi-fascistas contra os próprios negros. O clima político dos anos 60, aliás, está presente no filme através da fala de um interno que afirma: chamam a nós comunistas de criminosos, quando na verdade queremos fazer do mundo uma grande comunidade. Outro interno o contesta e brada que os comunistas são tão autoritários quanto qualquer outro governo.

E o autoritarismo do que Foucault chamou de sociedades disciplinares, aquelas que encontram no corpo um foco do exercício do poder, se faz evidente na cena em que Vladimir enfrenta uma banca de psiquiatras que avaliam o seu estado psíquico. Diante da afirmação de Vladimir, que contesta sua insanidade e afirma que o excesso de medicamentos está lhe fazendo mal, os médicos respondem concluindo que ele apresenta um quadro de esquizofrenia paranóica crônica, pois fantasia com a perseguição dos médicos, e receitam uma maior quantidade de tranquilizantes.

Os internos, no entanto, não são somente vítimas. Numa cena do documentário, observamos um interno relatar a um psiquiatra que abusou sexualmente de uma criança de 11 anos e também da própria filha. É como se o exercício de poder sobre o corpo estivesse em toda parte.

O corpo submetido ao poder pela disciplina é exposto nu no filme. É um documentário que coloca o corpo em evidência. Inclusive a cena em que um padre faz a extrema unção de um interno aponta isso. O padre lança água benta sobre a boca do paciente e diz: que Deus perdoe os pecados que você cometeu pela boca... e segue pelo resto do corpo. Este corpo que é o antro da impureza e do pecado, finalmente se separa do espírito na morte. Esse espírito é símbolo da pureza e é preparado para encontrar o mundo etéreo de Deus. Mas Wiseman mostra o caixão que contém o corpo sendo colocado numa gaveta para ser incinerado. Como diz o padre que realiza a extrema unção: "aquele que veio do pó, ao pó retornará".

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