quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Sobre cinema e passado


Assisti hoje ao filme O sexto sentido (1999), do qual eu não havia gostado na época de seu lançamento nos cinemas, apesar de todo o estardalhaço que fizeram em torno do filme, mas que hoje descobri uma belíssima obra do M. Night Shyamalan. O que mais me chamou a atenção no filme dessa vez, no entanto, não foi o final surpreendente, e sim a sua temática e a maneira como elabora uma reflexão sobre o próprio cinema.

O psicólogo Malcom Crowe, que quer ajudar Cole, um garoto atormentado por visões de pessoas mortas, mesmo "problema" de outro paciente, Vincent, que chegou a adentrar na sua casa e lhe dar um tiro acusando-o de não tê-lo ajudado, só passa a acreditar no sexto sentido de Cole após ouvir uma fita com gravações de consultas com Vincent, quando este ainda era criança, e que continha a estranha voz de um homem que gritava em espanhol que não queria morrer. É através de um suporte tecnológico que Malcom obtém a confirmação da realidade das visões de Cole. Em outro momento, Cole mostra ao pai de uma menina, Kyra, que havia falecido, durante o velório dela, uma fita que ela havia lhe entregado para que ele desse ao pai dela. Tratava-se de uma gravação que a menina havia feito de uma brincadeira sua de teatro de bonecos, em que coincidentemente a mulher que tomava conta dela aparecia para lhe dar comida e o video mostrava-a contaminando a refeição da garota.

Essa fita de uma mensagem póstuma nos serve como uma reflexão sobre o próprio cinema. Ora, quem além de nós, espectadores, não vê em Cole apenas um garoto alucinado? Nós vemos o que ele vê, e o processo de identificação é construído de tal maneira que compartilhamos até do seu medo diante do sobrenatural, presenciamos as assustadoras aparições de fantasmas no seu quarto à noite, e encaramos os personagens que ignoram o seu dilema como cegos, ignorantes, negligentes até. Nós somos testemunhas oculares da realidade que Cole vicencia. Entretanto, no final o filme nos mostra que o cinema também pode nos pregar peças - que toda realidade é uma perspectiva, e que um ponto de vista pode ser enganador.

Outro ponto forte do filme, em minha opinião, é a maneira como ele fala sobre a relação do ser humano com o passado, o desejo de acertar as contas, seja pela culpa por uma falha cometida, ou seja pelo desejo de vingança. De uma forma ou de outra, todos somos como os mortos que perambulam pelas ruas diante dos olhos de Cole - temos esse impulso que nos conduz de volta ao passado, tornando o presente tão incerto, e, diante do mundo que insiste na mudança, vemos apenas aquilo que queremos ver, como Cole falou sobre os fantasmas (they see only what they want to see). A obra pode falar também sobre como as pessoas fazem projeções do passado em outras pessoas - a exemplo de um pai que quer que o seu filho seja o que ele não conseguiu ser, ou de alguém que quer ajudar uma pessoa da maneira como não ajudou outra. O filme também traz uma interessante visão a respeito da figura do psicólogo, aquele incubido de compreender profundamente a alma humana e desvendar o motivo de suas mais complexas angústias. Nesse filme, nós descobrimos que ele não é tão são e nem está tão distante assim das outras pessoas angustiadas que visitam o quarto de Cole à noite. Há uma inversão de papéis, e um menino tido como problemático termina por ficar num impasse entre os lugares de "paciente" e de "terapeuta", assim como o próprio psicólogo.

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