quarta-feira, dezembro 14, 2005

Ele não te ama, mas eu sim, mamãe

Onde está mamãe com os seus gritos? Faz horas que estou aqui embaixo conversando com meus amigos e nada do rosto dela aparecer na janela como uma sombra. Aprendi a amá-la assim, e agora se ela não gritar o meu nome com cólera penso que ela me esqueceu.

Volta e meia enquanto converso eu fito a janela. Um dia desses, ela me deu uma surra de cinto porque saí numa das madrugadas que ela passa de plantão no hospital. Quando me perguntou se o que meu irmão havia dito era verdade, se eu tinha mesmo ido pra um desses shows cheios de putas, malandros, cachaça, neguei, tudo mentira de Daniel. Ela me deu uma surra de mágoas, e a ira com que levantava o cinto imperiosa, era o gesto que reprimia as lágrimas da sua própria dor e a transformava em violência cáustica arrasando minha pele sem dono.

Não chorei enquanto apanhava para não lhe dar o gosto das pancadas. Fui chorar depois escondida no quarto. Ela foi atrás de mim pedindo perdão, e me incomodava tê-la por perto participando da esfera da minha tristeza, coisa tão íntima, e distantes éramos nós. Filha, mamãe não gosta de bater em você, mas você faz raiva à mamãe, não me faça raiva, não. Disse puxando o meu braço como se pra me fazer parar de chorar fosse preciso me dar outra surra.

Depois ela foi chorar no seu quarto. Eu a encontrei vulnerável e estendida em padecimentos naquela cama onde dormia sozinha e havia sido feita pra dois. A imagem daquela mulher amargurada me lembrou a paixão louca que ela sentiu por meu pai. Ah, como o cheiro dele na cama fazia falta para ela, como acordar todos os dias sem ele a deixava com aquele semblante absorto naquelas melancólicas brincadeiras com a comida que iria deixar no prato.

Às vezes meu pai pergunta por ela, querendo saber de sua vida e desejando que esteja mal. Não gosto quando ele faz essas perguntas, quem é ele pra falar mal da minha mãe? Ela que lho dedicou tanto amor, agora tão sofrida em suas palavras me falando pra não amar homem nenhum nessa terra. Ela que agora o odeia, ou odeia a existência dele livre da dela.

Filha, você é a minha vida, o que seria de mim sem você? Eu me preocupo tanto com você porque você é fêmea, minha menina, os outros são uns marmanjos, eles sabem se cuidar. Mas você é tão inocente, e eu não quero que você passe pelo que eu passei, meu amor. Mamãe te ama, viu? Entenda a mamãe, não faça raiva à mamãe...

Nenhum comentário: