quarta-feira, setembro 17, 2008

Marcos

Um dia a cidade lhe pareceu muito desinteressante. As mesmas caras, as mesmas ruas, a cidade tomava a forma de um não-lugar. Cada baforada dos carros, cada horizonte que se estreitava à sua vista, cada dia em que preferia deitar-se a ver algo de novo... tudo isso era um sintoma de que deveria partir. Só se sentia bem perto do mar, pois o mar era a parte mais bela da cidade, e onde se sentia perdido dentro da própria casa.

O que mais o inquietava era a impressão de que já havia conhecido todas as mulheres que poderiam interessá-lo, que não eram muitas. Gostava da experiência, da aventura de encontrar uma nova pessoa na sua vida. O que para muitas mulheres significava a sua falta de comprometimento, para ele era a busca por saber um pouco mais sobre aquela alma e aquele corpo. Uma mulher caminhando na rua não era apenas uma mulher caminhando na rua - ela guardava muitos segredos e desventuras.

Agora andava pelos lugares e pensava, com um leve assomo de tédio, que as mulheres daquela cidade eram muito desinteressantes. Imaginava que seu grande amor não estaria ali, mas deveria se encontrar em alguma esquina desse mundo imenso. Porque, por mais que adorasse a efemeridade de alguns encontros, todas as mulheres com quem havia estado lhe suscitavam a vontade de que fosse ela a mulher com quem ele dividisse tudo o que ele era. Compartilharia uma rede, uma viagem para a Tailândia, compartilharia até a dor de um câncer, se fosse preciso. Ah! Mas não era Ela! Pois por mais que pudesse beijar todas as mulheres de uma festa, sabia que nenhuma delas diria o quanto gosta do pequeno sinal que ele tinha na maçã esquerda do rosto.

Então, se não havia mais ninguém interessante, estava na hora de viver uma aventura em outro lugar. E uma exigência sua era que esse outro lugar tivesse mar ou montanha. Pois o mar e a montanha lhe provocavam uma ascese.

Não acreditava no destino, e por isso tinha vontade de atravessar todos os espaços para lutar contra o acaso e construir um destino com as próprias mãos. Refletia sobre as contingências do mundo, e, a partir do que havia observado na sua mãe, que sempre se conteve diante da grandeza do mundo na pequenez da sua casa, ele desejava ampliar o seu universo e maximizar as possibilidades.

A vida era um jogo, ele tinha que ser um bom jogador. E o bom jogador é, acima de tudo, aquele que é ambicioso e arrisca. O mundo nunca tinha o mesmo tamanho de uma pessoa para outra. O mundo de cada um, pensava, tinha o tamanho inversamente proporcional ao do seu medo.

Cada palmeira na estrada
Tem uma moça recostada
Uma é minha namorada
E essa estrada vai dar no mar
Cada palma enluarada
Tem que estar quieta, parada
Qualquer canção, quase nada
Vai fazer o sol levantar
Vai fazer o dia nascer
Namorando a madrugada
Eu e minha namora - da
Vamos andando na estrada
Que vai dar no avarandado do amanhecer
No avarandado do amanhecer
No avarandado do amanhecer
Caetano Veloso

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