Primeiro você cai num poço. Mas não é ruim cair num poço assim de repente? No começo é. Mas você logo começa a curtir as pedras do poço. O limo do poço. A umidade do poço. A água do poço. A terra do poço. O cheiro do poço. O poço do poço. Mas não é ruim a gente ir entrando nos poços dos poços sem fim? A gente não sente medo? A gente sente um pouco de medo, mas não dói. A gente não morre? A gente morre um pouco em cada poço. E não dói? Morrer não dói. Morrer é entrar noutra. E depois: no fundo do poço do poço do poço do poço você vai descobrir quê.
O ovo apunhalado, de Caio Fernando Abreu.
Um comentário:
Fantástico efeito da palavra repetida... Gosto tanto disso! Belo trecho! Me fez pensar numa cena de "Moolaadé" (2004), filme do Ousmane Sembene que vi na manhã de hoje, em que duas crianças pulam num poço para não serem infibuladas...
O poço!
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