sexta-feira, dezembro 23, 2005

Quem tem medo de James Joyce?


Bem longe de querer fazer uma análise da obra de James Joyce, o que está a anos-luz da minha capacidade intelectual, venho aqui para romper com o elitismo que ronda Ulisses, mistificando a maior obra da literatura mundial no século XX, e certamente um divisor de águas em termos de narração.

Joyce introduziu a técnica do fluxo de consciência, em que o narrador expõe o monólogo interior do personagem, com lembranças da infância, idéias desconexas, laborando personagens com uma complexidade abismal. Influenciado pela descoberta do inconsciente realizada por Freud, James Joyce arquiteta reflexões e universos oníricos antes jamais vistos na literatura.

A criação de James Joyce encontra o universal no particular, quando ele tem uma obra onde se cristalizam aspectos de uma rígida educação católica na cidade irlandesa de Dublin, ao mesmo tempo em que trata de temas comuns a toda a humanidade.
Ele constrói personagens com mais íntimo de si, tocando a convergência com a consciência humana.

Por que é tão difícil ler James Joyce? Bem, é fato que o autor traz uma gama muito vasta de referências em sua obra-prima Ulisses. Ele usa expressões em latim, anglo-saxônicas, passagens da bíblia, versos de diversos poetas ingleses, uma constante alusão a Hamlet, de Shakespeare, e a outro livro de Joyce, Um Retrato do artista quando jovem, fora que Ulisses é uma paródia da Odisséia, de Homero, e por aí vai. Para completar, o autor chega a ter a audácia de inventar palavras, às vezes asquerosas, como “verdemeleca”, usada em uma passagem por Stephen Dedalus para descrever a cor do mar.

Deixando de lado grande parte dos enigmas de que se encarregarão os especialistas para elucidar a obra de Joyce, nós como meros mortais podemos sim apreciar a arte desse magnífico escritor. Enquanto leio Joyce, percebo que ele não é autor para se ler. É para penetrar nas veias, misturando-se com o sangue e com a alma, perdendo-se no não-lugar da hipnose das palavras que nos aparecem como um sonho em figuras eternas. O próprio James Joyce fala em uma passagem de Ulisses:

“Você acha minhas palavras obscuras. A escuridão está em nossas almas, você não acha? Mais aflautado. Nossas almas, feridas pelas vergonhas de nossos pecados se aferram ainda mais a nós, uma mulher se apega a seu amante, mais e mais”

Joyce declara assim que a obscuridade dos seus dizeres, a forma como seu texto se constrói de maneira abstrusa, é constituído em harmonia com a linguagem das nossas almas envoltas em processos de contradição entre id e superego, “as vergonhas de nossos pecados”, mediados pelo ego. Acredito que a maior riqueza do texto esteja aí, no desafio lançado por Joyce às nossas almas, e não no elitismo castrador e restritivo. Claro que é muito bom reconhecer a relação de Ulisses com outras grandes obras da literatura mundial, mas restringir-se a isso é intelectualismo arrogante que deslegitima os objetivos da autêntica arte sublimatória. A arte que liberta os sentidos no universo do sem fim nem começo na inelutável modalidade das paixões.

2 comentários:

Anônimo disse...

Cara, legal o que vc escreve, mas não consigo engolir esta idéia de Joyce ir buscar no Freud - argh! - caminhos para seu modo de ser/escrever.
Se vc escreve - e escreve! - vai saber que as idéias vêm de muito longe e te pegam como uma incorporação - como a idéia grega da musa. Sem isto, vc não ´´e um artista. Freud o escambau! Freud era um chato cheio de fixações sexuais - pra usar os termos dele - a fim de acabar com a arte e com o que quer que seja, de maneira que só sobre o freudismo.

tatiana hora disse...

hummm
veja bem,serjo
não quis dizer que james joyce bebe na fonte de freud. quis dizer que a imersão muito profunda que ele faz em seus personagens foi influenciada pela descoberta do inconsciente realizada por freud. assim como o cinema surrealista de buñuel, os quadros de dalí, enfim... e é verdade que freud pode ser bem reducionista, como você mesmo disse, mas algumas teorias dele foram muito importantes para o desenvolvimento da psicanálise e da arte. acredito que era teorias ainda imaturas...