sábado, julho 17, 2010
O mar não é de todos
Era um dia nublado e mesmo assim eu havia ido à praia com um queridíssimo amigo. Interessante que quase sempre que marcávamos de ir à praia, o céu se fechava contra nós. Mas mesmo assim nós seguiamos em frente. A praia com o céu nublado tinha um jeito diferente. Nada como conversar com pés aconchegados na areia macia, banhar-se na água gélida que estremece e desordena o corpo, abraçar-se na toalha para proteger-se do vento frio, e ao mesmo tempo senti-lo com ainda maior intensidade.
Até que o céu finalmente se torna crepuscular. Colocamos nossas sandálias e andamos em direção ao terminal. Somos daqueles banhistas proletários. Metemo-nos no ônibus repleto de suor, de hálitos de álcool e de batucada. Ao chegarmos na entrada do terminal, um mendigo se aproxima de mim.
- Moça, me dá um trocado pelo amor de deus!
Paro. Olho para ele por alguns segundos.
- Não tenho nada, moço. Tô quebrada.
- Pelo amor de deus!
- É sério, moço. Não devia nem ter vindo hoje... Gastar grana que nem tenho... Agora só tenho o dinheiro da passagem.
- Que vida ruim. Eu não tenho nada. Eu não posso me divertir.
Fiquei surpresa. Nunca esperava ouvir isso de um mendigo. Sempre esperei por "uns trocados, por favor". Não que eu achasse que mendigos não tinham alma. É que acreditava que eles sempre seriam um personagem mecanicamente interpretado quando pedem esmolas, como aqueles que eu costumava ver por aí. Mas aquela era uma grande revelação, o seu desabafo. E eu, que estava tão contente naquele dia, disse...
- O senhor tem o mar. O mar é de todos. Tome um banho de mar. O mar é a coisa mais linda que fizeram no mundo.
O mendigo sorriu entre os dentes que lhe faltavam e no meio de uma dor imensa cravada no seu rosto. O sorriso que, consumado no mais puro desespero, chegava a doer ao sair.
Eu queria terminar esta história contando que o mendigo foi correndo em direção ao mar. E que ele se banhou nas águas purificadoras do mar, num sublime momento de catarse. Mas não. Ele apenas me disse "vá com Deus", e seguiu com seu passo arrastado, a mão erguida com insistência lânguida, e a mesma e repetida fala, a mesma e repetida voz.
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