sexta-feira, janeiro 14, 2011

Éolo

Se ao ler o capítulo Hades, de Ulisses, de James Joyce, eu encontrei o clima perfeito, já que no dia chovia assim como no enterro de que trata o capítulo, o mesmo não posso dizer sobre a experiência de ler o oitavo capítulo, denominado Éolo. Essa passagem, como afirmam os comentadores de Joyce, faz uma referência ao momento em que os companheiros de Odisseu, em A Odisséia, abrem a sacola cheia de ventos tempestuosos que Éolo, o deus dos ventos, havia dado a Odisseu, levando os barcos onde eles se encontravam de volta à ilha.

Este capítulo apresenta diversas descrições de portas batendo, ventos fortes, onomatopéias do barulho do vento, produzindo sensações de ventania no leitor. A ação se passa em dois jornais Freeman e Evening Telegraph, nos quais Leopold Bloom, que é corretor de publicidade, entrega um anúncio de Alexandre Chaves (comerciante de chá, vinho e bebidas). O capítulo é dividido em várias passagens, com títulos ao modo de manchetes jornalísticas, o que provoca uma fluidez que lembra a distribuição de diversas notícias num jornal impresso.

Quanto à citação de Éolo, a minha interpretação é de que a referência do retorno à ilha em Ulisses é uma metáfora a respeito da diáspora de Leopold Bloom, da viagem de retorno à sua terra de origem, pois essa passagem da obra de Joyce traz referências ao judaísmo (e Bloom é judeu). Também acredito que a citação de Éolo, quando a cena se passa em redações de jornais, é uma referência à efemeridade e ao sensacionalismo presentes no jornalismo (a imagem de um furacão me lembra isso).

Numa das partes do capítulo, intitulada E era a festa da páscoa judaica, Leopold Bloom se lembra do pai. Pobre papai com seu livro Hagadah, lendo para mim de trás para diante com seu dedo. Pessach. O ano que vem em Jerusalém. Céus, ó céus! Toda essa longa história de que nos tirou das terras do Egito para a casa da servidão alleluia.

Na redação do Evening Telegraph, surge Stephen Dedalus, que havia ido ao jornal com intuito de entregar a carta do Sr.Deasy sobre febre aftosa para ser publicada. O editor Myles Crwoford relata que muitos achavam que a esposa do Sr.Deasy, que o abandonou, tinha febre aftosa, pois era bastante mal humorada, e certa noite havia jogado um prato na cabeça de um garçom.

Na redação, o professor MacHughe fala sobre o seu asco pela língua inglesa, que, para ele, é a língua da máxima "tempo é dinheiro", e demonstra o desejo de ensinar o grego, que seria a linguagem da mente, do intelecto. Ao que eu pergunto: será que esse personagem de algum modo expressa o pensamento de James Joyce a respeito das relações entre jornalismo (dinheiro) e literatura (intelecto)?

Após prometer que publicaria o anúncio de Leopold Bloom para Alexandre Chaves, o editor Myles Crowford se recusa a fazê-lo e envia o recado: Quer lhe dizer para beijar o meu traseiro? O capítulo termina com o diálogo entre Myles Crowford e Stephen Dedalus, num confronto entre um poeta e um jornalista, e Dedalus gostaria de publicar um artigo seu no Evening Telegraph, intitulado Uma visão da Palestina do Monte Pigash ou A parábola das ameixas, sobre mulheres que se sentam sobre anáguas listradas e erguem os olhos para contemplar a estátua de um adúltero maneta, o que lhes provoca torcicolo, e elas ficam a comer ameixas e cuspir os caroços.

Um comentário:

Pseudokane3 disse...

UMA VERDADEIRA ODISSÉIA ESTA TUA RELEITURA, VISSE? ESTOU ANSIOSO PARA PASSAR POR ISSO (EM LETRAS MAIÚSCULAS, MESMO)

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