quinta-feira, outubro 12, 2006

La dolce vita

Caderninho e caneta a postos. Lá vou eu incomodar crianças que assistiam a um filme. Tudo escuro, como deve ser numa sala de cinema, e eu fico meio encabulada pra pedir entrevista. Pergunto a uma garotinha se ela queria bater um papinho comigo, e ela me responde toda sorridente que sim. Diz que nunca tinha vindo ao cinema, e era muito emocionante porque parecia que os desenhos animados eram reais. Lembrei de Nide, mulher de seus 40 anos muito bem vividos nos confins de Sergipe, que quando foi pela primeira vez ao cinema ficou com medo de as imagens saírem da tela. A magia é coisa muito bonita.

Bem, agora eu queria entrevistar uma criança da outra escola. Uma menina de seus 16 anos disse que era melhor outra pessoa falar, porque ela era grande e aquele filme não lhe era interessante. Até a vi depois fugir da sala aos risinhos acompanhada de um rapaz. Então um menino veio até mim trazido por um moço que se descrevia como seu responsável.

Fui logo abrindo o caderno e perguntei ao menino o que ele havia achado do filme. Ele ficou envergonhado, escondeu um tantinho do rosto com as pequeninas mãos, e disse que tinha achado muito bom. Perguntei-lhe se era a primeira vez que vinha ao cinema. Ele disse que sim.

- Então me conte da sua experiência, como foi vir pela primeira vez ao cinema?

- Foi muito bom - e insistiu em não olhar nos meus olhos.

Quando esta humilde estagiária que vos fala estava diante do computador a escrever suas matérias, perguntou-se: qual depoimento vou colocar na matéria? Lembrei do que o menino disse. No momento em que estava conversando com ele fiquei meio decepcionada, porque esperava uma declaração muito boa. Mas ele só disse que tinha achado muito bom. A menina, não obstante, havia dito algo com muito mais feeling, que os desenhos animados pareciam reais.

Então, o que eu iria escrever? Falaria sobre a menina, certo? Errado. Depois de um tempo, percebi que o mais apaixonante estava na simplicidade com que o menino falou do cinema. A menina olhava pra lá e pra cá, sempre preocupada com o fotógrafo. Perto do menino não havia fotógrafo, pois o repórter fotográfico havia saído para tirar fotos das crianças que estavam na sala de projeção, e o menino só pensava em voltar pra sala pra continuar a assistir às aventuras das coisas encantadas.

Eu escrevi: "Esta foi a primeira vez que Felipe Silva, 10 anos, esteve no cinema, e mesmo acanhado declarou: 'Achei muito bom'". Adorei o fato de a minha chefe não ter cortado o "mesmo acanhado" na hora da edição.

Às vezes a gente precisa descobrir a beleza das coisas simples, porque elas podem estar repletas de belas poesias sem rima e sem métrica, mas cheias de sinceridade.

2 comentários:

Anônimo disse...

E assim vou aprendendo a ser jornalista das coisas simples também...

Gostei muito, Tati

;)

tatiana hora disse...

obrigada, moça =)
:*