"Mas no quarto, quinto dia, um trecho obsessivo do conto de Clarice Lispector — “Tentação” — na
cabeça estonteada de encanto: “Mas ambos estavam comprometidos. Ele, com sua natureza
aprisionada. Ela, com sua infância impossível.” Cito de memória, não sei se correto. Fala no
encontro de uma menina ruiva, sentada num degrau às três da tarde, com um cão basset também
ruivo, que passa acorrentado. Ele para. Os dois se olham. Cintilam, prometidos. A dona o
puxa. Ele se vai. E nada acontece.
De mais a mais, eu não queria. Seria preciso forjar climas, insinuar convites, servir vinhos,
acender velas, fazer caras. Para talvez ouvir não. A não ser que soprasse tanto vento que
velejasse por si. Não velejou. Além disso, sem perceber, eu estava dentro da aprendizagem
solitária do não pedir. Só compreendi dias depois, quando um amigo me falou — descuidado,
também — em pequenas epifanias. Miudinhas, quase pífias revelações de Deus feito joias
encravadas no dia a dia".
Pequenas epifanias, Caio Fernando Abreu.
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