quinta-feira, novembro 10, 2005

O dia em que não havia cuscuz

Tio Deval veio me visitar essa semana. Está cada vez mais gordo, ele que era o típico magro de ruim na juventude, agora tem uma barriga saltando da calça formando uma excêntrica protuberância. Deval era insuportável quando jovem, lembro-me que minha prima Andréa o odiava porque ele nos colocava em cima da cama e dizia para dali não sairmos de jeito nenhum, senão ele mandava uma “cinturãozada”.

- Mas a gente não fez nada!- dizia ela cheia de indignação muito bem embasada e clamando por justiça. Eu vou brincar, não quero nem saber.

Eu sinceramente não estava nem aí, sabia que era brincadeira do meu tio, e até o chamava de bobo, idiota, aí quando ele perguntava “como é?”, eu dizia, oxe, eu estava falando com as paredes (frase estranhamente imbecil que eu proferia com orgulho embriagado de sapiência). Eu ria da situação, e minha prima chorava, não por fraqueza, mas com a mais pura ira que lhe fazia a cara vermelha por baixo dos caracóis amarelos dos seus cabelos.

Sempre que vejo Tio Deval não posso deixar de lembrar das brigas homéricas dele com Andréa, e essa foi a minha primeira recordação ao vê-lo com o suor descendo na testa e os gordos braços abertos vindo me abraçar. Passamos horas conversando, ele sempre superestimando minhas virtudes e dizendo que sou capaz de fazer tudo em que não acredito. Para meu tio eu sou o auge da inteligência e da beleza entre as mulheres, ele me dedica um “complexo de pai” mal resolvido. E assim como todo bom pai, lembra de histórias hilárias e embaraçosas a meu respeito.

Estávamos eu e meu tio tomando nosso típico cafezinho na cozinha, que a gente sempre toma entre conversas inflamadas em suas raras visitas, quando eu disse a minha mãe que não iria comer cuscuz, e sim sanduíche de presunto e queijo. Não deu outra. Tio Deval se espantou com o meu pedido, e lembrou de uma história curiosa de quando eu tinha uns oito anos.

Era um daqueles raríssimos dias em que minha mãe se dava ao luxo de comer fora, e lá se foi toda a família para a pizzaria Janaína. Todos se acomodaram satisfeitíssimos de estarem prestes a fazer uma farta refeição fora de casa, alegria de pobre, se é que você me entende, quando minha mãe perguntou:

- Filhota, você vai querer pizza de quê?

Estava eu metida num vestido bordado e com fitas coloridas no cabelo diante de uma enorme massa desconhecida. Comecei a fazer uma cara de menina emburrada cheia de bico ameaçando chorar, e disse tão decidida ao ponto de aparentar revolta:

- Mamãe, eu não quero isso daí não. Tem cuscuz?

Todos os meus familiares desembestaram a rir, e minha mãe só faltou de descabelar dizendo “minha filha, você me mata de vergonha!”, com um sorriso azedo no rosto e fitando os atentos olhares desconhecidos. Não entendi bulhufas do por que da euforia exacerbada geral, eu só sabia que queria comer cuscuz e isso não se servia naquele maldito local. Nesse dia eu aprendi a gostar de pizza.

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