Ela se sentou diante de mim e fitou a janela, depois não consegui acompanhar o seu olhar de tão perdidos que eram seus olhos.
- Está triste?
- Não. Estou apenas distraída.
- O que a trouxe até aqui?
- Minha mãe mandou.
Eu esperava que ela falasse, mas permanecia em silêncio.
- Olhe, eu preciso que você fale.
- Está bem.
- Isso aqui é um ambulatório de saúde mental público. Você não está num consultório particular onde pode passar uma hora sem dizer nada e depois pagar. Tem um monte de gente lá fora esperando.
- Sim, sei.
Ela tinha gestos de volúpia. A assistente social disse que ela também a tratava assim. Perturbava-me bastante uma menina de 16 anos que havia sido estuprada tratando-me de forma erótica. Mas em nenhum momento me pareceu que ela queria de fato ter relações sexuais comigo ou coisa parecida. Pelo contrário, bastava eu tocar no seu ombro para lhe dizer “até quarta-feira”, que ela se assustava como se tivesse recebido um insulto.
Eu falava bem mais durante a consulta, algo não muito recomendável na Psicologia. Então, pedi para ela simular que a almofada era algum conhecido, e dissesse tudo o que sentia. Ela desenhou os olhos da almafada e fitou-os.
- Eu vou me matar. Não adianta – depois ficou olhando pra mim esperando alguma resposta, e eu, sem saber o que fazer, pus-me a fazer anotações no meu caderno.
A mãe dela, como sempre, a esperava no sofá lendo revistas femininas e tomando café, e eu pedi para conversar com ela um instante.
- A sua filha já lhe disse que queria se matar?
- Oh, doutora, não é isso que me preocupa. Eu não sei o que fazer, não sei, isso me deixa tão triste. Uma vez eu estava tratando a carne do almoço, e ela puxou o meu braço e disse: mãe, eu vou morrer, a senhora me ama? Eu disse que amava sim, mas não sei o que fazer com essa menina, me diga, pelo amor de Deus.
- E por que você não me falou nada sobre isso?
- Minha mãe disse que quem vai mesmo se matar não fala essas coisas.
- Quem vai se matar pode falar essas coisas sim. Pode ser um pedido de socorro. Mas fique calma, vamos ter cuidado.
Carolina sempre contava histórias de que algum homem a havia perseguido na rua, e dizia que havia sofrido vários abusos. A mãe contou que uma vez, ao chegar do trabalho, quando Carolina ainda tinha dez anos, havia visto o seu irmão tocando nas partes íntimas da filha. Ainda bem que nada havia se consumado.
Eu tentava sempre acalmá-la, ela não poderia conviver com tanto medo. Se todo aquele medo parecia protegê-la, na verdade era o que mais lhe fazia mal. Ela me escutava como se quisesse acreditar naquilo, mas não lhe fosse possível.
Fazia descrições minuciosas sobre as vezes em que achava que estava sendo perseguida, mas não conseguia se lembrar de quase nada do estupro que havia sofrido. Dizia que estava dormindo, e ao acordar viu um homem, do qual não lembra os aspectos, desabotoando sua blusa e abrindo as próprias calças. Daí por diante, ela não lembrava de mais nada.
- Maria, você tem certeza de que isso aconteceu mesmo?
- Tenho.
- Mas você sempre acha que tem alguém atrás de você. Será que você não tem tanto medo disso, depois do que seu tio lhe fez, ao ponto de acreditar que aconteceu?
- Não.
Certo dia, ela chegou ao ambulatório reclamando de dores na região genital. Ficava se contorcendo, pedia que alguém fizesse alguma coisa pelo amor de Deus. Ela chorava de um jeito que se via a dor marcando o rosto, mordia os lábios, às vezes me olhava sem pedir ajuda. Tinha aquela doença que não aparece em exames.
Quando abri a porta para chamá-la, ela não estava lá vendo televisão. Lembro que ela olhava para a tela como se visse imagens que não estavam ali.
Eu havia dito que o tratamento só funcionava mesmo se ela quisesse se cuidar, se conversasse comigo. Mas nada.
De vez em quando lhe telefono pra saber se está viva.