segunda-feira, novembro 15, 2010

Ela foi passear... com a cabeça em todos os lugares...

Certa vez, eu estava num show de Orquestra Contemporânea de Olinda na cidade da banda, quando, no intervalo, ouvi tocar Naurêa. Na mesma hora eu disse ao anfitrião: "É música da minha terra!". Naquele momento, eu me dei conta de que, onde quer que eu estivesse, e mesmo tendo uma relação de amor e ódio com o lugar onde nasci, eu sempre vou carregar algo daqui comigo para onde quer que eu vá.

Assim como trouxe na bagagem, depois dessas três vezes em que fui a Pernambuco, tantas coisas de lá. Não são posses, não é uma camisa onde há escrito "Saudades do Recife", mas há uma saudade no meu peito. Levo comigo daquele lugar as lembranças do carnaval mais bonito da minha vida, das ruas onde o arcaico e o novo convivem lado a lado, dos "rios, pontes e overdrives". E lá também eu encontrei um bocado de dor minha e de miséria alheia.

Por isso muita gente me chama de metida a pernambucana. Dizem que só gosto do manguebeat porque fui ao Recife. Afinal, vangloriam-se de ser fãs de Nação Zumbi, Otto, Eddie, etc, desde muito antes de mim. Disputinha PIMBA besta. E ironizam afirmando que quando eu chegar em BH vai ser a mesma coisa, vou começar a gostar de música mineira e não sei o que lá. Ao ouvir isso, só consigo lembrar daqueles rockeiros da adolescência vinho-do-frei-13-de-julho, que tinham mania de chamar de "posers" aqueles que eles achavam que não curtiam rock de verdade, mas ouviam só para aparecer. Quem chamava os outros do "posers" sim era rockeiro de verdade! (risos).

Pois. Que bom que já aqui em Aracaju, eu me apaixonei pela poesia do pernambucano João Cabral de Melo Neto. Ele começou a escrever sobre o Recife quando estava na Espanha: o material de sua poesia é a memória. Do mesmo jeito, meu carinho imenso pela sua obra vem da saudade. E até das imagens que crio da Espanha, de Angola, dos países que ele visitou na diplomacia e sobre os quais carinhosamente e criticamente escreveu. Agora vou fazer uma pesquisa de mestrado sobre dois filmes que abordam o imaginário urbano de Cabral. Vou estudar filmes que falam, entre outras coisas, sobre o Recife, lembrando que sou de Aracaju e estarei morando em Belo Horizonte durante a pesquisa.

E desejo muito, mas muito mesmo, que assim como aconteceu em Pernambuco, eu também me apaixone pela cultura mineira, que eu seja uma "metida a mineira", como quiserem chamar. Espero que essa praga pegue. Mas mesmo antes de ir pra Minas eu já sou admiradora de Carlos Drummond de Andrade, mas ainda tenho muito o que ler dele, pois li apenas uma pequena antologia, e devo ler Guimarães Rosa, como também conhecer melhor a música de Milton Nascimento, entre tantas outras maravilhas. Mas ainda há tanto, mas tanto para conhecer, Minas Gerais, de seus lugares, sua literatura, sua música, seu cinema... E quem sabe eu goste, mas talvez também não me encante tanto e a tal praga não pegue...

Levo daqui de Sergipe a saudade do sertão onde fui criada até os cinco anos, em Porto da Folha, a lembrança das águas mais gostosas do mundo, as águas do Velho Chico por ali em Gararu, e uma música como "se vira com o próprio nariz, quebra prato se está com raiva, ela não consegue sair da sua casa". Inclusive quando estava no Recife fui ao show dessa banda que eu vi se apresentar um trilhão de vezes em Aracaju, e também mostrei a uns amigos de outro anfitrião as músicas da Plástico Lunar. E mais: levo também a dívida de ler Antônio Carlos Viana. Não porque ele é daqui, nem porque eu tenha obrigação de dar valor ao que é da minha terra, mas porque me parece ser um bom escritor. No mais, infelizmente, tenho de admitir que este não é o meu lugar, nem é o que achei mais interessante.

Amando ou não os lugares por onde ainda vou passar na minha vida, uma coisa é certa: não quero ir a canto nenhum desse mundo sem que as ruas, as pessoas, os sons, as imagens deixem vestígios em mim. E não posso negar que o meio em que fui criada deixará sempre uma marca em mim. Mas não tenho raízes. Quem tem raízes é árvore. E as árvores estão lá para deixar o lugar mais bonito. Já eu... eu sou uma desertora mesmo!

Lembrei de uma música cantada por um mineirinho bão, Milton Nascimento, veja só, olha a praga aí...

Por tanto amor
Por tanta emoção
A vida me fez assim
Doce ou atroz
Manso ou feroz
Eu caçador de mim

Preso a canções
Entregue a paixões
Que nunca tiveram fim
Vou me encontrar
Longe do meu lugar
Eu, caçador de mim

Nada a temer senão o correr da luta
Nada a fazer senão esquecer o medo
Abrir o peito a força, numa procura
Fugir às armadilhas da mata escura

Longe se vai
Sonhando demais
Mas onde se chega assim
Vou descobrir
O que me faz sentir
Eu, caçador de mim

2 comentários:

Gomorra disse...

De fato, esta disputa pimba citada é muito besta! Mas tu a tiras de letras, és maior do que isto!

Sempre pensei que fosse invencionismo esta saudade que bate a qualquer produto local, mas senti isso nos ossos quando fui confundido com cosmopolitas belo-horizontinos locais quando lá estive. Por isso, precise recorrer ao "visse?" recifense, enquanto identidade externa nordestina desesperada, mesmo tendo uma relação de amor e ódio com esta cidade que tão bem me recebeu por 2 vezes!

E, puxa... Antonio Carlos Viana é bom, mas nada me pareceu mais forte em matéria de localismo sergipano ultra-qualitativo do que OS DESVALIDOS. É uma obra-prima!

Beijão.
Postagem emocionante esta, que fez diálogo com o que a cabei de postar, lá no Gomorra, um tanto tenso por não ter gostando tanto de O PAÍS DE SÃO SARUÊ quando outrem. Tu gostas?

Beijão de novo,

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Pseudokane3 disse...

Eu já disse que te amo?

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