sexta-feira, maio 08, 2009

Os pássaros (1963), Alfred Hitchcock


Três anos após o lançamento de Psicose (1960), Alfred Hitchcock nos apresenta outro filme que traz a problemática da relação mãe e filho em Os pássaros (1963). Se em Psicose Norman Bates assassina a mãe que havia arrumado um namorado após a morte do pai, e cria uma dupla personalidade, sendo que assume a pessoa da mãe como uma mulher ciumenta que mata qualquer mulher que se aproxime dele, em Os pássaros Lydia Brenner, a mãe de Mitch Brenner, procura afastar as mulheres que tenham envolvimento com seu filho, pois é viúva e teme passar o resto de seus dias sozinha.

Desde a primeira cena do filme nos é apresentado o elemento central da narrativa, os pássaros, e a responsável pelo desequilíbrio do meio, Melanie Daniels. Numa loja de pássaros Melanie se passa por vendedora para atrair Mitch Brenner, que propositalmente afirma que está procurando por periquitos, que não havia na loja, para presentear sua irmã. Mitch questiona: você não se sente mal diante dessas pobres criaturas presas em gaiolas? Melanie oferece-lhe um canário, e quando vai tirá-lo da gaiola acaba deixando-o escapar de suas mãos. Esse é o prelúdio da insurreição dos pássaros sobre os habitantes da pequena cidade de Bodega Bay após a chegada de Melanie, que viaja de São Francisco até Bodega Bay atrás de Mitch.

Logo após visitar Mitch, Melaine sofre o ataque de uma gaivota. Mais e mais ataques são realizados por diversas espécies de pássaros que vêm aos montes, sejam corvos, gaivotas, etc. Num primeiro momento, muitos não acreditam nos relatos dos ataques, posto que os pássaros não seriam tão inteligentes ao ponto de se unirem para uma espécie de insurreição, até que eles se tornam cada vez mais constantes. Partimos de uma situação inicial em que os pássaros estavam perfeitamente controlados, vendidos como coisas presos em gaiolas de uma loja, até vermos humanos presos em suas próprias casas reféns das investidas de centenas de pássaros.

Não sabemos ao certo o motivo de tal revolta. Aliás, esse não é um filme de respostas. A mãe de Mitch encontra um homem morto com os olhos arrancados, o que leva a polícia a acreditar que teria sido um crime, o que nos fornece uma pista falsa. Outra pista falsa seria o fato de Mitch ser advogado criminal, o que poderia conduzir a supor que haveria algum crime no decorrer do filme. Num determinado ataque, Mitch e Melanie, fugindo dos pássaros, encontram mulheres idosas reunidas numa casa, entre elas a mãe de Mitch, até uma delas afirmar que Melanie era má e por isso haviam ocorrido estranhos acontecimentos na cidade.

Temos que uma dessas senhoras entende bastante de ornitologia. Annie Hayworth, que antes havia se também envolvido com Mitch, fala para Melanie sobre outro ataque de pássaros ocorrido anteriormente, o que pode conduzir a imaginar uma relação entre aquelas senhoras solitárias e as investidas dos pássaros para afastar uma nova mulher. Sabemos que Lydia não está feliz com a aproximação entre o filho e Melanie, e ela chega a contar ao filho sobre um escândalo nos jornais a respeito da moça, filha de um dono de jornais, segundo o qual ela haveria tomado banho nua num chafariz em Roma, numa referência a La dolce vita (1960), de Federico Fellini. Entretanto, a hipótese da relação entre a mãe solitária e a nova namorada do filho, ou qualquer outra, não se confirma neste exemplar do cinema moderno, que é uma obra aberta, inacabada de maneira a deixar teorias sobre o filme a cargo do espectador.

Está aí uma diferença essencial entre Os pássaros e Psicose: se o segundo nos leva a um final de revelação surpreendente, o primeiro nos deixa sem respostas, apenas rodeados de mistérios criados pela narrativa.

Vale ressaltar a tensão provocada no espectador relacionada aos pássaros, especialmente na cena em que o plano geral desde o início destaca um cercado situado próximo à escola, e após Melanie sentar-se num banco para esperar Cathy sair, a irmã de Mitch, vemos a utilização da profundidade de campo provocar um efeito de tensão, pois observamos aquilo que a personagem não vê – ameaça do ataque dos pássaros, que vão chegando aos poucos logo atrás dela, até que finalmente Melanie vê repentinamente, num rápido campo e contracampo, o cercado repleto de corvos. Ficamos tensos durante a cena, que já nos indicava o decorrer da ação, o que não impede uma sensação de surpresa, quando do ponto de vista objetivo e onisciente da ação somos mandados para o ponto de vista da personagem, com destaque para a imagem repentina da enorme quantidade de pássaros e também para a câmera subjetiva voltada para trás enquanto a personagem caminha rapidamente até a escola.

Algo que particularmente me chamou a atenção no filme foi a relação do ser humano com a natureza. O desequilíbrio inesperado, o que parecia indefeso se torna ameaçador, a vida selvagem tomando conta de uma pequena cidade e afugentando os seus habitantes. Os pássaros tem uma paisagem onírica, ele mexe com o absurdo e apresenta imagens que realmente nos lembram um sonho, ao ponto de em certo momento ser possível esperar que um dos personagens acorde.

Sobre a natureza, lembro de uma frase de Wittgenstein: que o sol nascerá amanhã é uma necessidade lógica, mas não uma determinação da realidade. O sol pode simplesmente não nascer amanhã. Os ataques dos pássaros desafiam a nossa lógica sobre o mundo, o universo começa a parecer incompreensível. O filme não oferece uma compreensão do fenômeno, deixando-nos apenas esse contato com o Místico. A racionalidade e o poderio do homem sobre a natureza permanecem questionados.

Poderíamos também estabelecer uma oposição entre a metrópole São Francisco, lugar em que Mitch trabalha e onde conheceu Melaine e Annie, e a pequena cidade de Bodega Bay. São Francisco evoca a racionalidade das relações pessoais típicas da vivência das metrópoles, lugar onde o contato com a natureza é rompido através da construção de um ambiente criado, enquanto os ataques dos pássaros na pequena Bodega Bay nos remetem a um mundo onírico, ou seja, irracional, e onde a natureza ao final ocupa a cidade, repleta de pássaros que expulsaram seus moradores.

Um comentário:

Anônimo disse...

Se na São Francisco o ambiente urbano oprime tanto os homens como os passáros (chegando a "aprisioná-los" para fins comercias), a fuga de ambos para a pequena Bodega Bay pode significar a esperança de liberdade, o vôo para uma existência mais aconchegante e familiar (justamente o que o inchaço da metrópole regido pela fria lógica do mercado não pode oferecer). O problema surge com essa promessa que intensifica e localiza os conflitos entre os animais nas "bordas" da grande metrópole. O que parece ser uma revolução dos pássaros é a disputa por espaço própria dos animais. A mãe de Mitch sente seu espaço ser ameaçado. Os crimes podem não serem pistas falsas, talvez anunciem a queda contínua da paz e da segurança na região. Essa tensão também caracteriza a periferia como região de conflito e lhe confere um quê de vida do interior. No filme todos os personagens são pássaros. Enfim, o filme não conclue apenas mostra: o medo e o absurdo.