sexta-feira, dezembro 02, 2005

Uma criança apenas

Os cacos de vidro se espalham no chão como se cortassem a minha garganta. O pavor dos meus olhos não esconde, meu pai sabia que eu havia feito algo de errado. Ele corre para a sala com passos imperiosos, uma ira saciada pela delícia de me ver em prantos nos seus braços. Seus olhos deslizam delirantes pelos cacos, sua voz soa entre cuspes ameaçadora, e eu sucumbo às suas mãos gigantes, que capturam-me como águia, e me surram como se isso fosse o seu próprio gozo. Depois me deixava lá, estendida no sofá me revolvendo em dores, e batia a porta para seguir para o trabalho, ou ir aos bares, quem sabe.

Eu não derramava uma única lágrima, eu não daria esse gosto a ele. Agora fico aqui, com os movimentos imobilizados pelo ódio, mordendo os lábios e sentindo um pouco do meu sangue. Hoje faço treze anos, e ele nem se lembrou. Só me deu uma surra porque quebrei um vaso ordinário. Se ninguém se lembra de mim, quem garante que eu existo mesmo? E agora nem consigo me levantar depois da surra que meu pai me deu com a vassoura que eu limpava a casa. Maldita casa.

O gelo dói no corpo, mas dói pra depois me saciar com a calma. Tomo vários anti-inflamatórios sem nenhuma prudência, mas nunca me preocupei muito com minha saúde, e talvez eu dormisse muito. O sono não chega. Meu ódio queria enfiar aquela faca no meu pai.

Um homem do prédio em frente me observa deitada no sofá com meu pequeno camisola rosa meio transparente, justo no momento em que eu estava com as pernas abertas para o ar. Baixo as pernas assim de repente num susto. O homem era bonito, e casado, eu sabia. Devia ter seus trinta anos. Ele me contemplava com um desejo violento, e eu sentia os seus olhos caminhando pelas minhas pernas, pelos meus pequenos seios, pela minha intocada vagina. Eu tinha o semblante enfermo, pálido, e hematomas na pernas, mas isso não o incomodava. Ele só se embriagava na minha virgindade hostil.

Liguei o som. Vim caminhando na direção dele enquanto levantava delicadamente a minha camisola rosa. Quando ele me viu só de calcinha, quase não podia acreditar, e um certo pudor enrusbeceu o seu rosto. Virei de costas, ameaçei tirar a calcinha, e movia-me como uma serpente. Eu era o próprio pecado, e o que havia de mais sórdido nas fantasias de um homem. No mundo só havia minha infantil luxúria, o meu vizinho era um espectador objeto, o meu gozo estava em mim mesma. Quando me virei já nua em direção ao prédio do meu vizinho, encontrei a janelas, as cortinas fechadas, e as luzes apagadas num abandono. Ri da minha imprudência voluptuosa, do medo que causei a ele, e acendi um cigarro para fumar na varanda, contemplando as janelas que escondiam as histórias de tantas famílias.

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