Tradução da cartinha... é bem simples, coisa de inciante mesmo!
Querida amiga,
Eu vou partir em breve para o Brasil. Espero meu avião para retornar ao meu país. Acho que minha estadia na França foi magnífica. Eu visitei muitos lugares e adorei principalmente as discotecas, pois adoro sair à noite e dançar, divertir-me. Visitei o museu e vi um Monet. Você me conhece e sabe que eu adoro observar quadros.
Um dia eu fui à praia e encontrei vários brasileiros lá. Amiga, eu amo a França, mas há um pequeno problema: eu não vi o sol! Mas as pessoas são agradáveis e a França é um bom lugar para morar. Há muitas coisas pra fazer por aqui!
Acho que voltarei à França no próximo verão. Talvez eu viverei aqui, mas não sei, pois adoro o Brasil também, e minha família e meus amigos moram lá. É a vida!
Gostaria que você viesse ao Brasil um dia. Nós poderíamos ir à praia, comer uma refeição brasileira... A cultura do meu país é formidável!
Eu te espero, e retornarei um dia...
Um abraço,
Tatiana.
quarta-feira, outubro 31, 2007
segunda-feira, outubro 29, 2007
Chère amie,
Je vais partir tout de suite au Brésil. J'attends mon avion pour rentrer dans mon pays. Je pense que mon séjour en France a été magnifique. J'ai visité beaucoup de places et j'ai aimé sourtout les discotèques parce que j'aime sortir au soir et danser, m'amuser. J'ai visité le musée et j'ai vu un Monet. Tu me connais et tu sais que j'adore observer les tableaux.
Un jour, je suis allée à la plage et j'ai rencontré beaucoup de brésiliens là bas. Amie, j'aime la France, mais il y a un petit problème: je n'ai pas vu le soleil! Mais les gens sont agréadables et la France est une bonne place pour vivre. Il y a beaucoup de choses à faire ici!
Je pense que je vais retourner en France l'été prochain. Peut-être je vais vivre ici, mais je ne sais pas, parce que j'aime le Brésil aussi, et ma famille et mes amis habitent là bas. C'est la vie!
Je voudrais que tu viennes au Brésil un jour. Nous pouvons aller à la plage, manger un repas brésilien... La culture de mon pays est formidable!
Je t'attends et je vais retourner un jour...
Je t'embrasse,
Tatiana.
Minha primeira carta em francês. Tudo fantasia, claro, nunca fui à França!
Je vais partir tout de suite au Brésil. J'attends mon avion pour rentrer dans mon pays. Je pense que mon séjour en France a été magnifique. J'ai visité beaucoup de places et j'ai aimé sourtout les discotèques parce que j'aime sortir au soir et danser, m'amuser. J'ai visité le musée et j'ai vu un Monet. Tu me connais et tu sais que j'adore observer les tableaux.
Un jour, je suis allée à la plage et j'ai rencontré beaucoup de brésiliens là bas. Amie, j'aime la France, mais il y a un petit problème: je n'ai pas vu le soleil! Mais les gens sont agréadables et la France est une bonne place pour vivre. Il y a beaucoup de choses à faire ici!
Je pense que je vais retourner en France l'été prochain. Peut-être je vais vivre ici, mais je ne sais pas, parce que j'aime le Brésil aussi, et ma famille et mes amis habitent là bas. C'est la vie!
Je voudrais que tu viennes au Brésil un jour. Nous pouvons aller à la plage, manger un repas brésilien... La culture de mon pays est formidable!
Je t'attends et je vais retourner un jour...
Je t'embrasse,
Tatiana.
Minha primeira carta em francês. Tudo fantasia, claro, nunca fui à França!
domingo, outubro 28, 2007
Humf!
Então você percebe, numa noite de domingo sem sentido, que não há ninguém que te tire do sério. E incrivelmente você sabe, que por mais que você esteja mais recatada nas emoções, por mais que, na verdade, você não esteja a fim de se apaixonar, ainda resta alguma coisa dentro de você que quer perder os brios. Mas logo passa...
Se bem que acho bonito se melar que nem criança ao tomar sorvete, ou dizer ODEIO, ODEIO, ODEIO alguma coisa de uma forma meiga.
Adeus.
Adieu.
Goodbye.
Se bem que acho bonito se melar que nem criança ao tomar sorvete, ou dizer ODEIO, ODEIO, ODEIO alguma coisa de uma forma meiga.
Adeus.
Adieu.
Goodbye.
Nous allons à la plage
Meninas nerds não deveriam ir à praia. Não pra vestir maiô preto, usar protetor solar infantil, esconder-se do sol no sombreiro e olhar ao redor apertando os olhinhos protegidos na medida do possível e enxergando na medida do possível pelo óculos de grau.
As meninas da praia, ah, elas sim! Com todo a sua graça se estendem nas cadeiras de praia pra se estirar diante do sol latejante com a pele encobreada pelo bronzeador, com seus biquínis milimétricos, com seus óculos escuros que dão o ar da sensualidade no semblante.
Mas eu não sou uma menina da praia! pfffff!
As meninas da praia, ah, elas sim! Com todo a sua graça se estendem nas cadeiras de praia pra se estirar diante do sol latejante com a pele encobreada pelo bronzeador, com seus biquínis milimétricos, com seus óculos escuros que dão o ar da sensualidade no semblante.
Mas eu não sou uma menina da praia! pfffff!
domingo, outubro 21, 2007
Rebelião
Conheço um cara que estava trabalhando como monitor num colégio particular. O tal colégio mais parece um Big Brother, cheio de câmeras por todos os lados para vigiar (e depois punir) os alunos. Um modelo educacional bastante repressivo e que chega a colocar alunos aplicados em salas distintas das dos estudantes mais bagunceiros. Uma instituição que quando quer parecer mais humana manda os alunos pros psicólogos do colégio que os fitam de cima abaixo, e os colocam de castigo numa sala quando chegam atrasados. Um lugar onde as mães dos estudantes chegam com suas pulseiras de ouro, sua autoridade, seu ar de quem está pagando por um bom filho pronto diretamente saído daquela instituição.
Então, o cara que conheço, ao ver um desses alunos gazeando pediu para que ele retornasse à sala de aula.
- Tá pensando que você manda em mim? Tá pensando que manda em mim, que nem a vaca da minha mãe?
Meu amigo se assustou, é claro. Mas ele se espantou mais ainda quando ocorreu o episódio fatídico em que o tal guri ia incendiar o colégio jogando perfume no lixeiro e tascando fogo. Quando perguntaram ao garoto, ele negou com a frieza de um adulto psicopata no banco de réus.
- Eu não fiz nada disso. Se eu quisesse botar fogo nesse colégio eu ia começar por algo que queimasse logo tudo e não por um lixeiro.
Então, o cara que conheço, ao ver um desses alunos gazeando pediu para que ele retornasse à sala de aula.
- Tá pensando que você manda em mim? Tá pensando que manda em mim, que nem a vaca da minha mãe?
Meu amigo se assustou, é claro. Mas ele se espantou mais ainda quando ocorreu o episódio fatídico em que o tal guri ia incendiar o colégio jogando perfume no lixeiro e tascando fogo. Quando perguntaram ao garoto, ele negou com a frieza de um adulto psicopata no banco de réus.
- Eu não fiz nada disso. Se eu quisesse botar fogo nesse colégio eu ia começar por algo que queimasse logo tudo e não por um lixeiro.
sábado, outubro 20, 2007
I wanna live life and never be cruel
I wanna live life and be good to you
And I wanna fly and never come down
And live my life and have friends around
We never change, do we? no, no
We never learn, do we?
So I wanna live in a wooden house
I wanna live life and always be true
I wanna live life and be good to you
And I wanna fly and never come down
And live my life and have friends around
We never change, do we? No, no
We never learn, do we?
So I wanna live in a wooden house
where making more friends would be easy
Oh, and I don´t have a soul to save
Yes, and I sin every single day
We never change, do we?
We never learn, do we?
So I wanna live in a wooden house
Where making more friends would be easy
I wanna live where the sun comes out ...
We never change, Coldplay
Amor fati
Desejo aprender a ver cada vez mais belo a necessidade das coisas: é assim que serei sempre daqueles que me tornam as coisas belas. AMOR FATI (amor ao destino). Seja assim, de agora em diante, ao meu amor. Não pretendo fazer guerra ao que é feio. Não pretendo acusar, nem mesmo aos acusadores. Desviarei o meu olhar, será essa agora, de agora em diante, a minha única negação! E, em uma palavra, portanto: não quero, a partir de hoje, ser outra coisa, senão a pessoa que diz SIM.
Nietzsche, A Gaia Ciência.
Nietzsche, A Gaia Ciência.
sexta-feira, outubro 19, 2007
terça-feira, outubro 16, 2007
Medieval
Você me pede
Pra ser mais moderno
Que culpa que eu tenho
É só você que eu quero
Às vezes eu amo
E construo castelos
Às vezes eu amo tanto
Que tiro férias
E embarco num tour pro inferno
Será que eu sou medieval?
Baby, eu me acho um cara tão atual
Na moda da nova Idade Média
Na mídia da novidade média
Olha pra mim, me dê a mão
Depois um beijo
Em homenagem a toda
Distância e desejo
Mora em mim
Que eu deixo as portas sempre abertas
Onde ninguém vai te atirar
As mãos vazias nem pedras
Eu acredito nas besteiras
Que eu leio no jornal
Eu acredito no meu lado
Português, sentimental
Eu acredito em paixão e moinhos lindos
Mas a minha vida sempre brinca comigo
De porre em porre, vai me desmentindo
Será que eu sou medieval?
Baby, eu me acho um cara tão atual
Na moda da nova Idade Média
Na mídia da novidade média
Cazuza
Militância em movimentos coletivos e obtenção de capital político: da busca pelo bem comum às regras do jogo
1- Introdução
Governador do estado, secretário municipal de Educação, presidente da república. Antes de ocupar cargos que expressam capital político objetivado, muitos desses profissionais da política passaram pelos chamados movimentos sociais, sejam eles o Movimento Estudantil, o Movimento dos Sem Terra, entidades ligadas à Igreja Católica, sindicatos, associações de moradores, organizações não-governamentais, entre outros.
O presente artigo traz uma breve avaliação da relação entre a militância em movimentos coletivos e a obtenção de capital político. O prestígio conquistado por aqueles que militaram nesses movimentos costuma ocorrer nos partidos de esquerda, que têm uma maneira militantista de conceber a política, e apresentam certa proximidade com tais movimentos. Dessa forma, este trabalho traz as avaliações de Coradini e Gaglietti a respeito da socialização política dos militantes do Partido dos Trabalhadores (PT) em Porto Alegre.
Ambos os autores citados anteriormente são muito influenciados pela perspectiva de Bourdieu em seus estudos. O conceito de habitus, de que fala Bourdieu, será aplicado neste trabalho para ajudar na compreensão da relação entre militantismo e obtenção de capital político. Essa noção será fundamental para entender a forma como a passagem dos militantes por movimentos sociais contribui para o conhecimento a respeito das regras do jogo da política.
Novamente, Bourdieu foi de fundamental importância para compreender melhor a conduta dos militantes através da sua avaliação a respeito do interesse. Bourdieu dirime a visão encantada e ingênua a respeito do desinteresse dos militantes, que muitas vezes se apresentam ou são vistos como pessoas desinteressadas, pois seriam indivíduos comprometidos acima de tudo com a coletividade. A noção de lucro simbólico e as recompensas encontradas na sociedade para o “desinteresse”, de que trata Bourdieu, ajudam a construir uma perspectiva mais aprofundada a respeito das diversas motivações e recompensas da militância pela atuação em movimentos coletivos.
Se este trabalho apresenta as aproximações entre o campo político e o campo militante, é importante ressaltar também as distinções entre essas duas esferas, diferenças essas que contribuíram para a tentativa de definição de um conceito de capital militante, proposta por Frédérique Matonti e Franck Poupeau. Ao mesmo tempo em que se afastam, os capitais político e militante se aproximam na medida em que o capital militante pode ser convertido em capital político.
Se a entrada nos movimentos sociais pode estar relacionada à defesa de “causas” ligadas ao bem comum, nos movimentos coletivos também podem ser dados os primeiros passos de futuros prefeitos, governadores, entre outros, no sentido de acumular conhecimentos sobre como se movimentar no campo político. Através da militância em movimentos sociais, os profissionais da política podem tanto obter algum aprendizado necessário para serem bem sucedidos no jogo da política, como podem conseguir prestígio dentro da política partidária, em se tratando dos partidos de esquerda, que valorizam a participação em movimentos coletivos.
2- Primeiros passos na militância
Mauro Gaglietti (2003), em seu estudo sobre os militantes do Partido dos Trabalhadores da cidade de Porto Alegre, observa que a maior parte dos militantes do PT passa primeiro pelo engajamento em algum movimento coletivo para então adentrar na política partidária. Os dados apresentados por Gaglietti (2003, p. 88) apontam que 63% dos militantes começaram a atuar no PT quando estavam no Movimento Estudantil, 8.5% em sindicatos, e 23% nos movimentos de juventude ligados à Igreja Católica.
Percebe-se que a maioria dos militantes do PT iniciou a militância quando integrava o Movimento Estudantil. Gaglietti (2003, p.94) mostra que grande parte dos militantes estudou em instituições públicas, entidades onde o Movimento Estudantil é mais forte devido à influência dos discursos de esquerda de determinados professores e do contato que os estudantes têm com manifestações como a greve.
Segundo Coradini (2002, p. 109), a política partidária, para os militantes dos partidos de esquerda, nunca está desvinculada de outras esferas de militância, como as associadas ao Movimento Estudantil, sindicatos e movimentos apoiados por igrejas. Coradini (2002, p.114) mostra ainda que o baixo nível de escolaridade é compensando em alguns momentos pela atuação em movimentos sociais, como é o caso da responsável pelo Gabinete de Relações Comunitárias, uma ocupante de cargo do primeiro escalão sem curso superior, mas vasta experiência na “militância comunitária”. Já Gaglietti (2003, p.93) aponta que o baixo nível de escolaridade é compensando pelo capital político acumulado em movimentos sociais principalmente entre aqueles que participaram de organizações clandestinas de esquerda nas décadas de 60 e 70 e no início de 80.
Coradini (2002, p. 109) ressalta que a militância em movimentos sociais influencia a forma de os militantes do PT lidarem com a administração pública. Os militantes levam para sua atuação uma forma militantista de conceber a política, e instrumentalizam seus conhecimentos obtidos em instituições como a universidade. Eles aproveitam diversos valores defendidos por movimentos sociais, como “participação popular” e “gestão democrática”, como também utilizam de forma instrumental teorias das Ciências Sociais, do Direito, entre outros, para colocá-las a serviço da prática. Essa perspectiva militantista de ver a política dá um sentido de manifestada ideologização do trato das políticas públicas, indo para além da valorização da competência técnica e marcando a administração com um sentido de missão em busca de justiça social.
3 – “Desinteresse” e militantismo
Na definição de Gaglietti (2003, p. 138) a respeito dos padrões de militância, muitos militantes advindos dos movimentos sociais se enquadram em seu primeiro padrão, chamado de missão. De acordo com Gaglietti, esses militantes atribuem uma função messiânica à política, baseada na devoção a uma “causa” vinculada aos ideais socialistas e à Teologia da Libertação. Tais militantes eram influenciados pelas teorias marxistas e buscavam a construção de uma sociedade comunista, ou, no caso dos militantes cristãos, traçavam o vínculo entre o comunismo de Marx e os valores de amor ao próximo defendidos por Cristo. O exercício de um cargo por esses militantes é visto como uma oportunidade de contribuir para o bem coletivo, e não como uma forma de ascender na hierarquia política.
Dessa forma, muitos militantes podem parecer desinteressados no desempenho de suas funções. Entretanto, Bourdieu (1988, p.137) tem uma noção de interesse que vai para além das finalidades econômicas e que abarca os conceitos de lucro simbólico, capital simbólico, interesse simbólico. De acordo com o autor, a noção de interesse funciona como um instrumento de ruptura com a mistificação das condutas humanas. Ele afirma que os agentes sociais não realizam atos arbitrários e que não fazem sentido para as Ciências Sociais, mas suas ações são motivadas por interesses, manifestos ou não, estratégicos ou não.
“Ao introduzir a noção de capital simbólico (e de lucro simbólico), de certa maneira, radicalizamos o questionamento da visão ingênua: as ações mais santas – a ascese ou o devotamento mais extremos- poderão ser sempre suspeitas (e historicamente o foram, por certas formas extremas de rigorismo) de terem sido inspiradas pela busca do lucro simbólico de santidade ou de celebridade” (Bourdieu, 1988, p.150)
Bourdieu (1988, p.152) defende que o desinteresse acontece nos universos sociais onde ele é reconhecido, como é o caso do campo militante. Destarte, um ato aparentemente desinteressado pode trazer lucro simbólico para o agente social. No campo militante, em que a dedicação total à “causa”, e a submissão ao bem coletivo são vistos com bons olhos pelos demais agentes sociais, o militante obtém capital simbólico na sua dedicação aos valores de justiça social. Como afirma Bourdieu (1988, p. 153), a universalização apresenta seus lucros, já que em quaisquer sociedades a submissão ao bem comum é tida como conduta virtuosa.
Gaglietti (2003, p.127) mostra os fatores que influenciam na conquista de um cargo na administração pública, entre eles, o tempo de dedicação ao partido, a intensidade do engajamento, a fidelidade à legenda, a defesa das chamadas minorias, e, por último, a atuação em movimentos sociais. De acordo com o autor, os militantes mais ligados a esses movimentos coletivos têm mecanismo mais sofisticados para ocultar qualquer forma de interesse numa suposta compensação pela sua militância. Os militantes não costumam defender a sua nomeação para algum cargo, o que geralmente é feito por outro militante. Segundo Gaglietti (2003, p. 127), quanto maior é a influência dos ideais socialistas e da Teologia da Libertação sobre o militante, mais forte é a ocultação de possíveis interesses na obtenção de cargos ou na ascensão na hierarquia partidária.
4- As regras do jogo
“Com efeito, nada é menos natural do que o modo de pensamento e de ação que é exigido pela participação no campo político: como o habitus religioso, artístico ou científico, o habitus do político supõe uma preparação especial. É, em primeiro lugar, toda a aprendizagem necessária para adquirir o corpus de saberes específicos (teorias, problemáticas, conceitos, tradições históricas, dados econômicos, etc.) produzidos e acumulados pelo trabalho político dos profissionais do presente e do passado ou das capacidades mais gerais tais como o domínio de uma certa linguagem e de uma certa retórica política, a do tribuno, indispensável nas relações com os profanos, ou a do debater, necessária nas relações entre profissionais. (Bourdieu,1930, p. 169)
A política é descrita por Bourdieu como um jogo, e o bom jogador é aquele que conhece as regras do jogo. A noção de habitus descrita por Bourdieu (1988, p. 144) define que o habitus estrutura a percepção do universo em questão, bem como as formas de agir nesse universo. No campo político, o habitus abarca as competências cognitivas para compreensão desse mundo, constitui um conjunto de conhecimentos que permite interpretar os signos próprios do âmbito da política, bem como o sentido de como movimentar ‘as peças no tabuleiro’.
De acordo com Bourdieu (1989, p. 22), o habitus representa um conjunto de práticas distintivas de um determinado espaço social. As diferenças que tornam o espaço político um espaço diferente de outros espaços sociais formam uma linguagem, uma série de signos distintivos, de esquemas classificatórios e de categorias de percepção.
A leitura desses signos, o domínio da linguagem própria do espaço político e a incorporação dos seus princípios de di-visão do mundo social, são apreendidas inicialmente na militância em movimentos coletivos e, posteriormente, na militância na política partidária. O engajamento em movimentos sociais forneceu recursos importantes para os militantes, recursos esses que foram potencializados na sua entrada num partido político, como foi observado por Gaglietti (2003, p. 112). Os militantes observados por Gaglietti (2003, p. 105) adquiriram no movimento estudantil competências como a capacidade de falar bem em público, qualidade adquirida após participarem de diversas reuniões, assembléias, entre outros. O domínio de uma linguagem e de uma retórica política de que fala Bourdieu (1930, p. 169) pôde ser adquirido em parte nos espaços de socialização política encontrados em movimentos sociais.
As diversas experiências que os militantes têm nos movimentos coletivos contribuem tanto para lhes auferir prestígio junto aos demais militantes do PT, como foi observado nos estudos de Gaglietti (2003) e Coradini (2002), como oferecem recursos para incorporação do habitus da política pelos militantes. A militância em movimentos sociais é um dos fatores levados em conta para a obtenção de cargos na administração pública.
De acordo com Bourdieu (1930, p. 195), quanto mais o capital político se institucionaliza, tanto mais os militantes se distanciam da “causa” e se infiltram na busca por clientes, ou eleitores, e se engajam na conquista do aparelho, que pode lhes oferecer um retorno material ou simbólico. Dessa forma, quanto mais o capital político se institucionaliza, quanto mais postos os militantes de um determinado partido ocupam na administração pública, maior é a dedicação à reprodução do aparelho. Com a entrada no partido e o contato com a máquina pública, os militantes costumam se afastar dos movimentos sociais, como mostra Gaglietti (2003, p. 91), ao afirmar que 85% dos seus entrevistados que ocupam cargos na administração pública não participam de movimentos sociais, sendo que 94,5% deles iniciaram a militância quando pertenciam a movimentos coletivos.
5- Capital militante e capital político
Apesar da aproximação entre os movimentos coletivos e a política partidária, e as formas de conversão da experiência em movimentos sociais em capital político, é importante traçar os limites entre capital militante e capital político. Frédérique Matonti e Franck Poupeau (2004) formularam uma tentativa de definição de capital militante por entenderam que este é um universo do qual o conceito de capital político não dá conta. De acordo com Frédérique Matonti e Franck Poupeau (2004, p. 4), o capital político funda-se na crença que um grupo dedica a uma pessoa socialmente designada, e é baseado numa espécie de fetichismo político através do qual o grupo se identifica e se reconhece na autoridade do portador do capital político. Já o capital militante é muito instável.
“Portanto, o capital militante distingue-se do capital político, o qual é em larga medida um capital de função nascido da autoridade reconhecida pelo grupo e, por essa razão, ‘instável’, incorporado sob forma de técnicas, de saberes e savoir-faire mobilizáveis em ações coletivas, lutas inter ou intra-partidárias, mas também exportáveis, conversíveis em outros universos, portanto, suscetíveis de facilitar certas ‘reconversões’” (Matonti e Poupeau, 2004, p.5)
O que diferencia, essencialmente, o capital militante do capital político é o fetichismo que envolve o capital político e a forma como ele é mais unificado e vinculado à crença na autoridade de uma pessoa socialmente designada e na autoridade da instituição, o partido, a que essa pessoa pertence. O capital militante é mais descentrado, e apresenta um aprendizado de técnicas, de um habitus, propriamente do campo militante, um saber acumulado em manifestações e demais ações coletivas, bem como na vivência dos conflitos dentro do partido e entre os militantes de diversas tendências, ou entre os militantes de diversos partidos. O capital militante pode ser convertido para outros universos, mas Poupeau e Matonti (2004, p. 9), afirmam que ainda é necessário buscar conhecer as lógicas pelas quais o capital militante é aproveitado em outros âmbitos.
Poupeau e Matonti (2004, p. 4) mostram que o capital militante é obtido e valorizado no campo político. Os autores renunciam à visão idealista do militantismo como engajamento em partidos e movimentos coletivos motivados unicamente pela submissão a uma “causa”, seja ela a causa dos trabalhadores, dos sem-teto, dos ambientalistas, e observam que através da militância os militantes aprendem uma série de noções de como se movimentar dentro do espaço político.
6- Conclusão
Os partidos de esquerda, como é o caso do PT, costumam estar vinculados a movimentos de defesa das chamadas “minorias”, pelo seu caráter de defesa dos “oprimidos” e pela busca de ideais de justiça social. Grande parte dos militantes observados por Gaglietti (2003) e por Coradini (2002) teve experiências em movimentos sociais antes de adentrar na política partidária. Os recursos obtidos nesses espaços de socialização política puderam ser aproveitados na entrada no partido, e a participação nesses movimentos proporcionou uma espécie de iniciação no espaço político.
O capital militante obtido nessas experiências pode ser convertido em capital político. Ao adentrar na política partidária, aqueles que atuaram em movimentos coletivos muitas vezes dão um sentido de “missão” no exercício dos cargos conseguidos na administração pública. Eles também costumam instrumentalizar o seu capital escolar, e vinculam o conhecimento de diversas ciências com a utilização prática.
Os militantes costumam se passar por desinteressados. Entretanto, sabemos que o interesse rege as condutas dos agentes sociais, é ele o elemento que dá sentido às atitudes desses agentes. O interesse nem sempre está vinculados a fins econômicos, e em determinados casos pode almejar um lucro simbólico. Alguns militantes encontram lucros simbólicos na sua passagem por movimentos sociais, ou mesmo lucros econômicos. A submissão aos ideais de universalização oculta o lucro simbólico obtido com o reconhecimento na sociedade obtido pela dedicação à causa, bem como a ascensão na hierarquia partidária. Quanto mais radicais são os ideais humanitários do militante, mais requintados são os eufemismos dos ganhos obtidos através da sua militância.
O capital militante pode ser convertido em capital político na medida em que os recursos acumulados na militância são potencializados com a entrada no partido político. O domínio da linguagem própria do espaço político, e a habilidade de falar em público são alguns dos recursos obtidos nessas experiências. Além disso, a militância em movimentos sociais é um dos fatores de peso para a ascensão na hierarquia partidária.
Na medida em que os militantes adentram nas instituições públicas, a tendência é o distanciamento dos movimentos sociais e o maior apego à manutenção do aparelho político. Apesar de os movimentos sociais constituírem uma espécie de iniciação em direção à política partidária, quanto mais envolvidos se encontram os profissionais da política com a administração pública, tanto mais se afastam das antigas “causas” e se afastam dos movimentos coletivos.
Referências Bibliográficas
GAGLIETTI, Mauro. PT: ambivalências de uma militância. Porto Alegre, 2003.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. RJ: Bertrand Brasil, 1998, 2° ed.
BOURDIEU, Pierre. Espaço social e espaço simbólico. Conferência proferida na Universidade de Todai em outubro de 1989.
BOURDIEU, Pierre. É possível um ato desinteressado? In: Razões práticas para uma teoria da ação. Tradução: Mariza Corrêa.
MATONTI, Frédérique e POUPEAU, Franck. O capital militante: tentativa de definição. Tradução: Ernesto Seidl. In: Actes de la Recherche em Sciences Sociales, n. 155, 2004, p. 5-11.
CORADINI, O.L. Escolarização, militantismo e mecanismos de participação política. In: Como se fazem eleições no Brasil / organizadoras: Beatriz M. A. de Heredita, Carla Costa Teixeira, Irlys A. F. Barreira – Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.
Artigo produzido por Tatiana Hora Alves de Lima, graduanda em Jornalismo na Universidade Federal de Sergipe.
Governador do estado, secretário municipal de Educação, presidente da república. Antes de ocupar cargos que expressam capital político objetivado, muitos desses profissionais da política passaram pelos chamados movimentos sociais, sejam eles o Movimento Estudantil, o Movimento dos Sem Terra, entidades ligadas à Igreja Católica, sindicatos, associações de moradores, organizações não-governamentais, entre outros.
O presente artigo traz uma breve avaliação da relação entre a militância em movimentos coletivos e a obtenção de capital político. O prestígio conquistado por aqueles que militaram nesses movimentos costuma ocorrer nos partidos de esquerda, que têm uma maneira militantista de conceber a política, e apresentam certa proximidade com tais movimentos. Dessa forma, este trabalho traz as avaliações de Coradini e Gaglietti a respeito da socialização política dos militantes do Partido dos Trabalhadores (PT) em Porto Alegre.
Ambos os autores citados anteriormente são muito influenciados pela perspectiva de Bourdieu em seus estudos. O conceito de habitus, de que fala Bourdieu, será aplicado neste trabalho para ajudar na compreensão da relação entre militantismo e obtenção de capital político. Essa noção será fundamental para entender a forma como a passagem dos militantes por movimentos sociais contribui para o conhecimento a respeito das regras do jogo da política.
Novamente, Bourdieu foi de fundamental importância para compreender melhor a conduta dos militantes através da sua avaliação a respeito do interesse. Bourdieu dirime a visão encantada e ingênua a respeito do desinteresse dos militantes, que muitas vezes se apresentam ou são vistos como pessoas desinteressadas, pois seriam indivíduos comprometidos acima de tudo com a coletividade. A noção de lucro simbólico e as recompensas encontradas na sociedade para o “desinteresse”, de que trata Bourdieu, ajudam a construir uma perspectiva mais aprofundada a respeito das diversas motivações e recompensas da militância pela atuação em movimentos coletivos.
Se este trabalho apresenta as aproximações entre o campo político e o campo militante, é importante ressaltar também as distinções entre essas duas esferas, diferenças essas que contribuíram para a tentativa de definição de um conceito de capital militante, proposta por Frédérique Matonti e Franck Poupeau. Ao mesmo tempo em que se afastam, os capitais político e militante se aproximam na medida em que o capital militante pode ser convertido em capital político.
Se a entrada nos movimentos sociais pode estar relacionada à defesa de “causas” ligadas ao bem comum, nos movimentos coletivos também podem ser dados os primeiros passos de futuros prefeitos, governadores, entre outros, no sentido de acumular conhecimentos sobre como se movimentar no campo político. Através da militância em movimentos sociais, os profissionais da política podem tanto obter algum aprendizado necessário para serem bem sucedidos no jogo da política, como podem conseguir prestígio dentro da política partidária, em se tratando dos partidos de esquerda, que valorizam a participação em movimentos coletivos.
2- Primeiros passos na militância
Mauro Gaglietti (2003), em seu estudo sobre os militantes do Partido dos Trabalhadores da cidade de Porto Alegre, observa que a maior parte dos militantes do PT passa primeiro pelo engajamento em algum movimento coletivo para então adentrar na política partidária. Os dados apresentados por Gaglietti (2003, p. 88) apontam que 63% dos militantes começaram a atuar no PT quando estavam no Movimento Estudantil, 8.5% em sindicatos, e 23% nos movimentos de juventude ligados à Igreja Católica.
Percebe-se que a maioria dos militantes do PT iniciou a militância quando integrava o Movimento Estudantil. Gaglietti (2003, p.94) mostra que grande parte dos militantes estudou em instituições públicas, entidades onde o Movimento Estudantil é mais forte devido à influência dos discursos de esquerda de determinados professores e do contato que os estudantes têm com manifestações como a greve.
Segundo Coradini (2002, p. 109), a política partidária, para os militantes dos partidos de esquerda, nunca está desvinculada de outras esferas de militância, como as associadas ao Movimento Estudantil, sindicatos e movimentos apoiados por igrejas. Coradini (2002, p.114) mostra ainda que o baixo nível de escolaridade é compensando em alguns momentos pela atuação em movimentos sociais, como é o caso da responsável pelo Gabinete de Relações Comunitárias, uma ocupante de cargo do primeiro escalão sem curso superior, mas vasta experiência na “militância comunitária”. Já Gaglietti (2003, p.93) aponta que o baixo nível de escolaridade é compensando pelo capital político acumulado em movimentos sociais principalmente entre aqueles que participaram de organizações clandestinas de esquerda nas décadas de 60 e 70 e no início de 80.
Coradini (2002, p. 109) ressalta que a militância em movimentos sociais influencia a forma de os militantes do PT lidarem com a administração pública. Os militantes levam para sua atuação uma forma militantista de conceber a política, e instrumentalizam seus conhecimentos obtidos em instituições como a universidade. Eles aproveitam diversos valores defendidos por movimentos sociais, como “participação popular” e “gestão democrática”, como também utilizam de forma instrumental teorias das Ciências Sociais, do Direito, entre outros, para colocá-las a serviço da prática. Essa perspectiva militantista de ver a política dá um sentido de manifestada ideologização do trato das políticas públicas, indo para além da valorização da competência técnica e marcando a administração com um sentido de missão em busca de justiça social.
3 – “Desinteresse” e militantismo
Na definição de Gaglietti (2003, p. 138) a respeito dos padrões de militância, muitos militantes advindos dos movimentos sociais se enquadram em seu primeiro padrão, chamado de missão. De acordo com Gaglietti, esses militantes atribuem uma função messiânica à política, baseada na devoção a uma “causa” vinculada aos ideais socialistas e à Teologia da Libertação. Tais militantes eram influenciados pelas teorias marxistas e buscavam a construção de uma sociedade comunista, ou, no caso dos militantes cristãos, traçavam o vínculo entre o comunismo de Marx e os valores de amor ao próximo defendidos por Cristo. O exercício de um cargo por esses militantes é visto como uma oportunidade de contribuir para o bem coletivo, e não como uma forma de ascender na hierarquia política.
Dessa forma, muitos militantes podem parecer desinteressados no desempenho de suas funções. Entretanto, Bourdieu (1988, p.137) tem uma noção de interesse que vai para além das finalidades econômicas e que abarca os conceitos de lucro simbólico, capital simbólico, interesse simbólico. De acordo com o autor, a noção de interesse funciona como um instrumento de ruptura com a mistificação das condutas humanas. Ele afirma que os agentes sociais não realizam atos arbitrários e que não fazem sentido para as Ciências Sociais, mas suas ações são motivadas por interesses, manifestos ou não, estratégicos ou não.
“Ao introduzir a noção de capital simbólico (e de lucro simbólico), de certa maneira, radicalizamos o questionamento da visão ingênua: as ações mais santas – a ascese ou o devotamento mais extremos- poderão ser sempre suspeitas (e historicamente o foram, por certas formas extremas de rigorismo) de terem sido inspiradas pela busca do lucro simbólico de santidade ou de celebridade” (Bourdieu, 1988, p.150)
Bourdieu (1988, p.152) defende que o desinteresse acontece nos universos sociais onde ele é reconhecido, como é o caso do campo militante. Destarte, um ato aparentemente desinteressado pode trazer lucro simbólico para o agente social. No campo militante, em que a dedicação total à “causa”, e a submissão ao bem coletivo são vistos com bons olhos pelos demais agentes sociais, o militante obtém capital simbólico na sua dedicação aos valores de justiça social. Como afirma Bourdieu (1988, p. 153), a universalização apresenta seus lucros, já que em quaisquer sociedades a submissão ao bem comum é tida como conduta virtuosa.
Gaglietti (2003, p.127) mostra os fatores que influenciam na conquista de um cargo na administração pública, entre eles, o tempo de dedicação ao partido, a intensidade do engajamento, a fidelidade à legenda, a defesa das chamadas minorias, e, por último, a atuação em movimentos sociais. De acordo com o autor, os militantes mais ligados a esses movimentos coletivos têm mecanismo mais sofisticados para ocultar qualquer forma de interesse numa suposta compensação pela sua militância. Os militantes não costumam defender a sua nomeação para algum cargo, o que geralmente é feito por outro militante. Segundo Gaglietti (2003, p. 127), quanto maior é a influência dos ideais socialistas e da Teologia da Libertação sobre o militante, mais forte é a ocultação de possíveis interesses na obtenção de cargos ou na ascensão na hierarquia partidária.
4- As regras do jogo
“Com efeito, nada é menos natural do que o modo de pensamento e de ação que é exigido pela participação no campo político: como o habitus religioso, artístico ou científico, o habitus do político supõe uma preparação especial. É, em primeiro lugar, toda a aprendizagem necessária para adquirir o corpus de saberes específicos (teorias, problemáticas, conceitos, tradições históricas, dados econômicos, etc.) produzidos e acumulados pelo trabalho político dos profissionais do presente e do passado ou das capacidades mais gerais tais como o domínio de uma certa linguagem e de uma certa retórica política, a do tribuno, indispensável nas relações com os profanos, ou a do debater, necessária nas relações entre profissionais. (Bourdieu,1930, p. 169)
A política é descrita por Bourdieu como um jogo, e o bom jogador é aquele que conhece as regras do jogo. A noção de habitus descrita por Bourdieu (1988, p. 144) define que o habitus estrutura a percepção do universo em questão, bem como as formas de agir nesse universo. No campo político, o habitus abarca as competências cognitivas para compreensão desse mundo, constitui um conjunto de conhecimentos que permite interpretar os signos próprios do âmbito da política, bem como o sentido de como movimentar ‘as peças no tabuleiro’.
De acordo com Bourdieu (1989, p. 22), o habitus representa um conjunto de práticas distintivas de um determinado espaço social. As diferenças que tornam o espaço político um espaço diferente de outros espaços sociais formam uma linguagem, uma série de signos distintivos, de esquemas classificatórios e de categorias de percepção.
A leitura desses signos, o domínio da linguagem própria do espaço político e a incorporação dos seus princípios de di-visão do mundo social, são apreendidas inicialmente na militância em movimentos coletivos e, posteriormente, na militância na política partidária. O engajamento em movimentos sociais forneceu recursos importantes para os militantes, recursos esses que foram potencializados na sua entrada num partido político, como foi observado por Gaglietti (2003, p. 112). Os militantes observados por Gaglietti (2003, p. 105) adquiriram no movimento estudantil competências como a capacidade de falar bem em público, qualidade adquirida após participarem de diversas reuniões, assembléias, entre outros. O domínio de uma linguagem e de uma retórica política de que fala Bourdieu (1930, p. 169) pôde ser adquirido em parte nos espaços de socialização política encontrados em movimentos sociais.
As diversas experiências que os militantes têm nos movimentos coletivos contribuem tanto para lhes auferir prestígio junto aos demais militantes do PT, como foi observado nos estudos de Gaglietti (2003) e Coradini (2002), como oferecem recursos para incorporação do habitus da política pelos militantes. A militância em movimentos sociais é um dos fatores levados em conta para a obtenção de cargos na administração pública.
De acordo com Bourdieu (1930, p. 195), quanto mais o capital político se institucionaliza, tanto mais os militantes se distanciam da “causa” e se infiltram na busca por clientes, ou eleitores, e se engajam na conquista do aparelho, que pode lhes oferecer um retorno material ou simbólico. Dessa forma, quanto mais o capital político se institucionaliza, quanto mais postos os militantes de um determinado partido ocupam na administração pública, maior é a dedicação à reprodução do aparelho. Com a entrada no partido e o contato com a máquina pública, os militantes costumam se afastar dos movimentos sociais, como mostra Gaglietti (2003, p. 91), ao afirmar que 85% dos seus entrevistados que ocupam cargos na administração pública não participam de movimentos sociais, sendo que 94,5% deles iniciaram a militância quando pertenciam a movimentos coletivos.
5- Capital militante e capital político
Apesar da aproximação entre os movimentos coletivos e a política partidária, e as formas de conversão da experiência em movimentos sociais em capital político, é importante traçar os limites entre capital militante e capital político. Frédérique Matonti e Franck Poupeau (2004) formularam uma tentativa de definição de capital militante por entenderam que este é um universo do qual o conceito de capital político não dá conta. De acordo com Frédérique Matonti e Franck Poupeau (2004, p. 4), o capital político funda-se na crença que um grupo dedica a uma pessoa socialmente designada, e é baseado numa espécie de fetichismo político através do qual o grupo se identifica e se reconhece na autoridade do portador do capital político. Já o capital militante é muito instável.
“Portanto, o capital militante distingue-se do capital político, o qual é em larga medida um capital de função nascido da autoridade reconhecida pelo grupo e, por essa razão, ‘instável’, incorporado sob forma de técnicas, de saberes e savoir-faire mobilizáveis em ações coletivas, lutas inter ou intra-partidárias, mas também exportáveis, conversíveis em outros universos, portanto, suscetíveis de facilitar certas ‘reconversões’” (Matonti e Poupeau, 2004, p.5)
O que diferencia, essencialmente, o capital militante do capital político é o fetichismo que envolve o capital político e a forma como ele é mais unificado e vinculado à crença na autoridade de uma pessoa socialmente designada e na autoridade da instituição, o partido, a que essa pessoa pertence. O capital militante é mais descentrado, e apresenta um aprendizado de técnicas, de um habitus, propriamente do campo militante, um saber acumulado em manifestações e demais ações coletivas, bem como na vivência dos conflitos dentro do partido e entre os militantes de diversas tendências, ou entre os militantes de diversos partidos. O capital militante pode ser convertido para outros universos, mas Poupeau e Matonti (2004, p. 9), afirmam que ainda é necessário buscar conhecer as lógicas pelas quais o capital militante é aproveitado em outros âmbitos.
Poupeau e Matonti (2004, p. 4) mostram que o capital militante é obtido e valorizado no campo político. Os autores renunciam à visão idealista do militantismo como engajamento em partidos e movimentos coletivos motivados unicamente pela submissão a uma “causa”, seja ela a causa dos trabalhadores, dos sem-teto, dos ambientalistas, e observam que através da militância os militantes aprendem uma série de noções de como se movimentar dentro do espaço político.
6- Conclusão
Os partidos de esquerda, como é o caso do PT, costumam estar vinculados a movimentos de defesa das chamadas “minorias”, pelo seu caráter de defesa dos “oprimidos” e pela busca de ideais de justiça social. Grande parte dos militantes observados por Gaglietti (2003) e por Coradini (2002) teve experiências em movimentos sociais antes de adentrar na política partidária. Os recursos obtidos nesses espaços de socialização política puderam ser aproveitados na entrada no partido, e a participação nesses movimentos proporcionou uma espécie de iniciação no espaço político.
O capital militante obtido nessas experiências pode ser convertido em capital político. Ao adentrar na política partidária, aqueles que atuaram em movimentos coletivos muitas vezes dão um sentido de “missão” no exercício dos cargos conseguidos na administração pública. Eles também costumam instrumentalizar o seu capital escolar, e vinculam o conhecimento de diversas ciências com a utilização prática.
Os militantes costumam se passar por desinteressados. Entretanto, sabemos que o interesse rege as condutas dos agentes sociais, é ele o elemento que dá sentido às atitudes desses agentes. O interesse nem sempre está vinculados a fins econômicos, e em determinados casos pode almejar um lucro simbólico. Alguns militantes encontram lucros simbólicos na sua passagem por movimentos sociais, ou mesmo lucros econômicos. A submissão aos ideais de universalização oculta o lucro simbólico obtido com o reconhecimento na sociedade obtido pela dedicação à causa, bem como a ascensão na hierarquia partidária. Quanto mais radicais são os ideais humanitários do militante, mais requintados são os eufemismos dos ganhos obtidos através da sua militância.
O capital militante pode ser convertido em capital político na medida em que os recursos acumulados na militância são potencializados com a entrada no partido político. O domínio da linguagem própria do espaço político, e a habilidade de falar em público são alguns dos recursos obtidos nessas experiências. Além disso, a militância em movimentos sociais é um dos fatores de peso para a ascensão na hierarquia partidária.
Na medida em que os militantes adentram nas instituições públicas, a tendência é o distanciamento dos movimentos sociais e o maior apego à manutenção do aparelho político. Apesar de os movimentos sociais constituírem uma espécie de iniciação em direção à política partidária, quanto mais envolvidos se encontram os profissionais da política com a administração pública, tanto mais se afastam das antigas “causas” e se afastam dos movimentos coletivos.
Referências Bibliográficas
GAGLIETTI, Mauro. PT: ambivalências de uma militância. Porto Alegre, 2003.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. RJ: Bertrand Brasil, 1998, 2° ed.
BOURDIEU, Pierre. Espaço social e espaço simbólico. Conferência proferida na Universidade de Todai em outubro de 1989.
BOURDIEU, Pierre. É possível um ato desinteressado? In: Razões práticas para uma teoria da ação. Tradução: Mariza Corrêa.
MATONTI, Frédérique e POUPEAU, Franck. O capital militante: tentativa de definição. Tradução: Ernesto Seidl. In: Actes de la Recherche em Sciences Sociales, n. 155, 2004, p. 5-11.
CORADINI, O.L. Escolarização, militantismo e mecanismos de participação política. In: Como se fazem eleições no Brasil / organizadoras: Beatriz M. A. de Heredita, Carla Costa Teixeira, Irlys A. F. Barreira – Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.
Artigo produzido por Tatiana Hora Alves de Lima, graduanda em Jornalismo na Universidade Federal de Sergipe.
sábado, outubro 13, 2007
Depois de alguns amores
De encontros e desencontros
Adiquiriu certa paranóia conceitual, linguística
Implicância patológica com terminologias
Palavras como amor, paixão, agora tinham uma nova significação
Dizia que paixão era uma ilusão, o amor uma invenção
- coisa criada por aqueles que fazem o cinema-
Mas não seria amor apenas uma palavra?
Palavra no lugar do medo
O medo no lugar da dor
- já dizia o Chico-
A dor no lugar do amor
O amor que parece nunca ter existido
E a palavra fica assim, vazia de sentido.
De encontros e desencontros
Adiquiriu certa paranóia conceitual, linguística
Implicância patológica com terminologias
Palavras como amor, paixão, agora tinham uma nova significação
Dizia que paixão era uma ilusão, o amor uma invenção
- coisa criada por aqueles que fazem o cinema-
Mas não seria amor apenas uma palavra?
Palavra no lugar do medo
O medo no lugar da dor
- já dizia o Chico-
A dor no lugar do amor
O amor que parece nunca ter existido
E a palavra fica assim, vazia de sentido.
quarta-feira, outubro 10, 2007
terça-feira, outubro 09, 2007
Pânico de semi-conhecidos
Há pessoas com as quais eu até vou com a cara, mas evito falar. Não, um semi-conhecido é sempre uma tortura psicológica pra mim. Pode parecer uma atitude esnobe da minha parte, mas a verdade é que não gosto de parar pra falar na rua com quem mal conheço. Sabe aquela pessoa, amigo de um amigo meu, Fulano que vi tal dia naquela festa, etc etc. Eu fico nervosa, olho pro lado, desvio o caminho, finjo que não vi. Tudo isso pra não ter que falar "oi, tudo bem?", nem dar tchauzinho, nem conversar sobre o tempo.
Homens de preto
Muito ouvir falar no curso de inglês, no trabalho, na faculdade sobre o aclamado Tropa de elite, que apesar de ainda nem ter estreado no cinema, já foi visto por muita, mas muita gente. Tanto falaram, mas tanto falaram, que acabei vendo o filme por acaso na casa de uma amiga, quando eu ia apenas visitá-la e falar um pouco da vida. Mas foi uma boa surpresa: um filme é fantástico, certamente um dos melhores filmes brasileiros que já vi, junto com Amarelo Manga e O cheiro do ralo. Aliás, esses filmes estão incluídos na minha lista de filmes favoritos, mas vamos à Tropa de elite.
O que mais me chamou a atenção no filme foi a forma como ele fala do tráfico. Esse foi o grande mérito. Se os filmes costumam sempre mostrar os traficantes que eram meninos pobres versus os policiais filhos da puta que entram na favela atirando, dessa vez a perspectiva mostrada é a do policial fudido, que tem medo de morrer, que tem família, e tem que subir num morro correndo risco de vida e ainda ganha um salário de fome no fim do mês.
Resultado: toda obra é pemeada pela perspectiva do policial, e ouvimos pérolas do tipo Ricos com consciência social não conseguem entender que guerra é guerra, Homem de preto qual é sua missão? Entrar pela favela e deixar corpo no chão!, ainda assitimos a uma cena em que um policial mata um traficante, para então perguntar ao estudante maconheiro:
- Quem foi que matou ele? Me diga, quem matou esse cara?
- Eu não sei, eu não vi...
- Me diga, porra, quem matou ele?
- Você.
- Eu? Eu? Quem matou foi VOCÊ. Seu maconheiro, viado, maconheiro, viado!!!!
É. De cara, eu achei o filme reacionário, afinal, parece que a violência na favela não tem jeito, e estamos numa guerra e acabou-se, e a culpa do mundo ser uma merda é de quem fuma um baseado. Mas pense bem: o filme é na perspectiva de um policial. E se você fosse um policial fudido que tem família, tem medo de morrer, e sobe num morro correndo risco de vida para ainda ganhar um salário de fome no fim do mês, certamente você pensaria numa coisa: traficante é bandido e merece morrer, e estudante maconheiro é filhinho de papai filho da puta que merece tomar uma surra.
Pra mim foi justamente por Tropa de elite não tentar ensinar o politicamente correto, mas sim mostrar o olhar do policial que entre "ser negligente, corrupto ou ir pra guerra, escolheu ir pra guerra". O filme conta uma história em que Capitão Nascimento, Mathias e Neto tentam lutar contra a corrupção da Polícia, e não conseguem porque há toda uma estrutra enraizada na falta de ética e nas relações de poder. Tropa de elite, ao invés de achar culpados e falar de bandidos e mocinhos, faz a gente pensar sobre as regras do jogo. E elas precisam ser modificadas.
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