Nunca em minha vida conheci um homem que falasse tanto
Falas muito e, no entanto,
Ouve-me com interesse tamanho,
tão grande quanto a tua vontade de me fazer te descobrir
Sei que mais do que gostar de falar,
tu gostas de palavras...
E produz um sutil prazer
vertendo-se na maravilhosa desenvoltura da tua linguagem
Tu, até mesmo quando estás em silêncio, é para revelar - posto que este encontro é necessário
Mas tu não queres produzir nenhum mistério
estás aí à minha vista
em tua inteligência ou fossa
em teu charme ou desleixo
E assim tu te desenhas um homem tão comum
que findo amando não tua essência,
mas, muito mais profundamente,
a tua superfície:
o teu modo de andar,
o teu gesto no olhar,
o teu perfume - só teu,
o teu soluço ao chorar,
e a tua mão pesada ao trepar,
e os teus livros empoeirados na estante,
e aquela camisa que tu mais gostas de usar,
e a comida que tu costumas comprar na esquina da tua rua.
Amo a tua superfície!
A tua essência eu deixo a cargo dos filósofos
E dos amores platônicos
E sei que tu gostas de estar na superfície -
por isso fala, fala,
confessa-me...
Diz-me não da tua essência,
mas da tua bela, banal, cotidiana,
divinamente humana
superfície!
Um comentário:
"Nada de mergulhos. É na superfície que o real, minúsculo plâncton, se trai."
Paulo Henriques Britto
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