O oitavo capítulo de Ulisses, de James Joyce, segundo os comentadores, faz uma referência aos lestrígones de A Odisséia, cujo rei, Antífates, é um canibal. Nessa passagem, Leopold Bloom começa refletindo sobre a relação entre o cristianismo e o sacrifício, e termina rejeitando a ideia de comer carne no restaurante Burton, indo se alimentar de um sanduíche de queijo no Davy Byrne.
Enquanto Leopold Bloom, um judeu, caminha às margens de um rio, ele reflete sobre a violência da religião. Algo nietzscheano, é possível dizer. Nietzsche, enquanto um crítico do cristianismo, teceu em obras como O Anticristo a associação entre violência e religião, observando na prática do sacrifício, seja do cordeiro na páscoa, seja do Cordeiro de Deus, o seu próprio filho, uma paixão pelo derramamento de sangue. Seria então Antífates, o rei canibal, uma metáfora do próprio Deus?
Seus passos lentos o conduziram ao rio, lendo. Você está salvo? Todos estão lavados pelo sangue do cordeiro. Deus quer vítima sangrenta. Nascimento, hímen, mártir, guerra, fundações de um monumento, sacrifício, oblação de rim-queimado, altares druidas. Elias está chegando.
Ao cruzar uma esquina, Leopold Bloom vê uma das filhas de Simon Dedalus. Recorda que a mulher de Simon Dedalus havia falecido e deixado 15 filhos para ele tomar conta sozinho. Leopold Bloom acredita que o excesso de filhos tem a ver com o cristianismo dos Dedalus. Crescei e multiplicai. Onde já se viu uma ideia dessas? Comem tudo de você casa e lar. Eles mesmos não tem família para alimentar. Tudo do bom e do melhor. Suas adegas e despensas. Eu gostaria de vê-los fazer o jejum atroz do Yom Kippur.
Ao passar sobre uma ponte, Leopold Bloom lança uma bola de papel amassada para as gaivotas, que a ignoram. Então uma velha passa vendendo maçãs e bolinhos Banbury, e Bloom compra e lança ao rio Liffey para que as gaivotas comessem.
Durante a caminhada, Leopold Bloom encontra a Sra. Green, que lhe questiona o motivo de Bloom estar de preto. Logo ele se dá conta de que lhe perguntarão o dia inteiro se acaso ele estava de luto, já que ele havia ido ao enterro de Dignam. A Sra. Green conta que seu marido havia sonhado com uma carta, o Ás, subindo as escadas, o que lhe provocou pavor. E seu marido havia recebido uma correspondência contendo PC: Para Cima, alguma piada de um colega de trabalho. A Sra. Green comenta que a Sra. Beaufoy estava em trabalho de parto há três dias na maternidade Holles Street. A história do difícil parto da Sra. Green traz à lembrança de Bloom a perda do pequenino Rudy:
Eu era mais feliz então. Ou será que eu era? Ou eu sou agora eu? Eu tinha vinte e oito anos. Ela vinte e três. Quando nós partimos de Lombard Street oeste alguma coisa mudou. Nunca mais pôde ser a mesma coisa depois de Rudy. Não se pode trazer o tempo de volta. É como segurar a água na mão.
Seguindo a caminhada, Leopold Bloom entra no restaurante Burton, mas sente nojo da carne e também do ambiente fétido, cheirando a suor e urina de homens. Vai então ao restaurante de Davy Byrne. Enquanto degusta vinho, Bloom tem pensamentos eróticos:
Sofregamente eu me deitei sobre ela e a beijei: seus olhos, seus lábios, seu pescoço esticado que pulsava, seus seios fartos de mulher em sua blusa de tecido fino de lã, seus mamilos redondos e rijos. Inflamado eu a lambi. Ela me beijou. Eu fui beijado. Toda entregue ela ouriçou meu cabelo. Beijou, ela me beijou. A mim. E eu agora...
Um cliente de Davy Byrne, Nosey Flynn, comenta com o dono do restaurante que Leopold Bloom havia entrado para a maçonaria. Flynn conta que a maçonaria é cheia de segredos e não permite a entrada de mulheres. O capítulo termina com Bloom caminhando pela cidade, ébrio de vinho, com a respiração ofegante, pensando em deusas mulheres...
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