quinta-feira, julho 01, 2010

Amor na tarde (1957), Billy Wilder


Aproveitei a perseguidora insônia para assistir nesta madrugada a Love in the afternoon , exibido no canal TCM. E tenho a impressão de que a protagonista Ariane está mais para Norma Desmond em Crepúsculo dos deuses (1950) do que para Phyllis Dietrichson em Pacto de sangue (1944), outros filmes de Wilder.

Explico. Em Crepúsculo dos deuses, Norma Desmond é uma atriz decadente de Hollywood que, no entanto, não deixou de viver a fantasia das estrelas do cinema. É uma mulher capturada pelo sonho da sétima arte. Já em Pacto de sangue, Phyllis é uma típica femme fatale: ela usa o amante, agente de seguros, para dar um golpe no marido.

Apesar de representar o papel de típica femme fatale para o Sr. Frank Flannagan , um milionário boa-vida que gasta seu tempo viajando por aí e tendo relações efêmeras com muitas mulheres, Ariane não passa de uma garota ingênua. E ela usa casaco de femme fatale, imita tais personagens do cinema noir no modo de falar, na postura, nos gestos, mente sobre casos e mais casos que teria tido com homens, tudo para ludibriar e conquistar o mulherengo rico.

Todas as histórias que ela narra são de casos investigados pelo seu pai, Sr. Chavasse, que é detetive em Paris. Temos a figura do detetive enquanto narrador, tão presente no cinema noir. Alguns podem classificar esse filme como comédia romântica, mas acredito que é uma visão equivocada da obra. Trata-se, em minha opinião, de um filme que revela tamanha maturidade de Billy Wilder na incursão pelo cinema noir, que ele chega a reverter os papéis típicos desse gênero cinematográfico.

Afinal, temos uma falsa femme fatale. Se a femme fatale é geralmente a mulher que engana os homens para mais tarde se revelar adúltera, interesseira, promíscua, Ariane faz o milionário crer que ela é tudo isso, para depois Flannagan descobrir que ela era apenas uma jovem sonhadora que toca violoncelo.

É por isso que acho que o filme de Wilder é sobre as espectadoras do cinema noir, aquelas "mulheres comuns" que viviam numa sociedade machista e encontravam na figura da femme fatale uma espécie de libertação. É como se Ariane fosse o equivalente cinematográfico de uma Madame Bovary, de Flaubert. E ela se encantou por essa personagem da mulher que desafia as convenções sociais perscrutando nada mais nada menos do que o arquivo do seu pai. Mas não seria o seu verdadeiro pai o próprio Billy Wilder?

Nenhum comentário: