domingo, março 19, 2006

Na estrada

Então essa é a estrada. As árvores dançam a música, sem lenço sem documento, nada no bolso ou nas mãos, eu quero seguir vivendo. Não podia ficar olhando a estrada, depois de um tempo começava a ter vertigens, às vezes descia do carro esperando o vômito, mas nada. Tudo sempre ficou nas sensações. Rasgava com as pequenas roídas unhas o limão, e cheirava porque a avó dizia que o odor do limão fazia parar as náuseas. Não olhe a estrada, menina, pare de olhar e você vai ver que melhora. Ela ficava ouvindo as árvores dançarem e sempre com o limão de junto do nariz.

Saltava quando via o morro onde estava antiga igreja dos jesuítas. Lembrava das aulas de História, e ficava imaginando como seriam aquelas terras naquela época, sem a estrada, mato pra tudo que era lado, os padres ensinando aos índios que era pecado ficar nu. Aquela igrejinha lá em cima, esquecida no tempo, como pode ela não cair? Sentia uma vontade danada de subir no morro, entrar lá pra imaginar os índios e os jesuítas, e ficar mais perto do passado.

O terço se balançando no espelho do carro. Sob a cabeça os aviões, sob os meus pés os caminhões, aponta contra os chapadões meu nariz. Adriana! Adriana? O quê, vó? Adoro ouvir as fitas da mamãe. Diga, eu tô ouvindo. Ah, minha neta, os índio andavam nus, mas eles eram inocentes, não sabiam que era pecado. Eles são igual bicho.

Quando era pequena, ela andava pela casa vestindo nada mais que calcinhas bordadas. Um dia desses quando se arrumava pra ir à missa, a tia mandou mudar a blusa, essa blusa mostra a barriga, menina, vá botar outra, você vai pra casa de Deus. Ela trocou a roupa com os olhos atônitos. Olhava para o padre como se prestasse muita atenção às suas palavras. Por que essa é a casa de Deus? Adão e Eva andavam nus e Deus os expulsou do paraíso quando sentiram vergonha. E não era para eles sentirem não?

Todas essas histórias de pecado, inferno davam um nó na sua cabeça. Está certo que havia pecados que levariam direto para o inferno. Mas a partir de quantos pecados menores uma pessoa ia para o inferno? Como devem ser os castigos? Deve ser muito ruim ficar sofrendo pra sempre. Mas o céu, sei lá, tudo perfeito. Pensou que talvez ficasse enjoada do céu. E não conseguia imaginar como seria o purgatório, mas falam pouco dele, ele nunca apareceu na televisão, só falam de céu e inferno.

Ela não entendia nada. Mas quando olhava pra estrada, percebia que adorava a vida e todas as suas alegrias, dores, emoções, enfim. Contemplava as pessoas, queria descobrir as coisas do mundo, mas tudo isso ela só sentia, não entendia nada. Amava a estrada e o vento.

Um comentário:

zé lérias (?) disse...

são tabús como esse, criados para nos amedrontar e subliminarmente segredados, que fazem o atrazo de um povo.
saudações de portugal!