segunda-feira, junho 26, 2006

Impressões de um filme


Um condenado à morte escapou, Robert Bresson, 1956

Os guardas de uma prisão na França durante a ocupação nazista avisam que irão recolher os lápis dos prisioneiros, pois eles estariam usando-os para se comunicar através de bilhetes. Durante todo o tempo, eles tentam manter os prisioneiros afastados.

Fountaine é um tenente da guarnição francesa, e recebe o aviso de um colega: Você é o único que pensa em escapar, veja esses muros, é impossível fugir daqui. Mas Fountaine não desiste, e está sempre tentando se comunicar com os prisioneiros para falar de liberdade.

Às vezes Fountaine escutava tiros e acreditava que um de seus colegas havia sido executado. Em alguns casos ele errava, e de uma hora para outra um companheiro seu nos surgia, e outras vezes ele acertava, e as imagens não nos davam explicações. Bresson nos deixa assim como Fountaine, que em determinado momento do filme diz, alguns desaparecem do nada, outros surgem do nada.

A prisão não comporta mais tantos prisioneiros, e alguns são aglomerados em dupla numa única cela. Não lembravam os opressores que aqueles homens deviam ser mantidos distantes uns dos outros?

No dia em que Fountaine recebe sua sentença de morte, Jost chega à sua cela. Fountaine o vê conversando com um dos guardas, e avisa a Jost que não é possível servir a dois mestres, e ele não deveria ficar do lado dos nazistas em troca de favores, pois no fim de tudo eles iriam perder. Fountaine se pergunta se deveria matá-lo para poder escapar, se Jost não seria um traidor. Mas aos poucos vai formando um laço com o menino de apenas 16 anos, que queria tanto voltar pra sua mãe e sua irmã. Assim como Fountaine, quando enquanto labora a corda com a qual vai fugir, percebe aqueles nós semelhantes às tranças que sua mãe fazia em sua irmã.

Fountaine e Jost se unem para tentar fugir, e cada passo dos dois é acompanhado pela nossa ânsia, mesmo que Bresson já nos tenha avisado de que Um condenado à morte escapou. E Bresson quer nos deixar claro de que o mais importante ali não é o suspense. Nós acompanhamos os passos de ambos pelos ruídos de seus pés sobre as pedras onde pisavam com todo o cuidado para não chamar a atenção dos guardas, ouvimos apitos, e Bresson prefere a sinfonia dos ruídos de uma realidade árdua à música extra diegética.

Alguns afirmam a extrema religiosidade de Bresson em seus filmes guiados pelo jansenismo, e que alguns de seus personagens são redimidos pelo amor, como em Pickpocket(1959). Apesar da influência da religiosidade do autor, não a vejo como um elemento central da obra. Bresson está muito mais para uma base materialista, há uma enorme perspicácia no seu tratamento das relações sociais. Em Um condenado à morte escapou, Bresson tece a consubstancialização entre Jost e Fountaine ( em Au hasard Balthazar(1966), Marie e o burrinho Balthazar também são consubstanciais), e há construção de laços entre os dois, mas Bresson não trata de redenção pelo amor. Ele nos fala de conflitos de classe, e da importância da união de uma classe em prol de uma insurreição.

Após pular os muros da prisão, Jost diz: Ah, como minha mãe iria se orgulhar de mim nessa hora! Os personagens de Bresson se conduzem para a ascese, ele que via o filme como um ritual sacro. Jost e Fountaine não podem correr, eles não nos parecem tão livres caminhando com medo das pedras e dos pés para fazer silêncio, pois a qualquer instante os guardas poderiam apanhá-los.

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