Eu nunca tinha reparado em outros significados desta canção religiosa até que meu irmão me fez abrir os olhos, digo, aguçar os ouvidos...
"Vinde, assentai-vos à mesa
Corpo e sangue vos dou
Quero ver meu fogo arder..."
domingo, dezembro 31, 2006
quarta-feira, dezembro 27, 2006
Minha avó costura os segundos
que vão passando, passando...
Até que um pedaço da vida
transmuta-se em toalha de mesa
Ela reza o tempo
Com suas mãos envelhecidas,
Vovó segura o terço que segura as horas, as orações
que conta as horas, as orações
um pai-nosso
dez ave-marias
um pai-nosso
dez ave-marias
um pai-nosso
dez ave-marias
um pai-nosso
dez ave-marias
um pai nosso
dez ave-marias
que vão passando, passando...
Até que um pedaço da vida
transmuta-se em toalha de mesa
Ela reza o tempo
Com suas mãos envelhecidas,
Vovó segura o terço que segura as horas, as orações
que conta as horas, as orações
um pai-nosso
dez ave-marias
um pai-nosso
dez ave-marias
um pai-nosso
dez ave-marias
um pai-nosso
dez ave-marias
um pai nosso
dez ave-marias
segunda-feira, dezembro 25, 2006
Então é natal, e o que você fez? O ano termina e nasce outra vez...
Não tem coisa pior do que passar a virada do ano com a família. Tenho péssimas recordações disso. Quando eu era guria, minha avó me obrigava a ir à uma maldita missa justamente na hora em que tava todo mundo bêbado e pulando ondinhas no mar. Eu ficava sentada ouvindo um padre imbecil que cantava mal pra caramba e falava durante três, eu disse três horas! Depois ia pra casa e comia arroz com frango, e dormia. Fora isso, eu já passei a virada do ano vendo Faustão e até dormindo! Alguém é mais loser do que eu aí? Tem condição não. Bom, hoje em dia vou à praia, e ó céus, ano passado teve show de Simone lá. Eu não aguento mais a Simone, que vão pro inferno todas as pessoas que têm aquele cd dela do natal!
domingo, dezembro 24, 2006
O bosque
Cara, eu adoro caminhar em parquinhos. Eu sei que isso é bobo, mas eu fico viajando que estou no meio da mais pura natureza, quando na verdade é só um parquinho. Eu gosto de caminhar no Parque da Sementeira, principalmente de passar por uma trilha. Andar em trilhas ouvindo o pé roçar a areia cheia de pedras é muito bacana. E no começo dessa trilha tem uma placa dizendo "Bosque". É só um caminho que passa entre pequenas árvores no parque, mas pra mim aquilo ali é um bosque.
sábado, dezembro 23, 2006
Intelectual de cult é rola
Muita gente me chama de pimba. Não é coisa que me incomode, na verdade, eu até zombo bastante disso e me auto-declaro pimba. Não que eu já tenha humilhado alguém, não que eu me ache mais inteligente do que os outros, não que eu já tenha dito que li algo sem ter lido, não que eu ande com livro debaixo do braço, mas pelo simples fato de eu gostar de ler e adorar filmes (dos mais variados tipos, e não somente os "de arte"), me chamam de pimba. Pois é, o país tem altos índices de analfabetismo, e se você gosta de ler ou você é intelectual ou você quer bancar um. Você não pode gostar de ler porque gosta, afinal, dizem por aí que ler é coisa muito chata.
Não acho. Como também não vejo problema em alguém não gostar de ler. Conheço muuuuitas pessoas extremamente inteligentes que dormem só de ver letrinhas em uma página. Ler é questão de gosto.
Tem gente que prefere colocar em prática coisas muito legais a ficar sentado numa cadeira diante de um livro, tem gente que adora números, tem gente que toca violão pra caramba. Não é preciso, é óbvio, gostar de literatura pra ser inteligente. E digo mais: gosto é que nem cu.
Mas tem gente que vive se incomodando com o cu dos outros e falando mal de quem é pimba, e blá blá blá. Falar mal é algo legítimo na minha opinião, eu falo, tu falas, eles falam. Mangar, blefar são uma arte. E quem se importa tá fudido, a vero.
O problema é que ódio puro é puro amor. Quem se preocupa demais com determinados grupos, tenho essa impressão, geralmente nutre alguma admiração reprimida. Do tipo, altos gays são homofóbicos, assim como muita gente que odeia pimba teve tentativas frustradas de ler certos livros e por isso, acreditem, existem pessoas idiotas o suficiente para invejar pimbas! Deus é mais!
Muitas pessoas que eu vi esculhambando pimbas revelaram um certo complexo de inferioridade. Já vi gente que vivia me chamando de pimba perguntar coisas pra mim como se eu tivesse a obrigação de saber, como se eu fosse mais inteligente. Vasculhando minhas notas e exigindo que eu tirasse as maiores da classe, que eu fosse a maioral.Dizendo que eram incapazes de fazer um mestrado porque não liam coisinhas "cult" (argh! odeio essa palavra!). Mas não li tanta coisa assim. E eu me pergunto, puta que pariu, o que tem a ver?
Pois então. Adoro quem faz gozação pelo livre exercício do sarcasmo, quem não leva muita coisa a sério e não tá nem aí pra porra nenhuma. Eu falo mal de pimbas com pessoas que me chamam de pimbas e eu as chamo de pimbas, e somos felizes eternamente. Agora se você tentou ler aquele livro e não conseguiu e odeia quem lê, porra, você é paia pra caralho!
Não acho. Como também não vejo problema em alguém não gostar de ler. Conheço muuuuitas pessoas extremamente inteligentes que dormem só de ver letrinhas em uma página. Ler é questão de gosto.
Tem gente que prefere colocar em prática coisas muito legais a ficar sentado numa cadeira diante de um livro, tem gente que adora números, tem gente que toca violão pra caramba. Não é preciso, é óbvio, gostar de literatura pra ser inteligente. E digo mais: gosto é que nem cu.
Mas tem gente que vive se incomodando com o cu dos outros e falando mal de quem é pimba, e blá blá blá. Falar mal é algo legítimo na minha opinião, eu falo, tu falas, eles falam. Mangar, blefar são uma arte. E quem se importa tá fudido, a vero.
O problema é que ódio puro é puro amor. Quem se preocupa demais com determinados grupos, tenho essa impressão, geralmente nutre alguma admiração reprimida. Do tipo, altos gays são homofóbicos, assim como muita gente que odeia pimba teve tentativas frustradas de ler certos livros e por isso, acreditem, existem pessoas idiotas o suficiente para invejar pimbas! Deus é mais!
Muitas pessoas que eu vi esculhambando pimbas revelaram um certo complexo de inferioridade. Já vi gente que vivia me chamando de pimba perguntar coisas pra mim como se eu tivesse a obrigação de saber, como se eu fosse mais inteligente. Vasculhando minhas notas e exigindo que eu tirasse as maiores da classe, que eu fosse a maioral.Dizendo que eram incapazes de fazer um mestrado porque não liam coisinhas "cult" (argh! odeio essa palavra!). Mas não li tanta coisa assim. E eu me pergunto, puta que pariu, o que tem a ver?
Pois então. Adoro quem faz gozação pelo livre exercício do sarcasmo, quem não leva muita coisa a sério e não tá nem aí pra porra nenhuma. Eu falo mal de pimbas com pessoas que me chamam de pimbas e eu as chamo de pimbas, e somos felizes eternamente. Agora se você tentou ler aquele livro e não conseguiu e odeia quem lê, porra, você é paia pra caralho!
sexta-feira, dezembro 22, 2006
segunda-feira, dezembro 18, 2006
Amor é questão de costume
Aí de repente você percebe que o amor não nasce do nada,
nem nos toma de sobressalto sem nos permitir defesa.
Ele não é místico, transcendental, ele é construído.
Então gente vê que poderia amar sei lá quantas pessoas nesse mundo,
e não apenas nosso marido,
nosso namorado,
aquele ou aquela a quem acreditamos todo o amor de uma vida inteira
O amor poderia ser dedicado a qualquer outra pessoa a quem a gente apenas...
se acostumasse!
Amor é questão de costume
E tudo depende da nossa vontade,
Porque a gente só ama quando quer amar
Afinal, amar é uma decisão, e uma decisão de quem sente falta.
nem nos toma de sobressalto sem nos permitir defesa.
Ele não é místico, transcendental, ele é construído.
Então gente vê que poderia amar sei lá quantas pessoas nesse mundo,
e não apenas nosso marido,
nosso namorado,
aquele ou aquela a quem acreditamos todo o amor de uma vida inteira
O amor poderia ser dedicado a qualquer outra pessoa a quem a gente apenas...
se acostumasse!
Amor é questão de costume
E tudo depende da nossa vontade,
Porque a gente só ama quando quer amar
Afinal, amar é uma decisão, e uma decisão de quem sente falta.
sábado, dezembro 16, 2006
É claro que ele é!
Dona A. é uma típica vizinha. Ela pede sal quando tá faltando na sua casa, e oferece sopa quando acha que sua comida está muito gostosa. É uma velhinha muito magra e de pequena estatura que adora ir à igreja, sempre passa por mim cheia de compras de supermercado, e vez por outra faz um curso de artesanato. Uma velhinha feliz. Mas Dona A. não chamaria a atenção de ninguém não fosse o fato de ter dois filhos travestis, que atraem os olhos nas ruas com seus peitos siliconados como ímãs, e que escutam Madonna no máximo volume.
Os dois moram na Espanha e são endinheirados. São tranformistas por lá, e na Espanha dá pra ganhar muito, mas muito dinheiro com isso. Têm um carinho enorme pela mãe, telefonam, querem saber como ela tá, do que precisa, e quando estão aqui em Aracaju fazem questão de enchê-la de regalias. Compram móveis caros, decoram o apartamento para deixá-lo cada vez mais luxuoso.
Mas Dona A. seria uma satisfeita mãe de filhos gays não fosse a estranheza de certos comentários. Certa vez, minha mãe estava assistindo à novela na casa dela, quando ela se mostrou indignada com um personagem gay.
- Que coisa! Onde já se viu ein! Coitada dessa moça, ela não tá vendo que ele gay?! Virgem Minha Nossa Senhora, essa televisão de hoje né? É tão triste uma mãe ter um filho gay!
Minha mãe disse que ficou impressionada com a forma como ela falava de homossexuais como se fosse algo distante da realidade dela. Comentava com aquele típico puritanismo de dona-de-casa conservadora, reafirmava valores que, na verdade, no seu lar não faziam o mínimo sentido.
Talvez fosse uma forma de não ficar envergonhada diante das amigas, apesar de não haver vergonha nenhuma em ter um, digo, dois filhos gays. Já minha mãe acha que quem sabe ela não mente pra si mesma até hoje e acha que dois marmanjos siliconados que usam plumas e adoram Madonna não são gays.
Os dois moram na Espanha e são endinheirados. São tranformistas por lá, e na Espanha dá pra ganhar muito, mas muito dinheiro com isso. Têm um carinho enorme pela mãe, telefonam, querem saber como ela tá, do que precisa, e quando estão aqui em Aracaju fazem questão de enchê-la de regalias. Compram móveis caros, decoram o apartamento para deixá-lo cada vez mais luxuoso.
Mas Dona A. seria uma satisfeita mãe de filhos gays não fosse a estranheza de certos comentários. Certa vez, minha mãe estava assistindo à novela na casa dela, quando ela se mostrou indignada com um personagem gay.
- Que coisa! Onde já se viu ein! Coitada dessa moça, ela não tá vendo que ele gay?! Virgem Minha Nossa Senhora, essa televisão de hoje né? É tão triste uma mãe ter um filho gay!
Minha mãe disse que ficou impressionada com a forma como ela falava de homossexuais como se fosse algo distante da realidade dela. Comentava com aquele típico puritanismo de dona-de-casa conservadora, reafirmava valores que, na verdade, no seu lar não faziam o mínimo sentido.
Talvez fosse uma forma de não ficar envergonhada diante das amigas, apesar de não haver vergonha nenhuma em ter um, digo, dois filhos gays. Já minha mãe acha que quem sabe ela não mente pra si mesma até hoje e acha que dois marmanjos siliconados que usam plumas e adoram Madonna não são gays.
quinta-feira, dezembro 14, 2006
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
(...)E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)(...)
Trecho do poema Tabacaria, de Álvaro de Campos
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
(...)E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)(...)
Trecho do poema Tabacaria, de Álvaro de Campos
quarta-feira, dezembro 13, 2006
Todo medicamento deve ser mantido fora do alcance das crianças
Quem nunca fez bico, birrou, teimou, mas não acatou a posição da mãe, da professora, etc? Pois é, eu também. Só que agora alguns psicólogos dão nome pra isso, um tal de Transtorno de Conduta e o Distúrbio de Déficit de Atenção.
O Transtorno de Conduta se refere aos problemas com autoridade, no caso, crianças que não lidam bem com ordens e regras. Já o Distúrbio de Déficit de Atenção ocorre em crianças hiperativas, que não conseguem ficar paradas, são impulsivas, explosivas, e com dificuldades de concentração. Dizem os especialistas que um transtorno está relacionado ao outro, pois as crianças com DDA têm dificuldades no âmbito das relações sociais, são continuamente rejeitadas, e acabam por desafiar ordens como uma forma de chamar a atenção.
Pais levam essas tais crianças "neuróticas" para os consultórios de psiquiatras e psicólogos e adivinha o que acontece? Eles passam anti-depressivos e obrigam a criança a ir toda semana ao divã para falar de suas "angústias existenciais".
Agora, eu me pergunto pra quê tanta doença. Dizem quem tá se dando bem com isso são as indústrias farmacêuticas. É tanto transtorno de qualquer coisa, que daqui um dia as prateleiras das farmácias vão ficar pertinho do chão no meio do supermercado pras crianças pedirem à mãe seu anti-depressivo, assim como fazem com brinquedos. Exagero, eu sei, mas com tanto guri tomando remédio punk por quê diabos ainda existe aquele aviso na embalagem "Todo medicamento deve ser mantido fora do alcance das crianças"?
Coitadas das crianças! No mundo civilizado o que não faltam são normas, proibições, punições. Se elas não conseguem ficar sentadas decorando a tabuada em plena flor da idade, quando querem coisas interessantes e precisam de um aprendizado mais interativo, elas são doidas. Se elas ficam putas da vida de ter que ir pra escola onde desde o maternal escutam falar de vestibular, elas são doidas. São malucas e tristes, pobres coitadas!
Acabou-se a palmatória, mas agora elas são carinhosamente chamadas de sociopatas e engolem comprimidos que as deixam eufóricas e sonolentas todos os dias. E viva a (pós?)- modernidade!
sexta-feira, dezembro 08, 2006
O tempo
Estava de manhãzinha tirando fotos com meus colegas no Mercado para a disciplina Fotografia e Iluminação, quando encontrei um senhor vendendo revistinhas de literatura de cordel, um homem muito conversador, cheios de histórias encantadas pra contar, um tal de João Firmino Cabral. Decidi comprar algumas revistinhas, uma delas, Os sofrimentos de Célia, de Manoel Pereira Sobrinho, e gostei muito muito desta frase:
O tempo é a fita trágica
Do cinema da matéria.
O tempo é a fita trágica
Do cinema da matéria.
terça-feira, dezembro 05, 2006
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
No pátio da escola, antes repleto de crianças correndo em todas as direções, mas que haviam sido levadas pelos carros dos pais, eu aguardava ansiosamente pela chegada da minha mãe, pois sentia fome e já passava de meio-dia. Às vezes chorava quando ela demorava demais com medo de ela me deixar na escola e nunca mais voltar. Aos seis anos, eu era uma bolinha, e só pensava em comer e brincar de Barbie. Quando minha mãe chegou, apontei para minha colega e disse:
- Veja só, mãe, ah, como eu queria ser como ela.
- Pra quê, minha filha? Você é tão bonita.
- Não, ela sim é bonita. Ela é loira. Eu queria ser loira.
Às vezes eu ficava me auscultando no espelho e desejava que meus cabelos fossem amarelos, meus olhos, azuis. Queria tirar aquela negritude dos meus aspectos, queria que meu nariz fosse empinadinho, que meus lábios fossem finos. Eu me achava feia porque precisava ser mais branca, e arrancar de mim toda aquela mestiçagem. Queria ser como as bonecas e as atrizes da TV.
De minha avó recebia elogios por ser branca. Ela dizia que suspirou de alívio ao me ver recém-nascida nos braços de minha mãe. Deus me livre você nascer preta, dizia ela. Vovó mora nos confis do sertão de Sergipe, é descendente de índios e tem marido negro. Mas ela queria que eu puxasse ao outro lado da família, o lado da minha mãe, dos brancos.
Certa vez, ela veio me visitar depois de anos sem me ver. Chorou tanto, que cambaleava sem aguentar tamanha emoção. Queria-me assim, crescida e estudando na Universidade, distante das plantações, da seca, do sol que aperta os olhos de quem olha pro céu.
E ao me ver brincar com uma menina de cabelos encaracolados, uma prima que ela levara para me apresentar, vovó pediu para a menina ficar quieta. Disse que ela, diferente de mim, era pretinha, e pediu para a doce mocinha dos cabelos encaracolados parar de me incomodar. A menina mergulhou nos braços dela, e depois correu e foi brincar com meus irmãos, que corriam e gritavam, como livres, pela casa. E não adiantava minha mãe reclamar do barulho e que a roupa ia ficar suja.
Percebi, então, que os cabelos daquela menina lembravam os cabelos que eu tinha na infância. Logo ao vê-la andetrar na sala, reparei feito boba nos cachinhos e tive saudade dos meus caracóis. Como eu adorava meus caracóis e brincava com eles! Eles eram feitos pelo carinho da minha mãe, que enrolva meus cabelos com uma escova até formar os meus queridos cachinhos.
Isso foi engraçado. A menina que queria ser loira dos olhos azuis, vivia pedindo à mãe para fazer cachos nos seus cabelos. O que me chamou a atenção, o que me fez ter certo carinho por aquela mocinha, foram seus caracóis moldados pela sua negritude. Os caracóis que eu tanto cantava na infância, debaixo dos caracóis dos seus cabelos, uma história pra contar, de um mundo tão distante! E ela corria com meus irmãos pela casa, e ali não havia nem negro nem branco, nem raça alguma. Só havia gente, bichos até.
- Veja só, mãe, ah, como eu queria ser como ela.
- Pra quê, minha filha? Você é tão bonita.
- Não, ela sim é bonita. Ela é loira. Eu queria ser loira.
Às vezes eu ficava me auscultando no espelho e desejava que meus cabelos fossem amarelos, meus olhos, azuis. Queria tirar aquela negritude dos meus aspectos, queria que meu nariz fosse empinadinho, que meus lábios fossem finos. Eu me achava feia porque precisava ser mais branca, e arrancar de mim toda aquela mestiçagem. Queria ser como as bonecas e as atrizes da TV.
De minha avó recebia elogios por ser branca. Ela dizia que suspirou de alívio ao me ver recém-nascida nos braços de minha mãe. Deus me livre você nascer preta, dizia ela. Vovó mora nos confis do sertão de Sergipe, é descendente de índios e tem marido negro. Mas ela queria que eu puxasse ao outro lado da família, o lado da minha mãe, dos brancos.
Certa vez, ela veio me visitar depois de anos sem me ver. Chorou tanto, que cambaleava sem aguentar tamanha emoção. Queria-me assim, crescida e estudando na Universidade, distante das plantações, da seca, do sol que aperta os olhos de quem olha pro céu.
E ao me ver brincar com uma menina de cabelos encaracolados, uma prima que ela levara para me apresentar, vovó pediu para a menina ficar quieta. Disse que ela, diferente de mim, era pretinha, e pediu para a doce mocinha dos cabelos encaracolados parar de me incomodar. A menina mergulhou nos braços dela, e depois correu e foi brincar com meus irmãos, que corriam e gritavam, como livres, pela casa. E não adiantava minha mãe reclamar do barulho e que a roupa ia ficar suja.
Percebi, então, que os cabelos daquela menina lembravam os cabelos que eu tinha na infância. Logo ao vê-la andetrar na sala, reparei feito boba nos cachinhos e tive saudade dos meus caracóis. Como eu adorava meus caracóis e brincava com eles! Eles eram feitos pelo carinho da minha mãe, que enrolva meus cabelos com uma escova até formar os meus queridos cachinhos.
Isso foi engraçado. A menina que queria ser loira dos olhos azuis, vivia pedindo à mãe para fazer cachos nos seus cabelos. O que me chamou a atenção, o que me fez ter certo carinho por aquela mocinha, foram seus caracóis moldados pela sua negritude. Os caracóis que eu tanto cantava na infância, debaixo dos caracóis dos seus cabelos, uma história pra contar, de um mundo tão distante! E ela corria com meus irmãos pela casa, e ali não havia nem negro nem branco, nem raça alguma. Só havia gente, bichos até.
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