segunda-feira, julho 02, 2007

Meninos não choram

Crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual são reféns do silêncio

Indignado, Ricardo de Souza Lima, coordenador do Programa Sentinela, abre a gaveta da sua mesa e retira uma pasta onde estão declarações de mais de 50 famílias que se negam a receber acompanhamento psicossocial. “Entre os meninos, a vergonha é ainda maior, já que, geralmente, eles são abusados por adultos do mesmo sexo. Além disso, na maioria das vezes, o agressor é da própria família ou alguém bem próximo”, declara Ricardo Lima.

De acordo com dados do Centro de Atendimento de Grupos Vulneráveis, no ano passado foram registrados 69 casos de abuso sexual cometidos contra crianças e adolescentes, dos quais 10 vítimas eram do sexo masculino. Em 2007, até o momento houve 23 ocorrências, das quais duas eram de abuso sexual contra meninos. “Não se sabe se esses números correspondem à realidade, já que os meninos têm muito mais vergonha de denunciar do que as meninas”, comenta a delegada Mariana Diniz.

O abuso e suas conseqüências- Segundo a psicóloga Aline Maciel, considera-se abuso sexual qualquer tipo de carícia feita em uma criança ou adolescente com o objetivo de obter satisfação sexual através de uma relação de poder. “O abuso causa uma excitação para a qual o menino ainda não está preparado, o que causa sérios problemas para seu desenvolvimento”, explica a psicóloga.

Segundo Aline Maciel, há casos em que o agressor seduz a criança com simpatia e carinho. “Algumas vezes a criança sofre ameaças do agressor, que a faz se sentir causadora da situação, e tem medo de contar a alguém. Em outros, ele convence a vítima de que o abuso representa amor, e ela é tão carente que não quer perder o ‘afeto’ recebido”, comenta.

De acordo com Aline Maciel, a criança ou adolescente que tem esse tipo de experiência precoce pode no futuro ter dificuldades de obter prazer em relações sexuais, ou até mesmo criar uma compulsão pela prática sexual. “O menino pode ainda vir a se tornar um agressor, dado que nós, seres humanos, temos o hábito de repetir experiências passadas”, afirma.

Ricardo Lima relata que já atendeu no Programa Sentinela meninos que abusaram da irmã ou do irmão. Em outros casos, os meninos vêm a se tornar garotos de programa. “Eles vendem seus corpos como objetos, pois foram como objetos que eles foram tratados”, declara a psicóloga Aline Maciel.

Além das conseqüências psicológicas, o abuso apresenta conseqüências físicas. A psicóloga Aline Maciel acompanhou o caso de Bruno*, de três anos. Bruno era muito apegado à babá e estava sempre em sua companhia. Até que um dia sua mãe descobriu que o filho contraiu gonorréia através de abuso sexual cometido pela babá.

De acordo com o conselheiro tutelar Jerônimo da Silva Sérgio, as vítimas são encaminhadas para a Maternidade Hildete Falcão para, depois de constatado o abuso, fazerem exames mais complexos e tomarem um coquetel Anti-AIDS que pode prevenir a doença até 72 horas depois do incidente.
Dilemas da legislação- Segundo Jerônimo da Silva, o único caso de suspeita de abuso sexual contra criança do sexo masculino registrado no ano passado na região do 3° Distrito, que abrange bairros como Grageru e 13 de Julho, não teve o processo levado adiante, pois a família retirou a queixa. “Depois o garoto, de apenas nove anos, veio a negar que havia sido abusado pelo tio. Entretanto, ele apresentava os sintomas, lavava-se frequentemente e seus desenhos se remetiam ao falo”, relata o conselheiro.

De acordo com o promotor Paulo Lima, há casos em que a família pode desistir do processo. “Na ação pública incondicionada, quando o acusado é pai ou responsável da vítima, a família não pode se retratar. Já na ação penal privada, em que a família faz a queixa e paga um advogado, a parte afetada pode retirar a queixa a qualquer momento, e termina o processo”, explica o promotor.

Programa Sentinela- Executado em Aracaju pela Secretaria Municipal da Assistência Social e Cidadania (Semasc), o Programa Sentinela funciona em Sergipe desde 2002, e ainda abarca apenas sete dos 75 municípios do estado, como Barra dos Coqueiros, Nossa Senhora das Dores, Estância, Nossa Senhora do Socorro e São Cristóvão, além de Aracaju.

O objetivo do programa é realizar atendimento social e psicológico às crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. “O acompanhamento também deve envolver os familiares em conjunto e separadamente, para o sucesso do atendimento”, afirma o coordenador.

*O codinome foi utilizado com o intuito de preservar a identidade da criança.

Sintomas de abuso sexual

Agressividade
Agitação
Excesso de masturbação
Ansiedade
Queixa de dores nos órgãos sexuais
Falta de confiança em adultos
Mudança repentina de humor
Fala constante sobre temáticas sexuais

Disk Denúncia: 0800 791400

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