sexta-feira, novembro 20, 2009

Sobre o Tratactus Logico-Philosophicus

O Tratactus Logico-Philosophicus propôs uma revolução na filosofia em 1912. Em uma alusão ao Tratactus Theologico-Politicus, de Spinoza, Wittgenstein redige um pretensioso tratado no qual afirma que resolveu todos os seus problemas da lógica, mas mostra o quanto eles eram desnecessários.

No Tratactus, o filósofo de Viena rebate as argumentações dos dois maiores filósofos da lógica de todos os tempos. Aristóteles, responsável pela criação da lógica formal, e que a fundamentava no silogismo, e Frege, que havia dado um novo passo fundamental através da sua lógica matemática ou logicista já no século XX.

O silogismo de Aristóteles falava da argumentação perfeita. Tal argumentação era formulada através de três proposições. Vejamos um exemplo:

Todo homem é mortal.
Sócrates é homem.
Logo, Sócrates é mortal.

Como se pode perceber, a partir de uma verdade geral, “Todo homem é mortal”, que, no caso, seria a premissa maior, e relacionando-a ao singular, “Sócrates é homem”, a premissa menor, chegou-se ao termo médio, “Logo, Sócrates é mortal”. Assim, para Aristóteles, a tarefa da filosofia seria descobrir o termo médio que liga os extremos, o singular e o universal, a partir de verdades gerais, caracterizada pelo método dedutivo. Por conseguinte, o fundamental do silogismo é que A é verdade de B, B é verdade de C, e logo, A é verdade de C.

Só que, para Wittgenstein, A é verdade de B pode ou não ser verdadeiro. A proposição pode fazer sentido, mas nem por isso implica dizer que ela corresponde à verdade. Na proposição 2.0211, ele mostra que “se o mundo não tivesse substância, ter ou não ter sentido uma proposição dependeria de ser ou não ser verdadeira uma outra proposição”. Com essa afirmação, Wittgenstein mostra que o silogismo não conduz propriamente à verdade, e Aristóteles confundiu linguagem e realidade, como se para uma proposição fazer sentido, ela dependesse de que uma outra proposição se remetesse verdadeiramente a algo que está na realidade. Entretanto, vejamos um silogismo, a tal argumentação perfeita de Aristóteles em sua busca pela verdade, que faz sentido, mas não corresponde à realidade.


Todo homem é imortal.
Sócrates é homem.
Logo, Sócrates é imortal.

Assim, Wittgenstein desubstancializa a linguagem. Em outra argumentação contra a substancialização da linguagem, Wittgenstein rejeita Frege. Com sua logicista, Frege argumentou que a filosofia fundamenta a parte aritmética da matemática, e tentou reduzir a matemática à lógica num conjunto mínimo de regras lógicas. Não obstante, para Wittgenstein, a filosofia não é ciência de entidades abstratas, no caso, de objetos lógicos que compõem a linguagem matemática. A matemática é ciência, e a filosofia, bem, é preciso colocá-la no seu devido lugar e não tentar formular linguagens perfeitas, já que a linguagem se modifica através de seus usos, e não de teorias filosóficas. Pois não existem proposições filosóficas.

Discutir o que é uma proposição, essa é a questão chave do Tratactus Logico- Philosophicus. Através de sete proposições que, segundo Wittgenstein, derivam em ordem de importância e são pseudo-proposições, o filósofo discorre a respeito do mundo, do caso ou fato, da figuração, do pensamento, da proposição, da forma geral e, por fim e o mais importante, opta pelo silêncio. A ordem dos elementos apresentados é mundo, lógica, e pensamento.

Na primeira proposição, Wittgenstein fala sobre o conceito de mundo. Esse mundo não se refere a um científico, mas trata-se de um conceito filosófico. O mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas. Pois não existem coisas isoladas, elas estão sempre vinculadas a outras, e formam estados de coisas.

Logo mais, a segunda proposição fala sobre o fato, que é um estado de coisas. Assim como não podemos pensar, lembra Wittgenstein, em objetos temporais fora do tempo, em objetos espaciais fora do espaço, não podemos falar de nenhum objeto fora da sua possibilidade de ligação com outros.

Todas as possibilidades devem estar previstas no objeto. A lógica não é casual, e não irá surgir uma situação nova que não estivesse prevista de acordo com as propriedades internas do objeto. Conhecer o objeto é conhecer as suas propriedades internas, as propriedades externas não interessam ao filósofo. Os objetos são incolores. A lógica não trata do objeto pela sua cor, mas que ele está num espaço de cores.

As possibilidades de ligação do objeto formam a estrutura do estado de coisas. Ela é a forma do objeto. A forma do objeto, para Wittgenstein, tem algo em comum com a forma lógica.

A forma lógica é a representação da estrutura do estado de coisas. As possibilidades de ligação das formas lógicas devem estar assim como as possibilidades de ligação das coisas. Esse algo em comum, a forma lógica, que a linguagem tem com a realidade, entretanto, é inexprimível. Essa é uma das passagens místicas do Tratactus, e a lógica, para Wittgenstein, é transcendental, nela também há o indizível.

Depois de discorrer sobre fatos, na terceira proposição Wittgenstein descreve a figuração. Uma figuração lógica dos fatos é o pensamento, e esse último é descrito na quarta proposição. Dessa forma, o pensamento diz respeito somente ao que faz sentido. Idéias desconexas, avulsas, que não apresentam nenhuma lógica, não constituem pensamento, pois não se pensa o que é ilógico, assim como não se diz o que não faz sentido, e o que não faz sentido pode apenas ser mostrado.

Os limites do sentido são a tautologia e a contradição. A tautologia é sempre verdadeira, irrefutável, e por isso não faz sentido, porque o que não pode ser questionado não precisa ser dito. A contradição, pelo contrário, é sempre falsa, e nada diz. A é não-A nunca é uma proposição verdadeira e, portanto, absurda.
Na quinta proposição, Wittgenstein discorre sobre a proposição. Ela é uma função de verdade, e a verdade da proposição complexa depende da verdade das proposições elementares. Tal análise é pensada a partir do modelo químico, segundo o qual analisar é decompor.

Para Wittgenstein, não existem proposições simples, mas proposições articuladas. Ele descreve o atomismo na lógica, que determina que cada proposição complexa dependa das proposições parciais. Wittgenstein afirma ainda que apesar de as proposições elementares existirem, ele não sabe como encontrá-las, mas de qualquer forma, para o funcionamento da linguagem é necessário haver proposições elementares.

Ainda na quinta proposição, ele mostra que “os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo”. Os limites do mundo são os limites da lógica. O mundo é tudo que se possa conhecer, reconhecendo os limites da linguagem. O que está além desses limites, não faz parte do meu mundo. O meu mundo é do tamanho da minha linguagem. Basta olhar para um recém-nascido e ver que o mundo dele é bem menor do que o de um adulto.

É aí onde o solipsismo se mostra uma verdade. Entretanto, o erro do solipsismo é dizer essa verdade, enquanto Wittgenstein a mostra. Segundo o solipsismo, o mundo que existe é o meu mundo, mas para Wittgenstein isso não pode ser dito, pois ultrapassou os limites da linguagem. Quem poderá olhar além do seu mundo para afirmar tal coisa?

Ao falar sobre o eu filosófico, Wittgenstein mostra que ele não é o sujeito empírico abordado, por exemplo, na ciência. Não é a vontade enquanto fenômeno tratada pela psicologia. Wittgenstein fala da vontade no sentido do sujeito que articula a linguagem, e não do psiquismo. Ele não afirma propriamente o que seja o eu, apenas nega que ele seja objeto. O eu é limite do mundo, ele está para o mundo assim como nossos olhos estão para o que está ao nosso redor, pois vemos o que está ao nosso redor, mas não vemos nossos próprios olhos. E quem poderá ver no mundo o sujeito metafísico? O sujeito não pertence ao mundo, mas ele é um limite dele. Você alguma vez já viu o seu pensamento pairando pelo mundo?

Levado às últimas conseqüências, o solipsismo é idêntico ao puro realismo. O realismo considera que a linguagem imita a realidade e para o solipsismo o único mundo que existe é o meu mundo. Considerando que o meu mundo é formado pela minha linguagem, a linguagem imita a realidade no solipsismo, pois só há o meu mundo.
Na sexta proposição, Wittgenstein mostra a forma geral da função de verdade. E ao mostrá-la ele apenas descreve que ela não pode ser dita. Ele mostra que uma proposição é o resultado da aplicação de proposições elementares. Novamente, existem diversas possibilidades.

Para ele, nem as leis naturais determinam uma verdade necessária. Elas apenas mostram uma necessidade lógica. Que o sol vai ser nascer amanhã é uma necessidade lógica, mas não existe uma coerção para determinar que de fato ele vá nascer. Pois “o mundo independe da minha vontade”.

O mundo é o que é. O que está no mundo não tem nenhum valor. O meu mundo tem os meus valores, mas eles não estão no mundo. Logo, não deve haver proposições na ética, pois ela é inexprimível. A ética é transcendental para Wittgenstein. Faça isso, isso é o correto, não pode ser dito. É preciso respeitar a autonomia de cada um ao invés de estabelecer um conjunto de regras. Porque fazer algo porque está dentro da norma, para Wittgenstein, não é ético. Na ética, as conseqüências de uma ação não devem ser importantes, apenas a ação em si.

Não matar porque senão Deus irá infringir punições não constitui ética. E não se pode dizer Deus, porque Deus não se mostra no mundo. A eternidade da alma também não se mostra no mundo, mas é certo que a morte nunca acontece na vida. Você já viveu a morte? Ou já viu limites no seu campo visual? Esse eu que olha ao redor e é limite do mundo, vê o mundo, e mundo e vida são a mesma coisa. Assim como ele não vê limites no mundo que ele vê, ele também não vive a própria morte. Então Wittgenstein mostra: “se por eternidade não se entende a duração de tempo infinita, mas a atemporalidade, então vive eternamente quem vive no presente”.

Se não podemos responder se há eternidade, também não devemos perguntar sobre isso. Há o Místico no mundo. O Místico é transcendental, e a metafísica do Tratactus se refere a tudo o que não é exprimível, é a chamada metafísica inefável.

Na última proposição, Wittgenstein opta pelo silêncio. “Sobre aquilo que não de pode falar, deve-se calar”, numa tentativa de silenciar na filosofia as superteorias que pretendem explicar a realidade, mas nada dizem, que tentam responder a questões de uma vez por todas, mas apenas confundem.

Nada mais pertinente do que optar pelo silêncio depois de mostrar que durante toda a história da filosofia houve verborragias demais. Wittgenstein não elabora uma tese, mas faz uma teoria negativa. Ele não diz, mas mostra. Ao final do Tratactus, Wittgenstein simplesmente mostra que quem entendeu as suas “proposições” sabe que elas não fazem sentido. Inteiramente de acordo com suas “proposições”, ele não chega ao fim, à metateoria, mas apenas usa a filosofia como meio. Pois a filosofia é método e não resultado. Então, ele mostra que suas proposições são como uma escada. Depois de usada, ela é deixada para trás.

3 comentários:

Lory Ribeiro disse...

fia do cabrunco.. escreva coisa menores ou vc vai me deixar maluquinha. saudades de tu, Dunya.

Rita Brasileiro disse...

Ela, Wittgenstein e as aulas de Filosofia da Linguagem...

tatiana hora disse...

ritaaa, quanto tempo!!
é, eu adoro isso mesmo!!
beijão