quinta-feira, novembro 20, 2008

Reencontro

Como é que a gente faz para voltar no tempo?

O tempo é o grande desafio da vida, não é? Havia planejado sair num determinado horário para chegar à entrevista pontualmente. Entretanto, isso não foi possível graças ao trânsito infernal da cidade e ao péssimo sistema de transporte público.

O calor da cidade era opressivo. Às vezes eu sentia como se minha mente ficasse ainda mais inquieta por causa desse clima. Logo no instante em que eu pedi para a moça dois cigarros, conferi se o ônibus ia aparecer, e, de fato, lá vinha meu ônibus, e, enquanto isso, a mulher olhava para as moedas e estendia a mão para mim devolvendo-as dizendo que o preço do cigarro havia aumentado. Deixei o cigarro, remédio contra o tempo, e corri até o ônibus. Só que as portas estavam fechadas. Aguardei a partida do carro. Ele se foi sem ao menos levar um passageiro.

Valia a pena esperar o próximo ônibus? O fiscal disse que outro ônibus só saria dali a vinte minutos. Não queria perder uma vaga por causa da passagem das horas. Calculei se tinha dinheiro suficiente para o táxi. Ainda restavam sete reais do dinheiro do ingresso que havia comprado há pouco no teatro próximo ao terminal. Acenei para o táxi. Ele não parou. Um homem parou o carro me oferecendo carona. Preferi esperar um outro táxi.

Eu não tirava o olho do relógio. No momento em que eu achava que não ia dar para seguir em frente com a partida, encontrei uma nota de dez na carteira, como uma bênção vinda dos céus.

Fiz a entrevista e depois sentei numa área de vivência para passar o tempo. Eu tinha um compromisso, e não ia voltar para casa, pois depois teria que regressar novamente, e aquele trânsito infernal.

Então eu passo pela frente de uma porta e vejo de relance quem eu penso que seria um rapaz com quem eu havia tido um breve envolvimento há um tempo atrás. Sentei-me. Acendi um cigarro que tinha comprado no terminal após o alarme falso do ônibus que acabou indo sem nenhum passageiro. Tomei água. Não, não era ele, eu devo estar vendo coisas, tenho essa mania de ver rostos de pessoas conhecidas em gente desconhecida.

- Como é seu nome?

- Dimitri.

- Dimitri o quê?

Nem esperei para ouvir o sobrenome. Quantos Dimitris havia naquela cidade? Segui até a recepção.

- Oi Dimitri, tudo bem?

- Oi Luiza, tudo bem!

Sentei-me novamente e voltei aos meus livros. Não consegui parar de pensar nele um segundo sequer. As palavras estavam numa escrita morta, soltas e sem significado, rabiscos diante de meus olhos analfabetos de tanta ansiedade. Quando ele voltasse, ia pedir para ele ficar ali um pouco comigo. Mas como eu ia fazer isso? Tá, eu ia dizer, oi senta aqui, vamos conversar. Não, não. Como vai? Quanto tempo!

Naqueles dez minutos se passaram lembranças avulsas que duraram algumas horas. Ele me pareceu um tanto nervoso ao me cumprimentar. Eu não conseguia agir naturalmente com ele. Quando ele saiu da sala, atentei para seu passo arrastado, seu impasse para chegar mais perto de mim. Ele não queria ir embora, pelo menos não naquela hora. Pedi para ele sentar para a gente conversar. Fazia tanto tempo!

Não o encontrava, sequer pensava nele, ou mesmo lembrava, mas reencontrá-lo sempre mexeu comigo, com as coisas mal resolvidas que eu tinha. Ficava envergonhada ao vê-lo na rua.

- Sabia que eu tenho vergonha quando te vejo?

- Ué, por quê?

- Você deve me achar uma louca!

- Não acho não.

- Acha sim. Ai meu deus, eu era tão tola naquela época!

Um dia aquele homem com jeito de menino esteve apaixonado por mim. Não fazia muito tempo desde que eu havia me afastado de um rapaz com quem eu não havia tido uma história – e talvez esse fosse o motivo de uma tristeza não ter se instalado em mim, afinal, não houve uma história. Olhei para ele e, por um momento, lembrei de todos os homens que havia conhecido desde então. Onde ele estava esse tempo todo? Eu sabia. E tinha plena consciência de que ele não podia ser meu.

Durante a minha espera, conversamos por horas e horas. Ele reclamou que estava com fome, e foi aí que percebi que ele havia deixado de passar em casa antes da aula, só para nesse intervalo passar um tempo junto comigo. E quando me vi falando como se ele nunca tivesse ficado longe de mim, conclui que eu confiava nele, mesmo que a gente nunca tenha sido amigos ou amantes por muito tempo. Apesar da brevidade das nossas aproximações, houve momentos em que ele se mostrou mais companheiro do que amigos de anos. Em volta dele havia uma áurea, uma energia boa que eu gostava de sentir. Eu precisava de um bocado daquela energia por perto. Poucas pessoas tinham o semblante tão puro quanto o dele.

Houve um instante em que o azul dos seus olhos vibraram. Queria tocá-lo, queria beijá-lo. Mas me segurei, eu precisava manter o controle. Conversamos como bons amigos, mas eu imaginava, mesmo que me faltasse um espelho, que algo na linguagem do meu corpo, da minha voz, revelava mais do que eu permitiria. Lembrei das mensagens dele, da lembrança que ele deixou na portaria do prédio. Como pude?

Ele encostou-se preguiçoso na cadeira. Eu me estendi sobre a cadeira com os pés em outra para descansar. Quando os dois estavam absortos no nosso mundo, como se estivéssemos num parque olhando pro céu, ele me fez uma confissão. Foi uma confidência sem nomes, sem fatos concretos. Ele apenas me falou de uma aflição. Eu nunca imaginei vê-lo angustiado.

- Sabe, tem uma coisa me remoendo. Faz alguns dias já. Hoje isso está mais forte. Estou assim o dia inteiro. Sabe quando você sente um frio na barriga?

- Do que você tá falando?

- É algo mal resolvido. Um conflito que se estende. Sabe, quando você não espera que uma coisa vai dar nisso, mas acaba acontecendo.

- E você se decepciona porque depositou suas expectativas naquilo.

- É, é isso.

- Mas eu fico assim quando estou esperando algo ou quando esse algo já aconteceu.

- Os dois. Já aconteceu e eu estou esperando no que isso vai dar.

Qual era o conflito dele? Com o quê ele havia se decepcionado? Um leve prazer tomou conta de mim, desses prazeres egoístas que não devemos sentir. É que eu queria muito acreditar que o relacionamento que ele levava há anos já não dava mais certo. Eu não o esperei durante todo esse tempo, mas sempre que o reencontrava algo me dizia que a gente ainda iria ficar juntos, seja de maneira efêmera, ou seja por muitos anos. Eu só não sabia como.

Ele se despediu dando um tchauzinho tímido, e eu não tive coragem de ter algum contato físico com ele, de abraçá-lo antes que ele fosse embora, mesmo que quisesse tê-lo só um pouquinho mais perto. Então ele relutou em partir. Esperava que eu tivesse tomado a grande decisão do dia – abraçá-lo. Ele veio no meio do nada -além de nós- me dar um abraço e um beijo no rosto. Eu não sabia quando ia revê-lo. Senti uma leve pontada no coração.

No nosso papo, ele havia falado em energia. Ele, ao contrário de mim, acreditava em alguma força que fazia as coisas acontecerem. Eu, que na nossa conversa defendi que vivemos a deriva, agarrava-me agora à crença de que o destino o havia colocado no meu caminho naquele dia. Por mais que eu não me lembrasse dele no cotidiano, assim que o avistava era como se eu sentisse saudade durante todo esse tempo.

Um comentário:

Anônimo disse...

tinha tanta coisa pra escrever, que preferi me calar. chegou a me dar um aperto no coração.. é que.. sabe aquelas coisas de quando você acaba lembrando de algo quando escuta alguma história?

foi bem assim agora.