terça-feira, fevereiro 07, 2006

Os desvairados

Ontem estava indo para a universidade na odisséia de mais um dia ordinário. Eu e o terminal, o terminal e eu. Esse é um ambiente tão sórdido, um ar de decadência, odores de comidas imundas e banheiros que a gente passa bem longe, o sol derretendo os miolos e fazendo ondas no chão. Tudo parece um fardo.

De repente, os gritos de um homem dão tapas na sucessão dos meus pensamentos. Você tome cuidado que eu sou doido, óoooi, não mexa comigo, não. Olhei pra um lado, pro outro, e nada, não havia ninguém o insultando ou ameaçando lhe dar uma surra. Aquele homem negro, com roupas sujas, as veias iradas saltando do pescoço, os passos dançando pra frente e pra trás num ritmo ameaçador, aquele homem erguia os braços e apontava para um inimigo imaginário. Diante da doidice do homem, alguns viravam o rosto para não ver, outros baixavam a cabeça com medo, e eu o observava pensando: quem é o inimigo dele?

Não podia parar de contemplar os seus delírios. A bestialidade dos seus movimentos, os olhos tinham certeza no seu olhar, não eram perdidos, eles se fixaram em alguma entidade que só o tal homem era capaz de perceber. Queria saber o que ele via, por que tinha tanto ódio da tal criatura.

Quantas vezes eu vi gente pobre que nem ele agarradas a alucinações e provocando o medo, o asco, a pena dos espectadores. Lembro-me de uma vez em que estava num ponto de ônibus perto do trabalho da minha mãe, ali na avenida Beira Mar, quando vi surgir uma mulher com os braços estendidos e os olhos desorientados no céu. Ela era um sacrifício ao deus-céu. Entregava-se à infinitude azulada, pra onde levava a sua alma e a deixava lá. Os carros indo e vindo, ela no meio da pista, mas só havia o deus-céu, e aquele abandono era um ritual que brincava com sua vida, talvez não lembrasse que havia vida. As buzinas a trouxeram de volta à pista dos homens xingando e da dor de viver as migalhas.

E aqueles que fazem pregações nos ônibus, no centro da cidade? Falam de um Deus bondoso que ama a todos nós, gritam a sua dor misturada com fé numa catarse, e fecham os olhos diante do mundo para encontrar um Deus que guarda para eles um céu com belos campos e felicidade eterna. Deus irá nos salvar. É só segurar na mão de Deus que ele vai te ajudar. Irmãos, grande e poderoso é o Senhor!

Alucinados bêbados de uma realidade atroz, quais serão os seus mundos?Quem são seus inimigos, seus deuses? Qual sua fé, sua falta de fé, seu suicídio? Novos mundos fantasiados diante de um mesmo mundo.

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