sábado, janeiro 05, 2008

Da escola do amorismo sintético

Foi motivo de indignação na escola o dia em que a professora pediu para escrevermos uma poesia. Eu me perguntava, mas diacho, como vou fazer uma poesia? Então perguntei a uma colega como se escrevia essas coisas poéticas.

- Tem uma poesia que é assim:
"Com A escrevo amor
Com P escrevo paixão
Com F escrevo Fulano
no fundo do meu coração". Aí é só você substituir pelo nome do menino que você gosta, e pronto, já é uma poesia.

Ah! Assim era fácil... Pois então, mas agora o meu novo questionamento era qual nome colocar. Eu tinha apenas 11 anos de vida e nenhum amor vivido. No máximo tinha começado a ter os primeiros sintomas de uma leve atração física por aquele menino da quarta série com quem eu vivia brigando, mas nada que me fizesse desenhar corações no caderno ou chorar ouvindo alguma música boba.

A solução era inventar algum amor. Coloquei o nome de um menino que não existia, e não recordo o nome agora. Depois entreguei a bendita poesia à professora. Não deu outra: foi bronca no dia seguinte.

- Teve gente, não vou citar nomes aqui, que colocou uma poesia assim:
Com A escrevo amor
Com P escrevo paixão
Com F escrevo Fulano
no fundo do meu coração

Morri de vergonha.

- Poesia não é cópia, poesia é criação. O que vocês estão fazendo não é poesia.

Ah meu Deus! Como é que eu ia escrever uma poesia? Depois de ler muitos poemas e poesias eu começei a imaginar o que escrever.

- Já sei. Eles usam essas palavras difíceis.

Prontamente peguei o dicionário e, para cada palavra que me vinha à mente, eu procurava um sinônimo pouquíssimo conhecido. Ao terminar a minha "obra de arte", lia com orgulho, e já me considerava uma futura grande poetisa que marcaria a história da literatura brasileira e sobre quem um dia alguém escreveria uma biografia.

Segui até a professora cheia de orgulho e satisfação.

- Que palavra é essa?- disse ela, numa mescla de desprezo e dúvida.

A professora me deu 6, o que achei uma grande injustiça. Achava- me até mais esperta do que a professora, já que ela não sabia o significado da palavra imersa na minha poesia tão complexa, sentia-me uma poetisa póstuma, incompreendida. Hoje sei muito bem que minha poesia era ruim de doer e não fazia muito sentido.

Um dia eu percebi que poesias não são feitas seguindo uma receita que nos orienta colocar os ingredientes amor e palavras difíceis. Dá até pra fazer poesia sobre fome e com palavras fáceis!

4 comentários:

Anônimo disse...

Tá ai uma coisa que eu sempre odiei! Algum professor chegava para a sala e dizia "façam uma redação/poesia para antes do fim da aula", como se escrever algo fosse o mesmo que resolver um problema de matematica! Mas o pior de tudo é dizer que o que o aluno escreveu está totalmente ruim (fazendo com que os mais inibidos e os menos interessados abandonem de vez qualquer tentativa de escrever), e ainda querer dar nota a uma poesia! Uma vez perguntei a minha professora que havia me dado seis em um poema, qual seria a nota que ela daria a poema de F. Pessoa e a um de A.de Azevedo! Como se dá essa medida? Não acredito em poemas ruins, pois tambem não acredito em bons poemas. Acredito apenas que a poemas que nos "tocam".

Anônimo disse...

Você poderia postar esse teu poema, se vc ainda o tiver, é claro!

tatiana hora disse...

vige, tá difícil achar esse poema viu? faz muito tempo já!

mas é bem por aí... e os prof surpreendem as crianças. tipo, do nada, eles chegam e pedem pra criança escrever uma poesia, sendo que ela teve antes pouquíssimo contato com esse tipo de produção.
e dar nota então, nem se fala.
muitos prof têm total segurança dos seus métodos de avaliação, ao ponto de não querer arredondar uma nota de 6,8, 6,9 pra 7, e reprovar o aluno aleatoriamente.
tipo, será que os décimos são tão seguros assim?

Ramon Franklin disse...

Poesia é com o corazon... (L)