sábado, agosto 23, 2008

Pouco a pouco, ele sentia que tudo o que eles tinham já não era mais nada. Muitos anos haviam se passado desde que ele olhara para ela pela primeira vez com paixão. O tempo consumia o que eles tinham, o tempo era susbtância maldita. Não havia como colocar as coisas todas de novo no seu devido lugar. Existiam mágoas demais, e há certos acontecimentos que tomam grandes proporções com as lembranças, pois o rancor perdura e maximiza as dores. Agora restava a grande dúvida: o que os levara até àquele estado não seria então uma maldita sociedade cheia de regras desprezíveis e sufocantes?

Resolveram ficar livres. Entretanto, nunca chegaram a uma conclusão certa sobre o significado da palavra liberdade. Apenas entendiam que havia muitas vontades reprimidadas em todo esse tempo e era preciso provar... fazia-se necessário quebrar todas as barreiras, questionar os próprios valores. Não há nada tão angustiante quanto questionar os próprios valores.

Estavam saindo com outras pessoas. Prometeram contar tudo um ao outro. Aos poucos foram percebendo que o desejo de saber sobre as aventuras do outro, essa espécie de voyeurismo masoquista, consistia num ciúme doentio. O pior ciúme é aquele em que a gente quer tomar conta da mente do outro, e em tantos casais monogâmicos havia algumas mentiras ou repressões, mas entre eles havia o elogio ao desejo e, principalmente, a invasão da privacidade espiritual do outro. Com quem você esteve ontem à noite?

De onde tiraram essa idéia de liberdade? Talvez porque ao observarem os seus pais viam pessoas enclausuradas em relacionamentos falidos. Não queriam de forma alguma chegar àquele ponto: jamais ir a um restaurante e pedir a comida como quem ignora a sentença para o inferno. Entretanto, a suposta liberdade não os impediu de ficarem cada vez mais distantes e frios.

Aos poucos foram percebendo que, não adianta, quando duas pessoas juntas não dão mais certo, não é o fato de essas duas pessoas se expandirem e conhecerem novas experiências, isso não significa de maneira alguma que elas ficarão bem. E na negação do ciúme, na liberdade concedida ao outro, quantas vezes entre eles não houve um estupro, um estupro emocional? Quantas vezes também não competiram entre si para ver quem era o grande conquistador ou conquistadora, ou quem estava mais seguro ou segura de si diante de uma situação tão instável e ameaçadora?

No fim de tudo, não haviam conhecido a liberdade. Talvez ela pudesse existir em toda forma de amar, seja em casais que têm outros amantes, seja naqueles em que os dois buscam a estabilidade de estarem apenas um para o outro. A liberdade não consistia em "poder fazer o que se quer". Até porque nem sempre o que queremos é o que realmente queremos. Talvez a liberdade estivesse no fato de amar o que se tinha, em ter estabilidade e alegria com uma determinada condição. E isso não haviam conhecido.

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