sábado, janeiro 13, 2007

Tristeza não tem fim, felicidade sim

Estava fazendo um trabalho de filosofia, quando me deparei com coisas muito interessantes ditas por Wittgenstein a respeito da felicidade.

Na história da filosofia, muitos filósofos se dedicaram a pensar sobre o que é felicidade e sobre como podemos alcançá-la. Para Schopenhauer, inspirado no budismo, a "felicidade" era obtida justamente na negação da procura por ela. Ele falava em negar a vontade, o querer que nos agarra à vida, que nos faz desejar demais e sofrer pelo que não conseguimos, que nos leva a ter vícios e sermos fúteis. Se a tristeza estaria em não conseguir o que se quer, então a solução era não desejar nada.

Já Nietzche discordava da concepção de Schopenhauer, e dizia, pelo contrário, que nós devemos ter a vontade de potência, sermos espíritos livres, super-homens, e denunciava a fraqueza daqueles que preferem não desejar para não sofrer. Além disso, nós deveríamos ter o amor fati, o que significa amar a vida mesmo quando estamos em desgraça, o amor incondicional à existência e o reconhecimento da força.

Mas o pensamento de Wittgenstein foi o que me chamou a atenção. Ele dizia que o mundo do infeliz é bem maior do que o mundo do feliz. O infeliz deseja, tem medo do futuro, recorre às lembranças do passado para não deixar esvair o que já não existe mais. O infeliz vive cambaleando, impreciso nos limites do tempo, nunca sabe direito onde é o presente, e de tanto temer e desejar pode ignorar um presente bonito como se não fosse nada, para mais tarde revivê-lo com todas as forças.

Enquanto isso, o feliz vive o presente. Wittgenstein dizia "se entendermos por eternidade não a duração infinita do tempo mas a atemporalidade, então vive eternamente quem vive no presente". O feliz não teme a morte, porque a morte, como dizia Wittgenstein, não é um evento da vida. Ninguém vive a morte.

O feliz não problematiza a existência, e ele vive em adequação com o mundo. Adequação não no sentido conformista da palavra, mas com relação a estar em harmonia com o mundo pelo que ele é, porque pode-se até querer, mas entende-se que o mundo independe da minha vontade, e nem tudo o que quero será realizado, então não me coloco em outros mundos para fugir, mas aceito a facticidade desse mundo.

Entretanto, Wittgenstein não constrói uma ética, nem dita o que é felicidade. Para ele a felicidade é inefável, nós não podemos determinar o que seja felicidade simplesmente porque ela é o que é, ela não se problematiza, e é simples como um beija-flor. Problematizar a respeito da felicidade é um contrasenso. Olhe para um cão e veja se ele pensa sobre o que é ser feliz.

Wittgenstein tanto afirma que não quer elaborar uma ética, que até questiona: quando digo que o mundo do infeliz é maior do que o do feliz, eu não pretendo elaborar uma ética, pois, afinal, quem vive no presente, esse ponto sem extensão? E o que é presente?

Toda essa história sobre a felicidade me lembra o comentário que professora Lilian fez na aula sobre o livro de Schpenhauer, A Arte de Ser Feliz. Ela disse que ao ver aquela obra entre centenas de livros da sessão de auto-ajuda na livraria, ela teve pena daquele que comprasse A Arte de Ser Feliz em pleno desespero na esperança de encontrar algum conforto, dado o pessimismo de Schopenhauer.

É, mas talvez seja assim com todos os livros de auto-ajuda, com todas as fórmulas fáceis de felicidade, com todos os clichês: procura-se o manual para ser feliz, quando a felicidade é tão banal.

11 comentários:

Danilo disse...

tem uma frase do vinícius que é: é melhor viver que ser feliz. Bem poderia ser o título dessae post.

É dificil ver um linha que divida o mundo entre tristes e produtivos e alegre e improdutivos. Vive-se. E viver tem isso tudo: felicidade e tristeza, produção e ócio.

Anônimo disse...

Sabe que eu concordo? E, verdade o que sua professora disse, coitada da pessoa que, frustradona da vida, comprar A Arte de Ser Feliz do Schopenhauer, ele com aquele pessimismo e as idéias de "O homem está fadado a sofrer", ehehe. Mas, sabe, estudando Filosofia, é uma coisa complicada pensar sobre felicidade e tristeza. Eu não sei, sinceramente, em qual dessas vertentes me encaixo, às vezes sou puro Schopenhauer na veia, noutras sou Nietzche, mas acho que, no fundo, na vida pessoal, tenho por filosofia essa aí do Wittgenstein. Nos escritos, ainda não visível, Schopenhauer e Kierkegaard.

É, talvez seja exatamente assim, a procura toda pela felicidade através de auto-ajudas e as outras muitas fórmulas e clichês que por aí existem, quando ela é tão, como você disse, banal.

Seth.

Anônimo disse...

(eu volto amanhã para comentar o post de cima. hoje não há tempo..)

tatiana hora disse...

Pois é, Seth.

Já eu gosto muito de Wittgenstein. Justamente porque ele não diz o caminho =)

tatiana hora disse...

Pois é, Seth.

Já eu gosto muito de Wittgenstein. Justamente porque ele não diz o caminho =)

Anônimo disse...

Bem pimba, né? kkkkkkkkk
mas muito massa. =P
Rapaz, esse Wittgenstein é muito chapado. Nisso ele chama atenção. Ou é muito triste, visto que ele supõe que os felizes "vivem o presente", embora ele mesmo se debata sobre a própria existência desse 'presente'. Enfim, como Wittgenstein não construiu nenhuma ética, eu não poderia mesmo concondar com ele. Apesar de apreciar suas idéias - gostei mesmo =P.

Pense no seguinte: se, de acordo Com W., a tristeza predomina, mas certamente existe felicidade, então alguma coisa acontece para que um triste se torne alegre e vice-versa. Não é?...

Po, esse analogia "pessoa feliz - cão" foi bem escrota!! kkkkkkkk. Meio "shiny-happy people laughting". Mas vou contrargumentar: minha cachorra é triste e cabisbaixa (exceto quando minha mãe está por perto). Foi a primeira coisa que me passou pela cabeça quando li a frase.

Se é pra escolher, vou ficar com Schopenhauer, por pura questão pessoal. Eu nunca li Schopenhauer. E acho que Schopenhauer parece nome de raça de cão.

tatiana hora disse...

kkkkkkkkkkkk
Diogo, sempre com seu sarcasmo...

bem, falei do cão porque o cão não problematiza a existência. ele não é feliz nem triste. nós, seres humanos, é que somos às vezes felizes, às vezes tristes. não disse que o cão era feliz.

quando Wittgenstein afirma que a felicidade é indizível é porque ela está no sujeito, e o sujeito não pode ser figurado, portanto, a felicidade também não pode ser figurada.

veja só: o sujeito é um limite do mundo, não faz parte dele, mas é um limite. como assim? veja bem: olhe para o mundo ao seu redor, você vê o sujeio metafísico, aquele que articula o pensamento pairando pelo mundo? você já viu a si mesmo no mundo? o sujeito é como o olho que vê tudo no campo visual, mas não vê a si mesmo.

para Wittgenstein, no mundo não há valores, o mundo é o que é, e tudo nele poderia ser de outra forma. todos os valores, incluindo a felicidade, estão no sujeito. e se a felicidade está no sujeito, ela não pode ser figurada. Por quê ela não pode ser figurada? Porque, para Wittgenstein, as figurações lógicas, as proposições, remetem-se a algo que está na realidade. O que não está na realidade não pode ser figurado, é indizível. Por isso ele critica filósofos que questionaram o que era Deus e etc, porque para ele essas coisas são indizíveis. E depois, para Wittgenstein, não é tarefa da filosofia explicar o mundo, quem busca conhecer o mundo é a ciência, e não a filosofia. A filosofia procura compreender o modo como conhecemos o mundo, através da Lógica, por exemplo. Então a tarefa da filosofia é uma crítica, crítica da linguagem, crítica no sentido usado na antiguidade, que se refere a separar, digamos que separar o joio do trigo, o que faz do que não faz sentido. Se a tarefa da filosofia é crítica da linguagem, não cabe a ela falar de valores, dizer o que é felicidade, por exemplo. Só que segundo alguns especialistas, como meu prof disse, Wittgenstein acabou, mesm0o sem querer , formulando uma espécie de Ética, ao dizer que o mundo do infeliz é maior do que o mundo do feliz. bem, mas isso dá muito pano pra manga viu.
ah, e outra. mais tarde Wittgenstein reconheceu um equívoco no Tratactus. Essa história dele de que a linguagem se refere a algo na realidade se encaixa na teoria referencialista, que é idêncita ao senso comum, segundo o qual, por exemplo, existe alguma relação entre a cadeira e o nome cadeira, quando essa relação, na verdade, é meramente arbitrária, afinal, nos states ela se chama chair. Enfim, a linguagem pode sim se referir a algo que não está no real. Mas daí a formular uma ética geral, não , W. não formula porque ele acredita que a ética está no sujeito, não no sentido egoísta da Ética, mas que, tipo, a validade da ação ética só está na vontade do sujeito. Tipo, se o sujeito faz uma boa ação, a recompensa da ação, para essa atitude ser ética, deve estar na própria ação. Se o cara ajuda outro, por exemplo, pensando no que ele pode ganhar com isso, aí já n
ao vai ser ética. E a ética está no sujeito também porque tipo, se o cara segue uma norma só porque é uma norma, se ele não aceita de fato a norma, isso não é uma atitude ética. Mas veja que de certa forma W. parece contruir uma ética. É porque ele faz teses negativas, ele só nega, não afirma nada, entende? Ele disse que nunca fez uma tese, ele achava teses filosóficas uma sacanagem. Ah, caraio, falei demais!

tatiana hora disse...

porra, isso não parece um comentário, parece um texto!!!!!
e eu falei de várias coisas misturando tudo!!!
kkkkkkkkkkk

Iara De Dupont disse...

Adorei o blog! Se puder me visite, http://sindromemm.blogspot.com
Valeu!

Fernando disse...

Parabéns Tatiana pelo texto bem elaborado, claro e interessante. É bom ler algo que deixa no ar uma gama de respostas, mas o que envolve mesmo o leitor são os questionamentos. Sobre "o feliz que não problematiza a existência mas vive em adequação com o mundo" é muito parecido do Darwin que afirma que "não é o mais forte ou mais poderoso que vence mas sim aquele que melhor se adapta as mudanças"... E sobre a atemporalidade, exemplifico a criança em sua feliz, dedicada, intensa e profunda experiência com o instante, isso é atemporalidade, o universo em total sintonia com aquilo que chamamos de presente, a extensão do nada (erternidade?)que é tudo que nosso amadurecer afasta-nos dessa doce e infantil capacidade... A dica sobre seu brilhante texto que deixo é uma frase de Nietzsche que querendo ou não tratou sobre a importância da atemporalidade de maneira simples...Antes porém, lembrarei Ayrton Senna que certa vez disse que o ser humano é uma eterna criança e quando cresce muda-se apenas os brinquedos...Pois bem a colocação de Nietzsche é a seguinte: O HOMEM AMADURECE QUANDO REENCONTRA A SERIEDADE QUE DEMONSTRAVA EM SUAS BRINCADEIRAS DE CRIANÇA. Olha aí o Eterno Retorno Nietzcheano...
É isso aí.
Fernando (fedrops@ibest.com.br)

Abdul-Rahman disse...

"Olhe para um cão e veja se ele pensa sobre o que é ser feliz." Isso é um contrassenso. Felicidade é um termo simples e por isso mesmo tão dificil de ser digerido, no meu entendimento. Gosto de como Schopenhauer "define" tal soma de letras, pois a palavra "Felicidade" não significa absolutamente nada. Mas talvez eu possa ir alem de Schopenhauer e dizer que tal palavra, nada mais é do que, um redundancia da definição de Alegria. Aproveitando o espaço, gostaria de parabeniza-la pelo texto. Boa noite. Sucesso.
Abdul-Rahman