domingo, novembro 21, 2010

A solidão não existe

Oitavo fragmento da décima terceira voz

Sempre virá. A solidão não existe. Nem o amor. Nem o nojo. Odeio quando te enganas assim, girando entre as panelas. A vida é agora, aprende. Ainda outra vez tocarão seus seios, lamberão teus pêlos, provarão teus gostos. E outra mais, outra vez ainda. Até esqueceres faces, nomes, cheiros. Serão tantos. O pó se acumula todos os dias sobre as emoções. São inúteis os panos, vassouras, espanadores. Tenho medo de continuar. E não suportaria parar, ondas de Iemanjá. Vês como evito pedir ajuda? Vieram da noite, eram muitos, assim compreendes? Talvez mais que doze, muito mais, incontáveis todos esses doze, já faz tempo. Às vezes sonho com eles. Com todos. Com quem não conheço. Por um momento, cede. Não sejas assim implacável, incorruptível. Não paires, esquece as asas. Fecha os olhos. Chafurda, chapinha. Afunda o rosto, solta a língua. Lambe os orifícios. Deixa a baba escorrer. Geme, cadela no cio. Como um macaco, acaricia teus próprios colhões. Estende tua pata peluda para o Outro, delicadamente. Cata os piolhos do Outro. Deixa que catem os teus. Esmaga entre os dentes, engole. Fala-me do gosto.

Dodecaedro, novela do livro Triângulo das águas, de Caio Fernando Abreu.

Um comentário:

Pseudokane3 disse...

O sexo nos animaliza, por bem, por muito bem.

Este belo trecho selecionado me fez pensar nisso!

E, por mais que eu ame contos como "Quarta-Feira de Cinzas" ou "Sargento garcia", no geral, algo me parece rançoso nas obras do Caio Fernando Abreu...

Fica a dica - e a confiança pessoal que deposito em ti. Enquanto irmão de carne, aliás.

Beijão consumidor,

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