quinta-feira, março 23, 2006

Lucas

Ele se matou logo depois de saber que minha mãe o havia traído. A gente era uma família perfeita. Meu pai era louco pela minha mãe, nunca faltou dinheiro, a gente viajava muito, sempre fui bom aluno e trabalhador. Aí minha mãe arranja esse caso.

Não sei o que se passava pela cabeça dela. Mas ela era assim. Se estava tudo arrumadinho nos seus devidos lugares, ela vinha e deixava a bolsa em cima da mesa logo que chegava do trabalho. Tomava todas as noites alguns cálices de vinho e ficava rindo como uma qualquer. Ela cuidava de mim como se brincasse, estava mais preocupada em me divertir do que em me dar alguma lição. E meu pai, sempre meu pai, o homem metido no meio dos papéis aperreado com as contas. Minha mãe vinha e beijava seu pescoço.

Por que você me traiu? Não sei. Pra tudo tem resposta. Pra certas coisas não. Por quê? Acho que não conseguia aceitar que a nossa vida era perfeita.

Minha mãe não tinha coragem de ir até o quarto deitar na cama que eles dividiram por tanto tempo, e ficar ao lado do corpo dele cheio de mágoa a noite inteira. Ela ficou na sala vendo televisão, estática, e com os olhos pairando nas imagens em pensamentos distantes.

Silêncio à mesa. Ela dizia meias palavras, mas meu ódio, ah meu ódio era tanto que ela sabia que era melhor se calar e tomar o café. Passou o tempo, e nada do meu pai sair do quarto. A porta, a vasta poça de sangue, os pulsos cortados, o meu pai estava morto. Morto, sim.

Lucas? Júnior? Às vezes você fica perdido pensando na morte da bezerra. É, desculpe. Tão gostoso ficar na rede aqui na varanda, Lucas.

Estava pensando no trabalho, tem gente querendo me passar a perna. Deixe de ser assim, preocupado, menino. Que pescoço gostoso, meu Deus, me deixe morder, vá. Você deixou as meias em cima da cama, eita você bagunçada, meu amor. Sempre que dorme aqui, deixa alguma coisa, faz uma baguncinha. Tá bom, depois eu vou lá pegar. Pescoço gostoso!

Às vezes os amantes ficam assim, em silêncio, e às vezes esse é o momento mais bonito, o do aconchego.

De repente, Lucas agarrou o pescoço de Laís, e depois a jogou no chão. Ele dizia coisas ininteligíveis, e com uma voz que não parecia ser a sua. Eu vou matar aquela puta, cadê ela? E foi correndo pela casa atrás de Carlota.

Carlota gritou, se debateu, segurou a faca de cozinha com as mãos trêmulas, mas Lucas lhe deu um tapa, e lá se foi a faca e seu corpo no chão. Puxou-a pelos cabelos, depois agarrou os seus braços e a conduziu até a varanda.

O que você tá fazendo, Lucas? Vai matar sua mãe? Você tá louco? Meu Deus, pare com isso! E seguiu-se uma luta de Laís puxando Lucas com todas as suas forças, e ele tentando empurrar a mãe pela janela. Até ele desmaiar no chão.

Lucas era muito religioso, e foi ao centro espírita junto com Laís perguntar ao médium alguma explicação para o que havia se passado. O médium colocou a mão sobre a cabeça de Laís e disse: Você é médium, pode sentir a presença de pessoas do outro mundo, saiba usar esse dom.

O médium explicou que o pai de Lucas era uma alma perturbada. Lucas não conseguia descansar em paz porque ainda estava preso ao seu passado, e queria a todo custo se vingar usando o corpo do filho para matar Carlota. Era preciso orar pela alma de Lucas.

Lucas foi morar sozinho, e aos poucos foi se afastando de Laís. Não suportava a presença da mãe. E orava todos os dias pela alma do pai.

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