terça-feira, junho 29, 2010

E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero


Eu me identifico com diversos lugares por onde passo. Dia desse estava olhando as fotos da praia do Francês e sentindo tanta saudade, tanta vontade de ir lá de novo. É como se eu fosse da mesma essência desses lugares, mesmo que de matéria distinta. Como é bom viajar! E sempre peço para ficar na poltrona de número ímpar, que é do lado da janela.

Lembro-me de que quando eu era pequena sentia enjôos ao observar as paisagens, e isso me chateava muito. É que eu queria tanto ver o mundo por aí... Levava comigo o limão para cheirá-lo, que segundo minha avó faria minha náusea passar. Concentrava-me em não olhar através da janela do carro. Mas ainda bem que esses enjôos passaram e hoje posso contemplar as paisagens à vontade.

Por isso que digo: só preciso de uma casa simples, não importa onde estou, importa sim aonde vou. Pois não sou de lugar algum. E me identifico muito com Passagem das horas, poema do heterônimo Álvaro de Campos... Alguns trechos...

Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.
(...)
Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei...
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos...
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.
(...)
Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.

Seja o que for, era melhor não ter nascido,
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.

Nenhum comentário: