segunda-feira, outubro 31, 2005

Judite, a filha da lua

Eu não tenho fim nem começo nesse céu enorme essa noite, onde as estrelas guardam o segredo do universo e as aventuras do meu ser que perdido se encontrará nas miragens. Guardo no peito a lua prateada que hoje se faz pálida como o meu pobre coração, e canto com o olhar a canção que ninguém nunca irá entender nem ouvir. Onde estará Judite, aquela que me pariu depois de minha mãe? Se você soubesse, Judite, da saudade que você me faz, não me abandonaria na noite, nos vãos, nos escombros de quem sou sem você.

Minha Judite dos olhos distorcidos de infelicidade, eu conheci na praça onde a Igreja cantava o mais puro silêncio, Judite do meu querer, do meu ser sem ter por que, eu me vejo sem palavras, só sei que todas as belas canções foram escritas para você. Minha Judite não é bela nem feliz, ela tem o rosto marcado pelo suor desgraçado do trabalho, e faz o pão que não vai comer. Ela vem pra mim com um abraço, e o odor do cansaço eu sinto nela. A mulher das mãos cheias de calos, das palavras feias, do mau humor de quem vive a duras penas.

Ai que eu sinto tanta saudade, e de saudade eu vivo a lembrar dos beijos de Judite e a esquecer o presente. Foi tão gostoso morder as suas pernas e lamber a sua casa, que eu só quero morar dentro de você, e morrer para sempre dentro de você. Olhe pra mim de soslaio pelo menos quando passar de braço dado com seu marido na rua, pra eu sentir que ainda guarda na lembrança um carinho meu. Eu queria te arrancar dos braços dele, matá-lo com a bala do meu patrão, e te beijar no meio da rua, apertando você como se seu corpo não tivesse fim.

Judite, volte para mim que eu não agüento mais ser só eu. Prometo só o que tenho para dar, e você sabe quem é. Eu fico aqui olhando essa lua e falta você para pular sobre mim debaixo da lua, volte que você é filha da lua, e eu fui parido de novo. Vou dormir debaixo da lua para sonhar com você, prometa que em algum canto do universo você também estará sonhando comigo. Boa noite, Judite, que Deus te guarde pra mim onde quer que você esteja.

segunda-feira, outubro 24, 2005


O chão


Não há tristeza que caiba em mim em dias como esses

E não há também felicidade

Se choro é por desespero de não saber de mim, a que perdi

Eu não a reconheço

eu me enfio debaixo da cama

depois de me ver refletida no espelho



Em minhas caminhadas eu vejo o chão

Não vi pessoas, não conheci ninguém

eu só pensei na falta

Agora o que existe em mim é só a falta

Espero receber uma carta

e não há ninguém para me escrever.


Eu nem rezo mais antes de dormir

Não porque não acredite em Deus,

mas simplesmente o esqueci

Das tantas vidas que vivi eu só acredito em uma:

aquela que terei depois de findar essa

Dos pecados que cometi, eu só acredito em um:

o de não ter cometido pecados suficiente.


Eu me desfaço em versos mal escritos,

eu só consigo me achar em palavras de outrem

Eu que não sei fazer poesia,

eu que não sei amar ninguém ou coisa alguma

Escuto tantas músicas,

mas não sei do que falam,

e choro pelo que não são

Onde estarão as pessoas que por mim passaram enquanto eu olhava para o chão?

Esperanças e borboletas

Desde criança minha mãe me ensinou a ter medo de borboletas. Então eu voava para capturá-las, e depois as comia. Ela também me disse para ter nojo de moscas. Então eu prendia duas no copo de vidro e ficava observando na esperança de serem macho e fêmea, querendo que elas fizessem coisas como o casal da novela da TV. Queria muito sentir as borboletas voando na minha barriga, mas nada. Eu esperava ver asas no meu cocô, todavia era sempre um cocô como qualquer outro. As moscas se debatiam sob o meu olhar de vigília, até que eu me cansava e as deixava lá, presas num copo em cima da minha janela.

Certa vez, quando eu era bebê, mamãe foi trocar minha fralda e saiu para atender ao telefone. Quando ela voltou, estava eu lá, todo maroto, brincando e me lambuzando com o cocô. Ela gritou “mas menino!”, e foi me dar um banho rindo daquela insólita situação que contaria mais tarde para as amigas. Depois de um tempo, não sei como, eu aprendi a ter nojo de cocô e gritava por mainha para vir limpar minha bunda. Foi duro, mas aprendi a me limpar sozinho quando certo dia eu chamei seu nome e não havia ninguém em casa. Esperei mais ou menos uma hora por ela sentado no troninho, até que, finalmente, olhando o papel com muita resistência, eu me limpei sozinho. Logo depois, mamãe chegou e eu fui correndo lhe contar cheio de orgulho as aventuras que me levaram a ser um hominho.

Às vezes eu brincava com meu pinto, e sentia uma vontade danada de fazer xixi, aí ele crescia, para meu espanto, eu ia até o banheiro, mas nada de fazer xixi. Era gostoso sentir o pinto crescer, então vez por outra eu brincava com ele, e de vez em quando alguém me surpreendia. Minha mãe me chamava de safado e meu pai dizia que eu era um machinho danado. Não sei como, mas aprendi a ter vergonha do meu pinto, e mais tarde fui fazer isso escondido no banheiro.

Certo bicho verde me causava um misto de admiração e medo, igual ao que a gente sente por Deus, então eu corria e pedia para minha mãe matá-lo. Mas ela nunca fazia isso, dizia que o tal bicho era bonito, inofensivo, e seu nome era esperança. Entretanto, eu nunca achei a esperança bonita, e sempre tive medo dela, corria por entre os móveis da casa enquanto minha doce mãe sorria e brincava com a criatura verde no braço.

Eu rezava todos os dias o Santo Anjo, o Pai Nosso, e a Ave Maria antes de dormir, porque quem não reza, dizia minha avó, o bicho papão pega de noite. Então eu falava com um Deus que eu não conhecia, e tinha medo do bicho papão, que eu não sabia exatamente o que era, assim como Deus. Mamãe dizia para eu não pecar porque senão Ele ia me castigar. Então eu achava que Deus era um guarda dela, sempre de vigília, esperando eu fazer alguma travessura para ir lhe contar. Mas eu fazia muitas coisas que minha mãe nunca percebia como comer doce escondido no quarto antes do almoço, e aí me dei conta de que Deus não existia, era só um jeito de ela me impedir de fazer coisas gostosas.

Deixo meu filho gritar meu nome até chorar, mas não limpo a sua bunda. Nunca o chamei de nome nenhum ao pegá-lo brincando com o pinto, mas ele, com o tempo, foi se esconder no banheiro. Não o ensinei a rezar, mas vez por outra ele chama o nome de Deus quando não estudou para a prova. Eu me perguntava por que minha mãe me ensinou a ter medo de borboletas, aí percebi que ela tinha pavor delas, não sei, nem ela, a razão. E meu pequeno corre pra mim e me abraça forte, com desespero, quando vê alguma bela esperança voando soberba e assustadora de um canto a outro da casa.

sábado, outubro 22, 2005


Não sonho ao lado teu


Nesta noite as minhas angústias me impedem de dormir ao teu lado. O corpo junto a outro corpo, a alma repartida em tristezas mil, eu fico a contemplar tua sandália, que guarda o teu pé aonde vais, e largas quando te abandonas no leito para não ter sonho nem porvir. Meu corpo está nu, a alma desprotegida, a tua nudez me incomoda, e não quero estar ao teu lado na hora de dormir.

Queria o lençol inteiro para mim, queria ser só eu nesta cama, sem tua respiração que exala esta alma lânguida. Eu sinto frio e ouço os passos de ninguém. Eu não consigo, eu já tentei, me entregar ao sono ao lado do teu corpo nu, da tua alma lânguida.

O teu abraço distraído enquanto sonhas o que vais esquecer, me faz ter medo como uma criança procurando a mãe perdida no parque. Já desisti, já nem quero compartilhar o sono, o lençol, a cama contigo. E quem és tu que não conheço, não sei de onde vens, sei que não tens para onde ir.

Eu fito as tuas sandálias, as tuas coisas todas tão parecidas contigo, e então percebo que meu lugar não é aqui. Não sou de ninguém, nem de lugar algum.

A luz do sol aos poucos vai clareando o quarto, é o fim da noite vã, mas ainda há restos de noite deixados pelas cortinas fechadas. Está na hora de partir sem dizer adeus.

Agora sim, caminhando sozinha por entre a neblina, eu me vejo num sonho, eu fico a sorrir, um sorriso calmo, ingênuo, sem jeito. Bem-vinda ao acaso, o dia amanheceu e estou livre para voltar para casa, onde estarei em paz, eu sei.

sexta-feira, outubro 21, 2005


Nesses dias em que a ciência é de Deus

E o homem dos céus

Eu me pergunto onde estarei amanhã

Se não tenho nem ciência nem fé

Quem tem medo da chuva?

“A chuva engorda o barro e dá de beber aos mortos”, diria Dalton Trevisan. Hoje choveu. Esse fenômeno da natureza tão comum é encantador e irritante. Sim, eu adoro o cheiro da chuva, aquele ar tépido que fica nos lugares quentes como Aracaju. Gosto também de observá-la da varanda do meu apartamento, de me deitar na cama e contemplar as gotas d’água escorrendo sofregamente no vidro da janela, de ouvir a sua música sedativa. Entretanto, não gosto de me aventurar pelas ruas tomando banho de chuva, me entregando a uma doce brincadeira, pulando, chutando a água na rua. Não vejo tal encantamento. Fico ensopada, entro nos lugares parecendo uma louca, pego resfriado. Saio às ruas e recebo banhos de água suja graças aos imbecis distraídos ou sádicos que passam com seu carro bem em cima da poça nojenta. Melhor ficar em casa, ouvindo a música da chuva, e dormindo aconchegada no meu lençol quentinho.

Belo Belo

Belo belo belo, Tenho tudo quanto quero.

Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.

E o risco brevíssimo — que foi? passou — de tantas estrelas cadentes.

A aurora apaga-se, E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.

O dia vem, e dia adentro Continuo a possuir o segredo grande da noite.

Belo belo belo, Tenho tudo quanto quero.

Não quero o êxtase nem os tormentos.

Não quero o que a terra só dá com trabalho.

As dádivas dos anjos são inaproveitáveis: Os anjos não compreendem os homens.

Não quero amar, Não quero ser amado.

Não quero combater, Não quero ser soldado.

— Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.

Manuel Bandeira

é assim que me sinto.

Ladrões de bicicleta, de Vittorio de Sica

Ricci precisa de uma bicicleta para conseguir um emprego e melhorar as condições em que sua família vive. Mas esse trabalho só lhe será dado se ele tiver uma bicicleta, pois assim não precisará pegar os bondes lotados de Roma, e chegará cedo no serviço. Entretanto, a bicicleta de Ricci está quebrada, e sua mulher vende os lençóis das camas para que seu marido compre uma. Só que Ricci dá de cara com a má sorte e sua bicicleta é roubada. Daí por diante, ele segue com seu pequeno filho Bruno atrás dela.

Ele recorre à polícia e se depara com um sistema obsoleto e impune. O policial chega ao ponto de lhe mandar procurar sozinho a tal bicicleta por toda a Roma, e avisa que ela já deveria estar desmontada a essas horas. Ricci e Bruno se metem em várias enrascadas para recuperá-la, e, no final, o primeiro acaba roubando uma de alguém tão pobre quanto ele, é pego por um bando de homens que havia testemunhado a cena, mas é perdoado pelo pobre velho dono da bicicleta.

O ponto alto do filme é a busca incessante de Ricci por algo praticamente impossível. Ele não questiona em nenhum momento, na falta de uma consciência de classe, as injustiças a que foi submetido, como seu salário de fome, as péssimas condições do transporte público, e o sistema arcaico da polícia italiana. É interessante ver os trabalhadores se unirem em duas cenas do filme, quando Ricci diz ser Alfredo o ladrão, e os vizinhos dele tomam partido para defendê-lo da acusação, e na última cena, quando ele é capturado logo após roubar a bicicleta. A questão é: e se esses trabalhadores se unissem por uma causa maior, contra as injustiças a que são submetidos todos os dias, ao invés de fazer como Ricci, que procura sozinho por sua própria bicicleta? É emocionante ver no fim que personagem principal acabou por roubar um homem tão pobre quanto ele, o que leva o espectador a perguntar se não seria o ladrão alguém tão desesperado quanto o protagonista.

A esposa de Ricci tenta fazer algo por sua família, mas se sente impotente, e tenta ajudar dentro do que lhe é possível em sua condição de mulher. É ela quem dá a idéia de vender os lençóis da casa, e é graças a ela que a bicicleta é comprada. Mas quando recebe a notícia do roubo, sua única forma de lidar com a tragédia é orar e recorrer a uma charlatã para saber do destino de sua família. Ela fica perdida, apática, como muitas mulheres de seu tempo.

Ricci e seu filho estavam numa missa numa instituição de caridade atrás de um velho que eles supunham conhecer o ladrão. Não se sabe se era ele cúmplice, mas a grande ironia é que o velho estava ali, numa instituição de caridade, orando junto com um monte de miseráveis, esperando pela ajuda de um Deus, e, principalmente, pela refeição ao fim da missa. E também não se sabe se foi Alfredo quem roubou a bicicleta, mas vê-se a pobreza em que ele vive junto com sua mãe.

Uma cena que ilustra perfeitamente os antagonismos entre as classes sociais é quando Ricci vai a um restaurante com o pequeno Bruno fazer uma farta refeição e tomar vinho, e a criança come inocentemente como se estivesse em

casa. Ele mostra a mesa ao lado, onde estão pessoas abastadas, e ensina: “Veja, você tem que comer como eles”. É só o que os mais pobres fazem em sua condição de alienados, procurar suas próprias bicicletas, e querer comer como eles.

Obs: Escrevi sem a intenção de fazer uma crítica de cinema, até porque não tenho cacife pra isso. Escrevi como mera espectadora cinéfila.

Farinha mágica

Eu só negocio com cara que for bundão. Porque aí fica mais fácil né, com um bundão na maioria das vezes você não precisa cumprir ameaça. Tenho meu 38 com cano longo, eu estou sempre protegido, por mim e pelo meu 38. Não vou dizer que gosto de matar, mas também não vou dizer que não gosto. Sabe, na hora, às vezes nem é pra fazer cumprir minha palavra, mas é porque é massa ver o sangue derramar do filho da puta que não me pagou. Rola até um certa culpa depois, não tô dizendo que viro viadinho chorando pelos cantos, mas sei lá, me dá mais ódio da vida, de tudo, e me dá também uma puta vontade de cheirar. Sinto prazer quando falo” e aí companheiro, passa aí o seu equipamento de som, tu tá me devendo né, safado?” Ver a cara triste do imbecil, “quem é perdedor, quem é perdedor?”.

O dia em que eu me senti mais foda foi quando eu fui parar na delegacia e cheirei coca lá mesmo, no banheiro. Olhava pra cara do delegado e me acabava de rir por dentro, “eu to chapado, seu porra”. É pra tirar onda mesmo, se fosse por mim eu cheirava na frente do delegado, e ainda oferecia, “é farinha, poh, farinha mágica”.

Cadê minha filha? Minha ex-mulher é uma vagabunda, tem mais é que apanhar mesmo do pai, bate nela, bate nessa vaca sem vergonha, eu gritei no meio da surra que ela tava tomando. Tenho umas três negas e trato todas como vagabundas, e elas merecem, humilho, dou tapa na cara, digo que não quero mais pra ver ela se ajoelhar aos meus pés, e pedir depois pra chupar meu pau. Eu sou o Super homem, quem é Deus, quem é Deus?

Às vezes eu passo o dia inteiro trancado num quarto viajando. Aí eu gasto toda a grana que ganhei dos caras que gastaram toda a sua grana com a coca que eu vendi. A vida é assim, cheia de emoções, mas no fim das contas só a coca me satisfaz. Vida merda, que graça tem? E agora eu tô sem minha filha, cadê minha filha, meu Deus, cadê? Que criança linda, ein? Acho que ela é a única coisa que resta em mim de humano. Ou será que isso é ser humano?

Minha filha... foi por ela que eu parei de cheirar, foi por ela que eu senti febre, tive delírios, e já faz nove meses que não uso coca. De vez em quando bate aquela viagem de madrugada, quem não faz coisa boa de manhã fica sofrendo de noite, né? O sono bom é pra quem tá em paz, e pra mim é só angústia, essa noite que não tem fim, esse dia que não tem começo. São sonhos estranhos, são imagens inconscientes da minha perversão, tenho medo de encontrar comigo mesmo de noite. Eu não quero dormir, é uma entrega, sabe?É como quem não deve nada e vai morrer tranqüilo, o sono é uma morte, e cada dia é uma nova vida. E eu não estou preparado pra morte, nem pra vida. Só me resta cheirar.

Por que as mulheres não se masturbam?

Conheço mulheres de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, e a grande maioria delas não se masturba. Não que sejam mulheres puritanas, virgens, simplesmente não acham graça em gozar sozinhas, ou não conseguem. Aí está o grande problema. Não é nada fácil uma mulher ter orgasmo numa relação sexual, imagine aquelas que nem se masturbam... talvez muitas não tenham provado do deleite mortal que é a sensação orgástica. E perdem, perdem muito.

Lembro-me de quando estava numa festa com algumas amigas fazendo uma brincadeira um tanto quanto comprometedora. Nós escrevíamos em pequenos pedaços de papel perguntas indiscretas, depois colocávamos numa caixinha, e finalmente ela ia passando de mão em mão, e a cada retirada de um papelzinho, havia um riso contido no rosto da infeliz que tinha de prestar contas de sua vida sexual ativa, inativa, ou simplesmente não-iniciada. Éramos tolas sexualmente, e as respostas no geral eram muito desinteressantes. Todas eram virgens, exceto uma, mais velha, e que namorava um rapaz há cinco anos. As respostas eram invariavelmente não, até que eu, personalidade abusadamente sincera, respondia à questão “você se masturba?” com um sim, oooohhhh!!!!! Qual grande admiração de todas elas. Ingrid, a mais velha, insistia para as outras admitirem suas aventuras manuais, mas não, houve uma que até disse sentir às vezes algo estranhamente gostoso quando se lavava, mas logo tirava a mão do altar do pecado, e terminava o banho pura, pura de espírito.

Desde cedo as mulheres são ensinadas a dedicar o seu corpo ao macho, ao casamento, e à procriação. Nos dias de hoje, muito pouco ao casamento, e o sexo de certa forma se libertou do vínculo desagradável com a reprodução, graças a conquistas como a pílula anticoncepcional e a camisinha. Entretanto, o corpo da mulher continua sendo dedicado única e exclusivamente ao macho. Os meninos desde cedo fazem campeonatos de quem bate mais punhetas, enquanto as meninas preferem guardar o seu prazer a uma sonhada perda da virgindade à luz de velas, ambiente com um toque de Malhação. Não conhecem seu corpo, e o coitado do companheiro pior ainda, tentando se virar no universo fantástico, enigmático, porém bastante sedutor que é o corpo de uma mulher.

Não falo que a mulher deva ser superior ao homem, também não sou Bush para defender a masturbação em prol da virgindade. Falo de a mulher se dar o direito de contemplar eroticamente o próprio corpo, e falo também em favor dos homens, que teriam a ajuda delas, seres com vontade, na hora do vamo-vê. Não é “ela goza com a mão, não precisa do seu pau”, como numa música de Arnaldo Antunes, mas ela também pode gozar com a mão, não precisa necessariamente de um pau.