quarta-feira, janeiro 16, 2008

Até tu, Brutus?


Fiquei chocada ao saber que Glauber Rocha, o famoso cineasta do cinema novo, tinha feito um filme encomendado por Sarney. Sim, o mesmo Glauber de grandes obras como Deus e o diabo na terra do sol e Terra em transe tinha feito um filme a pedido de Sarney! O professor do núcleo onde estudo audiovisual chegou a defender o filme Maranhão 66, onde Glauber apresenta como pano de fundo para um discurso de José Sarney no ano de 1966, a situação precária em que o estado do Maranhão se encontrava, o que evidenciava também a pobreza e a desigualdade social do resto do país.
- Vocês vejam que, mesmo num filme com tudo pra ser chapa branca, o Glauber aproveita pra fazer um cinema de contestação, que fala da realidade do povo brasileiro.

Uma aluna ficou indignada com o tal filme e ainda ironizou:

- Engraçado, ele falou mal de Limite, do Mario Peixoto, por considerá-lo um filminho burguês imitação dos filmes europeus que falavam de questões exitencialistas, mas ele vem e faz um filme desse que é igualzinho a qualquer propaganda política. O Sarney só faltou chorar.

É. Houve gente que disse que foi uma pena mesmo o Glauber ter morrido tão cedo, mas que, pensando bem, ele provavelmente bateu as botas a tempo, antes que virasse um capacho de homens influentes "de esquerda", ou qualquer Arnaldo Jabor da vida.

Eu, particularmente, não tenho a opinar sobre se Glauber deveria ou não ter morrido cedo, mas ora francamente, odiei o tal filme que ele fez sobre Sarney. Ninguém me venha com história de denúncia sobre a sociedade, ou de defesa de um político que na época tinha um discurso reformista. Na obra, nós vemos um povo sofrido que precisa de um herói, um salvador da pátria: Sarney. Em nenhum momento assistimos a cidadãos, a sujeito históricos, mas apenas vemos pobres coitados, ó vítimas da fome, que têm como luz no fim do túneo um político demagogo envolvido pela sua retórica de deidade terrena. A última cena do filme mostra, logo após apresentar doentes e crianças esfomeadas, a finalização do discurso de Sarney, seguida pela câmera que aponta para as milhares de pessoas que aplaudiam as palavras de uma espécie de Sassá Mutema (que só veio surgir nas telas da novela da Globo 23 anos depois).

Alguns fãs mais ingênuos comentam que o filme, na verdade, mostra a contradição entre as promessas dos políticos e a realidade em que vivemos. Mas ora, uma ironia como essa caberia caso se referisse a um homem que já estava no poder, e não a um homem que almejava chegar ao poder com propostas de mudanças radicais direcionadas ao bem dos mais pobres. O filme não termina por ser uma brincadeira de Glauber com a cara de seu cliente, mas é, sim, uma propaganda política como qualquer outra, agregadora de capital simbólico a um homem público como qualquer outra. Esse filme de revolucionário não tem é nada. Não passa de uma forma que o Glauber Rocha arranjou pra pagar as contas. E todos precisamos pagar nossas contas, não é verdade? Só não venha me dizer que está em nome da revolução.

2 comentários:

Anônimo disse...

"O Homem e suas circunstâncias"
Quem é que não tem princípios, quem é que não tem preço?

Calebe disse...

Esse é um filme irônico - Glauber tinha certeza disso.