segunda-feira, março 30, 2009

Blow up


Thomas, o personagem principal de Blow up (1966), de Michelangelo Antonioni, é um fotógrafo, mas poderia ser um cineasta. A obra é inspirada num conto de Julio Cortazar, mas é puro cinema. Thomas dirige impacientemente as modelos, como se dirigisse atrizes (embora as considere fúteis e elas poderiam ser comparadas às estátuas da loja de antiguidades que ele visita, quando afirma até que prefere paisagens a esculturas, mostrando o porquê de ele abandonar as modelos e correr para fotografar um parque), como também exerce um papel de "diretor" quando busca incansavelmente numa foto que tirou num parque em Londres o motivo do olhar angustiado da mulher que estava nos braços de um homem, dispondo em seqüência diversas ampliações da fotografia em questão como uma própria decupagem cinematográfica.

O dispositivo técnico da fotografia, neste caso, clama por independência em relação ao sujeito por detrás do aparelho que apreende a realidade. Thomas havia presenciado um crime, e até tirado fotografias, mas sem nada perceber, pois tudo o que vira foi um casal de amantes. Mesmo diante da inocência do seu olho, o dispositivo foi capaz de captar aquela realidade. André Bazin já havia falado sobre a grande novidade do cinema, como também da fotografia, que consistiria em, diferente das outras artes tão dependentes da perspectiva do artista, conseguir um realismo baseado na representação do espaço e da física dos objetos não absolutamente determinada pela subjetividade do artista, posto que haveria entre o olho e a realidade, a câmera.

Entretanto, se a imagem se revela na fotografia de Thomas, não é porque a máquina fotográfica seja capaz de uma pretensa objetividade. A imagem do assassino apontando a arma para a vítima se apresenta pouco visível, e o que seria o contorno do cadáver do homem assassinado na fotografia é definido pela colega de Thomas como semelhante a uma pintura já conhecida. Nem a fotografia reproduz fielmente o real, nem Blow up, pois o filme não responde às perguntas sobre os motivos do assassinato no parque ou do desaparecimento das fotografias de Thomas.

O fotógrafo, que havia visitado o parque à noite em busca da prova da veracidade da sua fotografia e encontrado o cadáver entre os arbustos, no dia seguinte volta ao local e não vê corpo algum. Thomas caminha desapontado pelo parque, e um grupo de mímicos, que antes havia aparecido nos primeiros planos do filme, ressurge como uma metáfora sobre a imagem e a espectatorialidade. Thomas observa atentamente o grupo de mímicos jogar tênis com uma bola invisível. Em certo momento, os mímicos simulam que a bola de tênis imaginária havia saído da quadra, e pedem para Thomas pegá-la. De forma magnífica, Antonioni decupa a cena de modo a inserir um travelling que segue a queda de uma bola invisível, brincando com o próprio espectador do filme. Depois, vemos Thomas estático, mexendo os olhos como se ainda seguisse o movimento da bola invisível no jogo imaginário, e um efeito sonoro insere o barulho da bola invisível.

Os índices dispostos ao longo da narrativa, e que no final convencionalmente deveriam nos levar à solução, apresentam problemas que permanecem insolúveis. Esta obra aberta, entregue à nós como um jogo de armar, está para nós assim como a bola invisível está para Thomas.

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